Cidades

Interligadas

1980

-Olá. Você é filho do Sr. Tarciso Bonachela, que trabalhava na escola Paula Santos, na cidade de Salto?

-Olá, sou sim, você conheceu meu pai?

-Se conheci? Convivi com teu pai por cinco anos, de 1975 até 1980.

-Tenho uma lembrança magnífica do teu pai.

Num dos últimos dias de aula da 8ª série, conversei com “seo” Tarciso, coisa que eu nunca havia feito em todos os meus anos de Paula Santos, ele nem nos dava abertura para isto. E naquele dia ele chorou me contando que seu filho fora recusado na escola de cadetes da aeronáutica por usar óculos de grau elevado para miopia. Já era meu jeito de ser, de ouvir as pessoas. Sempre fui excelente ouvinte. Nunca me esquecerei dele e do choro, contando a uma menina, daquelas que ele tinha que sempre estar de olhos atentos por fazer parte da turma “da pá virada”, sobre algo tão importante e dolorido da sua vida. Muitos anos depois, quando passei a conviver com amigos de Indaiatuba, soube que ele perdeu uma filha, também.

Pena nunca mais ter tido a chance de conversar com alguém que sempre nos pareceu uma fortaleza e que insistia em nos mostrar o que significava disciplina sem dizer palavra alguma e que, numa manhã do ano de 1980, se mostrou alguém tão humano, tão pai e tão maravilhosamente sensível.

Até a semana passada, eu não sabia se ele ainda vivia. Mesmo que em minha memória, ele viva para todo o sempre.

Resolvi buscar algum parente dele e por coincidências do destino, numa conversa de uma amiga indaiatubana, encontro um comentário de Tarciso Mauro Bonachela. Coração bateu forte. Resolvo conversar e depois de conversado, sei que posso publicar aqui, já que eu tinha receio de citar terceiros e que a citação não o agradasse.

Contei ao filho minha memória e obtive a resposta. Tinha também receio de que minha memória me enganasse e eu estivesse lembrando de algo que efetivamente, não houvesse acontecido.

Contei.

-Te incomodo com minha lembrança, Tarciso Mauro?

-Você não só não me incomodou, como proporcionou uma sensação maravilhosa de lembrança do meu pai.

Ele se foi muito cedo, em 1995, 61 anos de idade, e deixou muita saudade em meu coração.

Ele sempre foi muito fechado, então, fiquei muito surpreso com o seu comentário sobre meu episódio na Escola de Cadetes. Certamente ele não quis demonstrar sua frustração naquele momento para mim, já que jovem como eu era, realmente fiquei extremamente frustrado.

Fico muito feliz em saber que ele pôde se abrir com alguém. Ele foi um pai magnífico e agradeço a Deus por isto. Obrigado pelo contato e pela especial atenção.

Então, 38 anos passados e tenho a confirmação de que mais uma vez, minha mente não me enganou e que tudo que me lembrava de ter vivido, com esse senhor de eterna ausência de sorrisos, num dia de choro, concedeu a esta menina, uma das lembranças mais poéticas que ela guarda em sua vida.

Julgar pela aparência, pela postura? Aprendi muito nova que não é válido.

Determinadas conversas nos dão o sabor de ver e saber o outro, de maneira nunca vista e nunca sentida.

Sr. Tarciso, agradeço os anos juntos, o espelho pelo qual nos olhava descer as escadas e o inquirir, se algo o alertasse, do porquê estarmos descendo as escadas ao invés de assistindo a aula.

E a cada vez que me lembrar do senhor, será com gratidão por todo o bem que nos causou em todos os nossos anos de Paula Santos.

Obrigada, sem obrigação alguma.

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