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Psicóloga é taxativa sobre a violência nas escolas: é preciso ouvir as crianças e adolescentes

Rafaela Paes Zaparolli afirma que a comunicação ajuda a compreender e a tomar medidas adequadas, mas entende que pais e responsáveis ainda não estão abertos a escutar

 

A psicóloga Rafaela Paes Zaparolli disse ao PRIMEIRAFEIRA que, para evitar as situações de violência pelas quais escolas do país inteiro têm passado, pais e responsáveis precisam ouvir mais as crianças e adolescentes para saber o que acontece dentro das escolas e com seus filhos. Ela considera que esta é a forma de compreender e participar da vida escolar e de tomar medidas.

A profissional defende que é preciso utilizar os recursos que estão disponíveis e orienta, com dicas e sugestões, sobre como agir em meio às tristes situações pelas quais o país passou nos últimos meses, com ataques mortais em escolas e creches, e as muitas ameaças ocorridas em Salto, as quais fizeram a segurança nas escolas passar a ser um tema muito discutido e uma preocupação.

Rafaela Paes Zaparolli, que é psicóloga clínica, atuante no atendimento de pacientes de Salto, Itu, Indaiatuba e de outras cidades da região, com experiência no acompanhamento de casos de pessoas que vivem situações de medo, afirma que pais e responsáveis ainda não estão abertos a escutar como deveriam. Veja abaixo as avalições que ela fez ao PRIMEIRAFEIRA.

 

 

A violência nas escolas, que tem movimentado as atenções ultimamente, está relacionada apenas bullying e preconceito?

Rafaela Paes Zaparolli: Quando falamos de crianças, adolescentes e jovens precisamos lembrar que o cérebro está em desenvolvimento e que prossegue assim até os 25 anos. É importante que eles tenham um chão seguro, ou seja, adultos que ajudem essas crianças e adolescentes oferecendo um ambiente seguro para eles crescerem e principalmente para que eles possam falar. Na clínica, às vezes recebo pais que falam que os filhos não falam com eles, mas aí quando eu recebo o adolescente, ele diz que os pais não o escutam. Então acontece alguma coisa que impede a comunicação entre eles. Meu conselho é sempre ouvir. Quando falamos em crimes de violência nas escolas um dos pontos muito comentados é para não divulgarmos imagens relacionadas àquele crime que ocorreu, pois aumenta a chance de que o crime aconteça novamente. Há um estudo nos Estados Unidos que fala que aumenta em até 20%. Muitas vezes a pessoa está pensando (em cometer um crime) e vendo a divulgação de outros, faz com que ela de fato cometa o crime. Existe uma subcultura de grupos que, às vezes, promove essa violência e assim acaba ganhando um espaço na mídia. São muitos fatores.

 

Qual é o principal conselho para evitar essas situações?

Rafaela Paes Zaparolli: Promover um ambiente seguro. Muitas vezes o adolescente vai conversar com o pai sobre algo que aconteceu e o deixou com medo e os pais não dão importância e dizem que é bobagem, não dão ouvidos a ele. Os pais precisam dizer que entendem que eles estão com medo e precisam conversar sobre o assunto. Em algumas escolas têm psicólogo e assistente social, então se houver alguma demanda que tenha causado insegurança ou algum sentimento assim nas crianças, eles podem ouvir e trabalhar com isso. Mas nem todas as escolas têm.

 

Como esses casos de violência nas escolas afetam os alunos?

Rafaela Paes Zaparolli: Esses casos recentes de ataques causaram muita insegurança aos alunos, mas os pais, professores e os adultos desse entorno precisam oferecer essa segurança novamente para essas crianças e adolescentes. Precisam fazer com que eles entendam que a escola é um ambiente seguro. Se pegarmos os dados, em 20 anos morreram 35 alunos dentro da escola. Já nas estatísticas de violência contra crianças e jovens, são 7 mil (crianças e adolescentes) que morrem por ano. Então, estamos falando de uma sociedade violenta. A escola reflete uma sociedade violenta. Temos os maiores índices de violência no trânsito, feminicídio, violência contra as minorias. As escolas refletem tudo isto. Porque são um local onde as crianças e adolescentes vão para aprender a viver em sociedade. Temos um cenário político que foi muito radicalizado recentemente, onde muitos parentes não se falam e aí falam para as crianças irem à escola e falar com todo mundo, mas elas não têm esse exemplo em casa e as crianças replicam os exemplos que elas aprendem em seu redor sempre.

 

Como lidar com o medo das crianças e adolescentes de ir às escolas e o medo dos pais em levá-los depois dos ataques?

Rafaela Paes Zaparolli: Realmente causa muito medo, mas não podemos alimentar essa fantasia negativa. Como eu disse, é mais seguro na escola do que na rua. Então muitas vezes o adulto precisará procurar ajuda para que ele consiga ajudar o adolescente. E sempre conversar também para entender qual o medo e não minimizar. É preciso ouvir e ter esse diálogo.

 

Para as crianças que já passaram por algum tipo de trauma, qual é o procedimento a ser adotado para lidar com eles?

Rafaela Paes Zaparolli: Primeiramente é preciso regular todo mundo, incluindo os adultos da escola e os adultos de casa. Porque, se o adulto não está no controle da situação e passando segurança, pode aumentar a ansiedade e o estresse das crianças. Por isso, é importante o adulto procurar ajuda também, pois ele será o chão seguro. Quando acontecer alguma coisa que afete essa criança ou adolescente, é recomendável encaminhar a um psicólogo. Algumas vezes tem um psicólogo na escola que pode fazer esse trabalho em grupo, unindo esses adolescentes para conversar. Se a escola não tiver esse profissional, os pais podem procurar através do Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

 

Na opinião da senhora, quais ações deveriam ser realizadas fora da escola para tentar evitar esses ataques?

Rafaela Paes Zaparolli: É importante ressaltar que, quando esses ataques são feitos por alunos, geralmente eles têm ameaças antes. Então é importante investigar. É preciso ter uma parceria entre as secretarias de Educação, Segurança e Ação Social da Prefeitura para fazer um trabalho multidisciplinar. Digamos que seja identificado um aluno que está ameaçando, é preciso ver que tipo de ameaça, se é algo muito fantasioso ou se é algo que já está estruturado e pode vir a acontecer. Às vezes, pode ser necessário chamar o Conselho Tutelar, os pais ou o psicólogo para ajudarem com aquela situação.

 

Falta uma investigação maior por parte das escolas quando há essas ameaças no ambiente escolar?

Rafaela Paes Zaparolli: Sim, sem dúvida, porque estamos falando de uma sociedade violenta. É uma criança ou um adolescente que talvez esteja no meio da violência ou às vezes só está pedindo ajuda. Em outras vezes são diversos fatores somados que desencadeiam uma ameaça. Todo atentado antes teve uma ameaça. Isto já é um indicador. As pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que, por exemplo, o detector de metal não é 100% confiável, porque como esses ataques são planejados, muitas vezes eles já planejam realizá-los antes mesmo de chegar no detector de metal. O controle de acesso também não é 100%, porque muitas vezes quem comete esses ataques são os alunos. O mais eficiente até hoje seria observar esses jovens para levantar qualquer indício, se há alguma ameaça ou até mesmo como são as redes sociais deles. E quando for detectado algo assim, deve chamar esses alunos para conversar e ver o que pode ser feito. É muito importante que os pais saibam com quem seus filhos estão conversando e os lugares que estão frequentando. É importante trazer os filhos para perto e criar um vínculo com eles. A neurociência explica que jovens que têm esse chão seguro lidam melhor com a rejeição do grupo e possuem mais resiliência para enfrentar as situações mais difíceis.

 

 

 

   Coronel da reserva da PM defende mais participação de pais e responsáveis e monitoramento de prédios

 

O coronel da reserva da Polícia Militar Robinson Cabral de Oliveira, que também é doutor e mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e bacharel em Ciências Jurídicas, afirma que a grande solução e maior prevenção para evitar a violência nas escolas é uma maior participação dos pais e responsáveis e a monitorização da própria comunidade escolar.

 

Quais ações o senhor acha que as escolas devem tomar para tentar evitar esses ataques?

Coronel Robinson Cabral de Oliveira: Inicialmente devemos lamentar que esses acontecimentos tenham se tornado uma realidade. Na parte externa das escolas, a Secretaria de Estado de Segurança Pública, dentro das estratégias próprias e das informações de inteligência e da sociedade, desenvolve o seu trabalho para coibir e inibir os delitos. Dentro das escolas existem diversas ações e equipamentos que podem agregar à segurança do espaço, como, por exemplo: câmeras, detectores de metais, compartimentação de locais, treinamento específico para funcionários e para alunos, folders para orientação de pais e alunos, criação de canais de comunicação entre a sociedade escolar, entre outras. Todavia a grande solução e maior prevenção é a participação dos pais e a monitorização da própria comunidade escolar, que, ao perceber qualquer movimentação que fuja da normalidade, reporte aos canais pertinentes para que sejam tomadas providências.

 

A presença de uma equipe da Guarda Civil Municipal em frente a cada escola ajudaria na segurança?

Coronel Robinson Cabral de Oliveira: A presença da equipe de guardas civis municipais na entrada e saída das escolas seria uma boa medida, todavia não é uma realidade de todos os locais. Temos que entender e conhecer o tamanho do aparelho público, para não criarmos falsas expectativas e de fato participarmos da solução para juntos potencializarmos o aparelho existente. Cabe salientar que existem outras estratégias que substituem a presença da viatura parada na porta da escola e entregam o mesmo resultado, dependendo da avaliação e planejamento do gestor local. Importante é o contato constante da comunidade escolar e as autoridades de segurança para trocarem informações e realizarem as ações.

 

Alguns locais estão adotando seguranças desarmados nas escolas. Isto seria uma boa forma de segurança?

Coronel Robinson Cabral de Oliveira: Com relação à presença de guardas desarmados nas escolas, acredito que tudo que venha acrescer para ampliar o espectro de segurança é valido e importante. Principalmente porque se trata de um profissional treinado e com experiência, que terá oportunidade de observar e detectar movimentação adversa da normalidade, caso ocorra, podendo acionar mais rapidamente os órgãos competentes para realizar a intervenção necessária. Além de tudo, poderá transmitir a sua experiência aos demais funcionários da escola e orientar possíveis deslocamentos internos nos momentos de crise.

 

Profissionais que trabalham em escolas devem ter um treinamento para se prepararem para situações como essas?

Coronel Robinson Cabral de Oliveira: Geralmente profissionais que trabalham em escola possuem um outro tipo de formação, mas algumas noções sobre segurança, bem básicas, poderiam ser agregadas, assim como já acontece quando falamos de prevenção de incêndio e de plano de evacuação. Assim sendo, a melhor situação seria um bom canal de comunicação e uma boa percepção.

 

Em relação à segurança dos alunos, quais orientações o senhor aconselharia os pais ou responsáveis a passarem para seus filhos e como eles deveriam agir em situações como as recentes?

Coronel Robinson Cabral de Oliveira: Com relação aos pais, a orientação é que, de fato, fiquem atentos aos seus filhos e vejam o que eles estão acessando na internet, de quais grupos estão participando e com quais interagindo, o que estão assistindo, quem são os amigos com quem estão se relacionando. Observem o comportamento, conversem e sempre orientem e escutem os seus filhos. Tudo aquilo que for de relevância reportem para a escola para que ela adote as providências e, se necessário, às autoridades policiais. Orientem os filhos para que, se perceberem algo parecido com ataque ou algum amigo estranho, que se afastem de imediato e procurem um local seguro, preferencialmente distante dos fatos, e que peçam socorro. Lembrem-se: a melhor prevenção está na observação da comunidade escolar e dos próprios alunos.

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