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Escritor e editor de livros diz que educação é a base para aumentar número de leitores

Na semana do Dia Mundial do Livro, Jean-Frédéric Pluvinage, fundador da Fox Tablet, propõe medidas práticas para garantir mais acessibilidade cultural

 

O escritor, professor, jornalista e empresário franco-brasileiro Jean Frédéric Pluvinage, fundador da Fox Tablet, editora especializada em publicações digitais para tablets, afirma que a educação é a base para se conseguir aumentar o número de leitores no Brasil e ele dá uma lista de ações.
Para ele, os pais precisam estimular o livro junto às crianças e jovens. Nas escolas, é preciso ter bibliotecas estruturadas. Além disso, criar políticas públicas e formas de tornar o livro mais acessível para o público, seja impresso ou digital. Também pensar em outros formatos que fogem do tradicional.

A preocupação ocorre mesmo com o crescimento do mercado de livros no Brasil em 2022, impulsionado pela queda no preço médio, segundo pesquisa realizada pela indústria editorial Nielsen Bookscan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, já que o país está longe de ter um assíduo público leitor.

No total, foram vendidos 58,61 milhões de livros em 2022 no mercado brasileiro. O número é 2,98% superior ao 56,91 milhões que foram vendidos em 2021. A marca é considerável, já que a superioridade também se mantém no faturamento, sendo 8,33% maior que o ano de 2021, com R$ 2,54 bilhões contra R$ 2,35 bilhões.

O PRIMEIRAFEIRA provocou a discussão ouvindo Jean Pluvinage, porque no domingo, 23 de abril, se comemora o Dia Mundial do Livro, uma data cuja origem está na morte de três grandes escritores para a literatura do globo: o inglês William Shakespeare, o espanhol Miguel de Cervantes e o peruano Inca Garcilaso de La Vega.

 

O senhor criou em 2013 a editora Fox Tablet, que é voltada para as publicações digitais, época em que essa mídia ainda não tinha tanta relevância como hoje. Foi uma aposta no escuro?

Jean-Frédéric Pluvinage: A ideia de criar a Fox Tablet começou em 2010, com o surgimento do iPad, primeiro leitor digital de sucesso, que tinha recursos novos para a época. O campo editorial estava vendo essa possibilidade como a salvação das revistas. Não foi a salvação para as revistas. Mas nessa onda eu decidi oferecer essa possiblidade não apenas para as revistas, como também para livros. Embora estar no interior impusesse um desafio maior, o resultado foi surpreendente. Vários autores me procuraram para lançar seu primeiro livro com a Fox Tablet, outros queriam fazer livros com memórias e outros ainda buscando desenvolver uma publicação sobre o âmbito profissional. Academias de letras da região também me procuraram, para as quais, especialmente para a academia ituana, eu faço alguns trabalhos nessa área até agora.

 

Ao longo desse tempo o que mais chamou a atenção?

Jean-Frédéric Pluvinage: São várias situações, especialmente aquelas que realizam o sonho do cliente. Teve um caso de uma pessoa que fez um verdadeiro evento para o lançamento do livro. Ela alugou um galpão inteiro, convidou muitas pessoas da cidade, ofereceu comidas típicas de sua região e trouxe toda a sua família lá do Pará. É o sonho, a realização da vida da pessoa. Então é legal estar presente nesse momento. É uma conquista, um momento simbólico. Outro lançamento bastante marcante foi o livro “Italianos em Itu”, no qual estavam presentes cem famílias ituanas. Teve recentemente o lançamento do segundo volume e os dois volumes lançados em língua italiana. Agora os autores vão lançar o livro na Itália, o que gerará uma repercussão bastante interessante.

 

Os desafios para se produzir um livro continuam grandes?

Jean-Frédéric Pluvinage: Vendo na questão da criação de um livro digital, os desafios estão menores devido à chegada de algumas tecnologias que ajudam o escritor novato, como, por exemplo, no custo de produção. Antes, na produção tradicional, um escritor precisava fazer mil exemplares, o que, além do custo, exigia um espaço físico para armazenar. Hoje em dia, com a impressão digital, é possível fazer cem ou cinquenta exemplares. Se optar pelo digital, o escritor tem apenas o custo da produção com a editora, já que o editor irá não apenas revisar o texto, mas fazer a divulgação e criação da capa. Há ainda a opção de a própria pessoa fazer esse trabalho de anunciar o livro nas plataformas de vendas online. Nesse caso, porém, será apenas um livro entre tantos, sem a ponte que a editora faz, potencializando assim o público-alvo do escritor.

 

Os livros digitais permitem explorar possibilidades que o impresso não permite?

Jean-Frédéric Pluvinage: São vários os recursos que podem ser usados. Os livros digitais podem se assemelhar a um website, já que a estrutura dele é similar ao que temos nas páginas de internet, só que empacotado para a leitura. Pode-se usar os recursos de aumentar e diminuir fontes, usar hiperlinks que te direcionam para outras informações, acrescentar vídeos e sons, interatividade com alguns jogos, escrever comentários que poderão ser acessados e compartilhados por usuários e eles podem até mesmo se transformar num audiobook, seja com a voz do autor, de um ator ou uma voz robótica. Isso é muito comum nos livros de pesquisa, como por exemplo, de Direito. Quando se pesquisa uma lei, o advogado e o estudante podem buscar por um termo e ir direto sem precisar passar por todas as páginas. Em breve, através do ePUB3, um novo formato com metadados, você poderá navegar no livro e informar seu interesse que os metadados vão te direcionar a isso, informando sobre as fotos e legendas. O que falta agora é ter softwares (programas de computador) e e-readers (leitor de livro digital) compatíveis com essa tecnologia.

 

Como está a relação do leitor com os livros hoje em dia?

Jean-Frédéric Pluvinage: Estamos (como escritor e editora) sempre lutando para que cada vez mais as pessoas queiram ler. São vários os desafios a serem enfrentados, como o gosto pela leitura, a concorrência com os aplicativos de streaming e jogos eletrônicos, entre outros. São ótimas mídias e formas de divertimento, mas a leitura não precisaria ser negligenciada e poderia estar inserida nesse contexto do entretenimento, levando ao leitor novos mundos e novos conhecimentos. A população, hoje em dia, está imersa nos vídeos curtos e textos curtos e acaba esquecendo que uma leitura imersiva também pode ser interessante. É uma questão de saber atrair o leitor para esse universo, como aconteceu há alguns anos com os livros do Harry Potter, que fez uma geração inteira ler livros extremamente volumosos (de 250 a 750 páginas).

 

Se ao menos os livros influenciassem outras mídias…

Jean-Frédéric Pluvinage: Mas eles influenciam outras mídias. Hoje o livro faz parte de um ecossistema, do qual, sobretudo o cinema, é influenciado. Cada vez mais Hollywood investe em produções milionárias ou até bilionárias, que precisam ter uma certeza de retorno financeiro. Para isso, acabam utilizando algo que já é de conhecimento público e que já é aprovado, como por exemplo, histórias de livros que fazem sucesso. Aconteceu com “Maze Runner” e “Jogos Mortais”, entre outros. A grande maioria dos filmes tem uma base nos livros, que já têm um público de interesse e ainda podem cativar outros. O livro é um grande laboratório para se lançar histórias, com a diferença para o cinema referente à imersão feita pelo próprio leitor no livro, que imagina o universo da história, enquanto no cinema você vê a cena, mas na visão do editor.

 

Como cativar, sobretudo, novos leitores?

Jean-Frédéric Pluvinage: Temos de conquistar o leitor com histórias com uma linguagem diferente. A literatura jovem aborda muito essa questão de o leitor ter de ser representado. Os livros clássicos têm uma certa ressalva por parte de algumas pessoas, por não terem um contexto que remeta ao dia a dia ou por terem uma linguagem rebuscada. Machado de Assis é um caso de livro que tem um português que, para muitos, pode parecer arcaico. Mas como vencer essas barreiras? Abrindo pontes com adaptação entre passado e futuro. Há quem seja resistente e reticente com as obras de Machado de Assis em quadrinhos ou numa versão jovem. Porém, não se trata de destruir a obra original e sim de criar um caminho diferente e mais adequado para novos leitores.

 

Nesse cenário, o que é preciso fazer?

Jean-Frédéric Pluvinage: A base para se incentivar a leitura está na educação, que depende de toda uma estrutura, começando pelas famílias. Não vou dizer que precisam parar de ver televisão ou de jogar videogame, mas é possível reservar um tempo para ler. Os pais precisam estimular o livro junto às crianças e jovens. Nas escolas é preciso ter bibliotecas estruturadas. Aqui em Salto temos uma biblioteca gigantesca e maravilhosa, mas que precisa ser acessível a todos, sobretudo os que moram longe. Nesse ponto, podemos pensar em bibliotecas itinerantes, estimular ações e eventos, como faz a Academia Saltense de Letras; criar políticas públicas e o editor deve criar formas de tornar o livro mais acessível para o seu público, seja impresso ou digital. Além disso, como falei, pensar em outros formatos que fogem do tradicional, com adaptações para novos públicos, com uma linguagem para quem, talvez, não teve o mesmo acesso à educação que outros. Todos têm direito a ter conhecimento sobre obras de Machado de Assis, por exemplo, mas alguns editores foram “massacrados” por tentarem trazer esse conteúdo através de um texto mais simples. Essa talvez tenha sido a única forma de muitas pessoas terem acesso hoje em dia a Machado de Assis. Acessibilidade cultural é muito importante.

 

Nessa batalha, o livro físico perde espaço?

Jean-Frédéric Pluvinage: O grande problema do livro físico é chegar ao potencial leitor, já que tem um número de exemplares específicos. O livro físico precisa chegar, mas com um preço mais acessível. As livrarias hoje em dia causam a maior parte dos entraves para que isto ocorra, já que pedem metade do valor da venda. Além disso, o escritor e a editora só receberão depois de a venda ter sido efetuada. As situações que ocorreram recentemente, com os problemas financeiros de uma série de empresas que vendiam livros, agravam ainda mais. É um sistema que poderia estar muito melhor para o editor, mas infelizmente não está. Nesse ponto o digital tem vantagem. Ele estará sempre lá para ser acessado.

 

Os livros digitais serão sempre um atrativo para novos leitores?

Jean-Frédéric Pluvinage: Acredito que sim, afinal há várias questões envolvidas, como a falta de tempo de muitas pessoas. Isso já acontece no jornalismo. Alguns portais de notícias estão fazendo uma pontuação da notícia, para que o leitor não precise ler um texto completo e apenas saber o fato. Há os pontos fortes nessa tendência, mas é preciso lembrar que uma leitura imersiva também tem seus pontos fortes e oferece situações e sentimentos, que o dinamismo da informação não proporciona. Tem lugar para leitura de textos curtos, mas tem coisas que só um romance detalhado traz para o leitor. Você não consegue, por exemplo, resumir uma obra como “O Senhor dos Anéis” em uma versão pocket. (A trilogia em livro físico tem um total de cerca de 1.200 páginas).

 

A internet obrigou o jornal impresso a se reformular. Com o livro, essa relação é diferente por existir o livro digital?

Jean-Frédéric Pluvinage: Eu acho que é bem diferente. Antes de criar Fox Tablet eu trabalhei em uma outra editora e presenciei essa mudança da transição de uma revista impressa para a digital, em que o público muitas vezes obtinha a informação com vídeos, tutoriais ou em páginas de internet. Tal como o jornal, são informações pontuais que as pessoas buscam na internet com a intenção de que sejam gratuitas. Já com o livro, a pessoa tem a expectativa de uma leitura extensa, que durará mais do que um ou dois cliques na frente do computador ou do celular. Aí entra a questão de as pessoas terem um momento de leitura e utilizar um lugar confortável para ler. O próprio leitor de livros digitais foi adaptado, quando comparado com o celular ou o computador, para não ser desconfortável para a leitura. Hoje, os livros digitais não colocam em risco os livros impressos. Grande parte das pessoas passa o dia na frente a uma tela e quando chega em casa quer ter um momento de tranquilidade. Essas pessoas não vão querer ficar na frente de outra tela. O livro oferece esses momentos off-line. Em relação ao digital é um pouco difícil, sobretudo por exigir um hardware (a parte física do computador, ou seja, o conjunto de aparatos eletrônicos, peças e equipamentos que fazem o computador funcionar), que, por mais que esteja cada vez mais acessível, ainda é caro para muita gente. O investimento em cultura deve começar com políticas públicas que ofereçam livros com preços condizentes com nossa realidade, feiras de livros, biblioteca. Há outras formas de popularizar a leitura que não apenas os leitores digitais. A leitura em si precisa ser mais fomentada no Brasil antes de buscamos formas de fomentar os livros digitais.

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