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Ex-atleta Laurice Felix afirma que o esporte muda vidas e transforma as pessoas para melhor

A ex-atleta Laurice Felix, que já brilhou no atletismo nacional e internacional, como campeã paulista e brasileira e ainda sul-americana e que conta com participação em mundial, é categórica ao afirmar que o esporte muda vidas e transforma as pessoas para melhor. “O esporte é minha vida e está comprovado que praticar esporte melhora a vida das pessoas em todas as idades e o que é mais importante para a saúde física e mental também”.


Por acreditar nisso, ela começou um projeto em Salto em 2019, que hoje leva o seu nome, voltado a descobrir e a formar atletas em todas as idades e que já atende mais de 50 alunos entre 7 e 17 anos. O projeto foi iniciado na gestão passada da Prefeitura e agora foi retomado com o patrocínio da Sodiê Doces. Graças a ele, vários atletas da cidade já vêm conseguindo se destacar em competições e se classificado para disputas mais competitivas como o Brasileiro.


Em entrevista ao PRIMEIRAFEIRA, Laurice Felix contou como se envolveu com o atletismo e acabou se tornando professora depois de uma carreira vitoriosa como atleta. Ela reforça a importância de se valorizar o esporte e os projetos que investem nele para que as crianças não fiquem nas ruas sem atividade e para que a cidade ganhe novos representantes nas competições.


Veja abaixo a entrevista na íntegra:

Como surgiu o projeto voltado ao atletismo que você comanda?
Laurice Felix:
O projeto começou em 2019 e na época era da Prefeitura, mantido pela gestão anterior inclusive. Foi um resgate. Antes disso o atletismo estava abandonado na cidade. Não tinha nenhum projeto. Fui contratada pela gestão do Geraldo (Garcia) e fiquei no projeto em 2019 e 2020, mas eu era comissionada e, quando houve a troca de governo, fui mandada embora. Em 2021, o projeto continuou, mas com outro professor e muitas crianças e pais me procuravam e pediam para eu voltar, pois algumas não tinham se adaptado com esse novo professor e queriam que eu voltasse. Esse professor continua em um outro projeto até hoje. Eu conversei com a Ju (Jussara Bergamini), que é psicóloga do projeto atualmente e sempre colaborou com ele, e ela me aconselhou a tentarmos manter o projeto e buscarmos algum patrocínio. Fiquei todo o ano de 2021 trabalhando de forma voluntária e em 2022 fui conversar com o Diego, proprietário da Sodiê Doces, mostrei o nosso projeto e ele o abraçou. Então, desde o começo do ano passado o projeto é mantido pela Sodiê Doces. Meu salário, as despesas do projeto, uniforme, alimentação, tudo é patrocinado por eles. A Prefeitura me ajuda com transporte para competições e paga ainda as taxas necessárias para a Federação Paulista. Foi a solução que encontramos.

O que motivou você a continuar no projeto de forma voluntária?
Laurice Felix:
Eu não queria perder o que já tínhamos construído. Imagina você constrói algo, mas perde aquilo por falta de dinheiro, porque a pessoa que entrou no poder não acredita no seu projeto. E isso é o meu sonho. O atletismo é a minha vida. Pelas crianças também, muitas pediam para eu voltar. Os pais dessas crianças também pediam, então eu voltei e retomei tudo.

As crianças se interessam mais rapidamente pelo projeto?
Laurice Felix:
No começo foi bem difícil, porque tinha muito tempo que não tinha atletismo em Salto. Mas para captar crianças comecei a ir às escolas e a divulgar mais o projeto. Ainda assim nos primeiros seis meses tínhamos poucas crianças. Em torno de cinco ou seis. Isto desanimava um pouco. O que ajudou bastante foi a mãe de um aluno, que é professora no Cemus I. Ela indicava muitos alunos a virem para o projeto. Hoje em dia não faço mais esse trabalho de ir às escolas, porque, como já estamos com mais de 50 crianças, fica um pouco difícil para eu dar as aulas sozinhas.

A história de alguma criança que passou pelo projeto chamou mais a sua atenção ao longo desse período?
Laurice Felix: Tenho algumas, mas uma em especial é um aluno de 11 anos que está no projeto há pouco tempo. Quando ele chegou, eu percebi que ele era diferente. Conversei com a avó e ela disse que nunca tinham notado. Hoje a família já tem o diagnóstico de que ele possui autismo e eu nunca tinha trabalhado com uma criança com autismo. Ele tinha um comportamento diferente, era mais agitado, gritava às vezes. Mas hoje em dia ele entendeu o que precisa fazer e treina normalmente com as demais crianças. Esses dias ele estava com raiva e me disse que estava nervoso e que iria se arranhar. Eu falei para ele dar uma volta gritando e ele fez isso. Quando ele chegou, falei pra ele gritar novamente e ele disse que não queria mais porque já estava calmo. É uma criança com autismo. Eu não tenho habilidade para trabalhar com autista. Ainda assim deu tudo certo. Ele faz parte do projeto e é uma criança maravilhosa. No esporte não dá para falar não para ninguém.

Qualquer criança pode participar do projeto? Como são as aulas?
Laurice Felix:
Sim, qualquer criança. Temos espaço para todo mundo. A qualquer momento os pais ou responsáveis podem fazer as inscrições, eu cuido dessa parte também. Os treinos são sempre no Estádio Municipal Amadeu Mosca e tenho turma de terça, quarta e quinta-feira de manhã, e à tarde e à noite de segunda e quarta-feira, para dar certo com o contraturno do horário da escola.

Tem crianças que estão desde o início?
Laurice Felix:
Tenho alguns alunos que estão comigo desde o início do projeto sim. A Maria Eduarda e a Sofia foram as primeiras a entrar. Mas tenho cerca de 8 a 10 alunos que estão no projeto desde o início e eles gostam muito do que fazemos.

O projeto cresceu mais no último ano?
Laurice Felix:
Sim, o projeto cresceu muito do ano passado para cá. Éramos uma equipe pequena e hoje temos mais de 50 crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos de idade. Como o projeto cresceu muito, estamos tentando conseguir um professor estagiário, pois sou a única professora hoje. Nosso objetivo é nesse segundo semestre ou no início do ano que vem começarmos com esse estagiário. Esse ano já conquistamos uma medalha de bronze no Salto Triplo no Campeonato Paulista de Atletismo com a Maria Eduarda. Tivemos no fim de junho a Heloisa conquistando medalha de prata no Campeonato Paulista também. O Miguel Mazzi foi campeão paulista no revezamento. Por ser uma equipe que tem pouco tempo de treino, a evolução é muito grande.

Essas atletas se classificaram para o Campeonato Brasileiro?
Laurice Felix:
Teremos o Campeonato Brasileiro em Recife no mês de outubro e ficar entre os três melhores do Estado é bom para vermos que nível o atleta pode chegar no Brasileiro. A Maria Eduarda está bem, está treinada, mas essa é uma viagem muito cara, inclusive alguns pais estão até fazendo rifa para arrecadar recursos. Em viagens assim temos que ir com recursos da nossa patrocinadora Sodiê Doces e com essas ajudas dos pais, com as rifas. A Heloisa também se classificou para o Brasileiro, mas ela é sub-18. O campeonato será em Sergipe. Estamos na mesma situação. Vai depender se conseguiremos recursos para essas viagens. Hoje em dia para participar do Campeonato Brasileiro se você estiver ranqueado entre os 15, 20 primeiros você pode participar. Na minha época, eram os 10 melhores do Brasil, mas agora mudou e eles abriram o leque, o que teve o lado bom e o lado ruim. Na minha época, se você ficava entre os dez melhores a Confederação pagava todas as despesas para o atleta ir participar do Brasileiro. Alimentação, transporte, tudo. Era bem mais fácil. Agora, por exemplo, o 20º pode ir, mas a equipe tem que pagar todos os gastos. Tem muitos clubes que não vão por não ter condições.

Hoje qual é o objetivo do projeto na sua opinião?
Laurice Felix:
O objetivo do projeto é tirar as crianças da rua e formar cidadãos melhores, mas além disso também tenho o sonho de formar atletas com nível competitivo.

Depois que você encerrou a sua carreira de atleta, você sempre quis trabalhar com crianças?
Laurice Felix:
Eu fui para São Paulo para seguir minha carreira de atleta com 18 anos e fiquei lá por quase 20 anos. Quando encerrei minha carreira por volta de 2013, 2014, eu me formei em Educação Física e tinha um projeto em São Paulo precisando de professor. Um conhecido meu me indicou a trabalhar nesse projeto e tive ajuda dele e de outros profissionais também. Foi maravilhosa essa transição, porque já encerrei minha carreira e assumi um projeto. Fiquei em São Paulo até 2018 e em 2019 comecei esse projeto aqui.

Quantos profissionais participam do projeto hoje em dia?
Laurice Felix:
Hoje em dia somente eu e a psicóloga Ju. Ela começou no projeto há pouco tempo e trabalha de forma voluntária. O trabalho da psicóloga é maravilhoso. Ela começou depois que fomos para Timbó (SC) no ano passado para a disputa do Campeonato Brasileiro. Fomos eu, a Ju e dois alunos. Uma aluna nossa estava super bem para a competição, mas quando chegou lá parece que “deu um branco”. Ela não sabia o que tinha que fazer. Ficou muito nervosa e prejudicou a prova dela. A psicóloga então percebeu que a aluna estava treinada, mas que foi algo emocional dela e disse que teria que fazer um trabalho com ela. Ela começou a fazer a parte da psicologia com as crianças e está sendo muito positivo. O trabalho dela é com os alunos mais velhos, das categorias sub-14 e sub-16. Eles possuem um acompanhamento semanal com ela.

Como você começou sua carreira de atletismo?
Laurice Felix:
A minha família inteira treinava. Eu sempre morei no Bela Vista. Quando minhas irmãs iam treinar, eu ia junto e começava a correr brincando. Aí essa brincadeira foi ficando mais séria e, conforme eu conquistava uma medalha ou outra, fui gostando cada vez mais. Com 15, 16 anos, comecei a me destacar no Salto em Distância e meu treinador na época me levou para Campinas para fazer um teste com o Nélio Moura, que é o melhor treinador de Salto em Distância do mundo. Passei no teste e fiquei por dois anos indo e voltando para Campinas, até que acabou esse projeto e fui para São Paulo com 18 anos, quando realmente começou a minha carreira. Já fui campeã paulista, brasileira, sul-americana. Já participei do mundial juvenil, em 2000, no Chile. Tudo na minha vida foi o atletismo.

O que o esporte representa na sua vida?
Laurice Felix:
O esporte transforma vidas. Acho que o esporte deveria ser obrigatório nas escolas, porque tira as crianças da rua e muda vidas. O esporte é transformador, ele dá oportunidades. Geralmente as pessoas que praticam atletismo são pobres. Eu consegui cursar minha faculdade graças ao atletismo. É isso que eu passo para os meus alunos, que eles podem não ser campeões, mas que, com o esporte, podem conseguir uma bolsa para uma escola ou faculdade, porque tudo que eu consegui foi graças ao esporte e, se eu consegui, eles podem também. Para mim, o esporte é a melhor coisa que existe junto com a educação. Pego muito no pé dos meus alunos, porque eles precisam estudar também. Se um aluno não estiver estudando, ele não pode nem treinar. O esporte educa. É muito gostoso ir a uma competição e conquistar uma medalha, mas não é só isso. Tenho um ex-aluno, que saiu do projeto porque completou 18 anos e conseguiu emprego em uma empresa através de uma indicação por causa do esporte. Isso não tem preço. O esporte é a transformação do ser.

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