“Muitos imaginam que educação financeira é uma planilha que contém seus ganhos e seus gastos. Isto faz parte do processo, mas não é só isso”, afirma a gestora financeira Andresa Peres, que foi ouvida pelo PRIMEIRAFEIRA nesta semana. Para ela, é preciso compreender que o tema envolve principalmente o comportamento que as pessoas têm diante da vida, o seu grau de apego a crenças que vêm da infância e o impacto dos hábitos que cultuam.
Na conversa com a reportagem, a gestora deu dicas sobre como se conhecer melhor e se entender, como se comportar a partir disso e afirmou que só depois disso é que se deve pensar em lidar com o dinheiro de forma mais eficaz. Ela fala ainda sobre fazer investimentos, que muita gente acha que só quem tem dinheiro é que pode fazer e assegura que não é assim: “Existem ações de R$ 10. Tem investimentos de renda fixa que começam a partir de R$ 100. É muito a questão do costume”, afirma a especialista.
Andresa Peres é formada em gestão financeira e sempre trabalhou na parte corporativa, com a gestão empresarial. Atua no mercado financeiro desde 2017 e há mais de cinco anos trabalha como educadora financeira. Ela conta que decidiu se especializar na área por ver que as pessoas têm muitas dificuldades com as finanças e acreditam que é só uma questão matemática. Confira abaixo como foi a entrevista na íntegra.
Como se pode definir o que é educação financeira?
Andresa Peres: Educação financeira nada mais é do que um conjunto de conceitos, ideias e práticas para direcionar as pessoas em suas tomadas de decisões, de modo que elas consigam identificar suas emoções, pontos fortes e fracos e assim conseguir fazer escolhas financeiras mais assertivas e seguras. No meu trabalho, eu ajudo as pessoas a identificarem o seu perfil, pois faço um modelo de trabalho para cada pessoa. Não é só dinheiro, envolve muitas coisas individuais, como crenças. Algumas pessoas têm crenças negativas sobre dinheiro, alguns falam que o dinheiro é a raiz de todo mal, que a pessoa muda quando se torna rico, entre outras crenças. Tudo isto faz parte do processo.
A questão da educação financeira sempre esteve presente na vida da senhora ou foi uma coisa que teve de ser aprendida?
Andresa Peres: Meus pais sempre prezaram por isso. Não pela parte dos investimentos, porque nessa questão as pessoas antigas são um pouco mais receosas. Mas trabalhei desde pequena e meus pais sempre me ensinaram a lidar com o dinheiro e sempre gostei dessa parte de finanças também.
Como foi o início da carreira da senhora em educação financeira?
Andresa Peres: Eu sou gestora financeira por formação e sempre trabalhei na parte corporativa, com a gestão empresarial. Decidi me especializar na área da educação financeira, pois vejo que as pessoas têm muitas dificuldades com as finanças e acreditam que é só uma questão matemática. Muitas pessoas acham que, se não entendem de matemática, não conseguem ter uma educação financeira, mas não é assim. Envolve muito sobre comportamento. Faço também um trabalho com palestras, workshops e, à medida que me aprofundo no assunto, eu gosto mais. Alguns mentorados dizem que pareço uma psicóloga financeira, mas é que envolve muito sobre comportamento. O acompanhamento é mensal e, às vezes, peço para a pessoa ter determinada ação e a forma como ela me devolve isso diz muito sobre seu perfil e como vou lidar com ele. Como o consumismo, por exemplo, muitas pessoas compram sem precisar, apenas para suprir alguma outra necessidade interna.
Como a área do comportamento influencia e afeta na formação para a educação financeira?
Andresa Peres: Gosto da área de comportamento. Vejo que estou conseguindo ajudar as pessoas nessa questão a se compreender e a se entender. Tem muitas pessoas que vêm procurar ajuda e parecem que têm uma trava, algum trauma em questão de dinheiro. Costumo falar para meus clientes que nossas crenças são tudo aquilo que vemos, ouvimos, acompanhamos e pensamos. Então, o primeiro passo é olhar nossas redes sociais e vermos o que estamos consumindo, pois atraímos tudo aquilo que vemos. É preciso começar primeiro mudando a forma de pensar e o conteúdo que você consome, por exemplo. Porque a educação financeira é conhecimento. É preciso sempre buscar evoluir neste sentido.
O trabalho da senhora é bastante complexo então?
Andresa Peres: Muitos imaginam que educação financeira é uma planilha que contém seus ganhos e seus gastos. Isto faz parte do processo, mas não é só isso. Inclui entender todo o conceito, o interior e a vivência da pessoa. Então é nisso que ajudo as pessoas: a identificar o seu perfil financeiro. Muitas pessoas falam que não conseguem se organizar, porque têm pouco dinheiro, mas, se você não consegue se organizar com pouco dinheiro, que dirá com muito? Tenho clientes que têm uma renda muito alta e, mesmo assim, não conseguem se organizar e não têm noção para onde vai o dinheiro. Não é somente questão de falta de dinheiro, é mais a questão comportamental. Preciso fazer um acompanhamento e mostrar para a pessoa cada vez mais sobre o comportamento dela. Começo conversando com meus clientes sobre a vida deles, a infância, suas crenças, sua relação com dinheiro e nisso já consigo fazer algumas identificações. Depois vou trabalhando a parte de planejamento, receita e investimento. Até chegar ao conjunto de tudo.
Então, a senhora tem um trabalho contínuo com seus clientes?
Andresa Peres: Geralmente realizo um trabalho contínuo sim com os meus clientes. Alguns chegam até mim e dizem que querem investir, mas, às vezes, nesse processo de eu ensinar ele a investir, a pessoa mesmo identifica que precisa se organizar melhor. Não determino um tempo que os clientes precisem ficar comigo. Realizo um acompanhamento com aquela pessoa e ela vai ficar trabalhando comigo enquanto se sentir confortável. Mas 90% dos clientes permanecem por bastante tempo. Tenho clientes que estão comigo há anos. Essa é uma área que vai sempre se atualizando. Sempre existe alguma ação ou investimento novo e os clientes querem saber sobre, querem investir, então preciso sempre estar me atualizando também com as novidades que vão surgindo. Gosto muito dessa área, porque eu ensino, mas aprendo bastante também. Gosto muito da parte das palestras, porque lido com vários tipos de pessoas, recebo feedbacks e as pessoas gostam desse assunto. Por mais que algumas pessoas achem que já entendem do assunto, elas sempre têm alguma surpresa, aprendem alguma novidade. Às vezes isto acontece até mesmo com outros participantes.
Como a senhora trabalha a mudança do comportamento das pessoas? É um trabalho difícil?
Andresa Peres: As pessoas têm o costume de terminar uma dívida e já iniciar outra. Então mostro a elas que o certo, quando se termina uma dívida, é investir o dinheiro e não começar outra, porque isso vira um costume. É importante as pessoas terem alguém para prestar essa orientação e estar sempre lembrando do que é preciso ser feito. Como se fosse um personal trainer, que vai mandar uma mensagem e cobrar seu aluno de que ele precisa treinar, porque é importante e ele precisa daquilo. Da mesma forma, faço meu trabalho em relação aos gastos, investimentos e planejamentos dos meus clientes. Tento fazer com que as pessoas gostem de números e gostem de ter essa organização. Tento fazer com que as pessoas entendam que não é somente uma questão de números e sim que envolve o comportamento e as crenças que as pessoas têm.
Como ensinar educação financeira para crianças?
Andresa Peres: Com cada público é preciso usar uma técnica diferente. Com criança é uma técnica, com adolescente é outra e assim por diante. Por exemplo, não tem como eu conversar com um adolescente e falar para ele investir para uma aposentadoria ou para comprar uma casa. Precisamos trabalhar com o momento de cada pessoa. Com as minhas filhas, por exemplo, elas sempre me veem falando sobre o assunto, gravando um vídeo ou algo assim e dizem que já estão expert no assunto. A minha filha mais nova mesmo me disse uma vez que uma amiga dela comentou que queria comprar uma bicicleta e minha filha a aconselhou a juntar dinheiro para a bicicleta. É importante já ensinarmos para as crianças. As crianças seguem os exemplos que elas veem. Quando meu cliente tem filhos eu já oriento que ele precisa primeiro se curar para poder ensinar para seus filhos. É importante os pais destacarem para seus filhos as ações que eles realizam, por exemplo, quando realizam algum investimento ou quitam alguma dívida. É legal falarem para seus filhos, para as crianças já começarem a criar interesse também.
Qual é a importância de se realizar investimentos? Qualquer pessoa pode investir? Todos têm de investir?
Andresa Peres: Quando começo a trabalhar com algum cliente, já entro direto com investimentos. Não é questão de quantidade. É questão de qualidade e de costume. Quando se fala sobre investimentos, as pessoas já pensam que precisam ter muito dinheiro para isso. Mas existem ações de R$ 10. Tem investimentos de renda fixa que começam a partir de R$ 100. É muito a questão do costume. Sempre falo que no Brasil as pessoas não têm costume de investir. Elas querem o agora, o hoje. As pessoas preferem parcelar algo em 30 vezes e ter o produto na hora, do que investir aquele dinheiro e, depois de um tempo, ter, além do dinheiro guardado, um rendimento também para então comprar o produto que gostariam. É uma questão de cultura, mas que precisamos mudar. O investimento é para todo mundo, não existe somente investimentos para pessoas ricas. Todo mundo consegue investir e se organizar para ter um futuro mais tranquilo. Existem diferentes tipos de investimentos. Não podemos indicar o mesmo tipo para todas as pessoas. Algumas gostam de correr mais risco e outras são mais seguras. É preciso trabalhar com cada perfil.
Qual a diferença entre investimento a curto e longo prazo?
Andresa Peres: Digamos que uma pessoa tem o sonho de ir para a Disney com a família em um ano, por exemplo. Esse seria um investimento de curto prazo. Nesse caso, calculamos o valor das passagens, hospedagem e quanto gastará lá e definimos em que lugar deverá ser investido, que não irá gerar Imposto de Renda, nenhum tipo de problema para resgatar o valor antes e assim então definimos o quanto precisará ser investido por mês para que a pessoa tenha determinada quantia em determinado mês sem precisar mexer no seu orçamento mensal. O longo prazo já seria para uma aposentadoria, para comprar um imóvel ou para cursar uma faculdade, por exemplo. Existem os recursos para alocar esse tipo de investimento, como tempo, prazo e rendimento. Quanto mais longo for o prazo, mais irá render o investimento. Existem diversos tipos de investimentos. Vai variar de acordo com o objetivo de cada pessoa e de como ela enxerga isso.