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Ativista de combate ao desperdício de alimentos propõe reeducação

O coordenador geral e científico da Nutrientes para a Vida, braço no Brasil da fundação norte-americana Nutrients For Life, Valter Casarin, afirmou ao PRIMEIRAFEIRA que o desperdício de alimentos só será combatido com efetividade em Salto e no país, como um todo, se houver uma conscientização para a reeducação de hábitos.
Pesquisa da Embrapa, feita com apoio da Fundação Getúlio Vargas, revelou que o Brasil joga no lixo atualmente 27 milhões de toneladas de comida considerada boa ainda para consumo e que serviria a outras destinações se não fosse para o lixo, o que significa um desperdício da ordem de 130 kg por pessoa a cada ano.
“Está dentro da nossa cultura, por exemplo, comprar uma dúzia de laranjas ao invés de duas ou três unidades. Muitas vezes as laranjas não são consumidas, acabam mofando e são descartadas. Não temos o hábito e a consciência de não desperdiçar alimentos, muito em função da abundância de alimentos que o Brasil dispõe”, diz.
Para o coordenador, que também é professor do curso de Especialização em Solos e Nutrição de Plantas, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP, em Piracicaba, e sócio-diretor da Fertilità Consultoria Agronômica, não é à toa que o Brasil tem um lixo considerado muito rico. “Isto precisa mudar”.
A Nutrientes para a Vida nasceu nos Estados Unidos em 2015 a partir de encontros de cientistas e representantes de entidades do setor de fertilizantes com objetivo de melhorar a percepção da população urbana em relação às funções e aos benefícios dos fertilizantes para a saúde humana e para mudar hábitos.
Braço da fundação norte-americana Nutrients For Life, a NPV trabalha baseada em informações científicas. Ela é mantida pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) e operada pela Biomarketing. A iniciativa conta ainda com parceiros professores e pesquisadores da Esalq/USP, IAC, UFMT, UFLA e UFPR.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:

Segundo pesquisa da Embrapa, são desperdiçados cerca de 130 kg de alimentos por pessoa a cada ano no Brasil. O senhor acredita que a população tem consciência desse volume desperdiçado?
Valter Casarin:
Acredito que não. Se ela tivesse noção, pensaria duas vezes ao comprar e levaria somente o necessário. Está dentro da nossa cultura, por exemplo, comprar uma dúzia de laranjas ao invés de duas ou três unidades. Muitas vezes as laranjas não são consumidas, acabam mofando e são descartadas. Não temos o hábito e a consciência de não desperdiçar alimentos, muito em função da abundância de alimentos que o Brasil dispõe. Quando vamos num varejão ou numa feira, temos quantidades enormes de diversos tipos de alimentos. Eu tive a oportunidade de viver fora do Brasil, mais precisamente na França, e lá é costume comprar os produtos de forma contada. Eu passei a adquirir esse hábito. O brasileiro precisa se educar para reduzirmos o desperdício de alimentos, que ainda é muito alto no país.

Porque o senhor acha que o povo europeu, com o qual conviveu, tem essa consciência de comprar apenas o necessário?
Valter Casarin:
Eu percebo que não apenas em relação ao alimento, mas o brasileiro tem um comportamento não tão consciente em geral. Existem alguns fatores em relação ao desperdício que diferem o brasileiro do povo europeu ou americano, por exemplo. A população do Hemisfério Norte, que enfrenta um rigoroso inverno a cada ano, não tem a possibilidade de produzir numa mesma área duas ou até três culturas. Além disso, temos aqui abundância de água. É comum falar que o europeu não toma banho todos os dias, mas eles sabem dos problemas que já enfrentaram sobre a falta de água. E falar de desperdício de alimentos não diz respeito apenas ao alimento em si, mas também estamos jogando fora água. O consumo de água com a agricultura representa mais ou menos 30% do consumo mundial. Então, é um consumo muito alto. Consequentemente, ao desperdiçarmos alimentos, estamos desperdiçando água, fertilizantes, tempo do produtor e terra. Cerca de um terço da terra explorada no mundo para a agricultura acaba sendo inútil dado o desperdício que temos. Hoje ainda existe uma guerra, entre aspas, ecológica e ambiental no mundo, segundo a qual não podemos mais derrubar as florestas em detrimento da agricultura, ao mesmo tempo que a população está crescendo, podendo chegar a 10 bilhões de habitantes até 2050. Ou seja, vamos precisar alimentar esse povo. E uma forma de fazer isso é otimizar todos os recursos naturais. Até mesmo os fertilizantes temos de utilizar de forma consciente para que não acabem. A guerra entre Rússia e Ucrânia elevou o preço dos insumos, o que tornou muito cara a produção de alimentos em todo o mundo.

De que forma a população local pode colaborar para que se consiga evitar esse desperdício?
Valter Casarin:
O primeiro ponto é o conhecimento. Precisamos trabalhar com as crianças, porque, ao educá-las, elas irão transmitir isso aos pais. A educação de base é importante para formar cidadãos conscientes. Campanhas governamentais mostrando a importância da redução do desperdício e o prejuízo que ele acarreta são fundamentais. Esses dois pontos já tornarão as pessoas mais conscientes. E isso é um pouco do que o Nutrientes para a Vida tem feito, apesar de não termos amplitude de atingir grandes populações.

O que é e como surgiu a iniciativa Nutrientes para a Vida?
Valter Casarin:
É uma iniciativa que nasceu nos Estados Unidos, onde é chamada de Nutrients for Life. Nós a trouxemos para o Brasil. A Associação Nacional de Difusão de Adubos (Anda) abraçou a ideia e as empresas que compõem a Anda destinam recursos para manter o nosso trabalho. Nossa missão nessa iniciativa é divulgar a importância que os fertilizantes têm para a produção de alimentos, não só em quantidade, mas também em qualidade. Isto porque existe uma falta de entendimento que não vê que os fertilizantes não são agrotóxicos e sim o alimento das plantas. Um comparativo que podemos fazer é quando vamos a uma farmácia e podemos comprar uma vitamina ou um remédio. Quando você compra a vitamina é como se comprasse um fertilizante. Já quando se compra um remédio você está comprando um defensivo agrícola. Nós tentamos mostrar à população que vivemos num país tropical, no qual os solos são pobres e, dentro de um solo pobre, não é possível produzir os alimentos adequadamente sem os fertilizantes. E esses fertilizantes podem ser orgânicos ou minerais, desde que forneçam os nutrientes que as plantas precisam. Então, nosso trabalho é desmistificar tudo isso para a população, principalmente urbana, e falar da importância desse insumo para nossa vida.

Quem são os integrantes do Nutrientes para a Vida atualmente?
Valter Casarin:
Os principais integrantes que compõem o Nutrientes para a Vida são pesquisadores e professores universitários de diversas instituições espalhadas pelo Brasil, como a Esalq de Piracicaba; a Universidade Federal do Mato Grosso, em Sinop; a Universidade Federal de Lavras (MG); a Universidade Federal do Paraná, em Curitiba; e o Instituto Agronômico de Campinas. Hoje somos em torno de 20 pessoas, cujo número varia de acordo com as ocupações de cada um.

E quais ações são desenvolvidas pela iniciativa?
Valter Casarin:
Fazemos as divulgações através de informações que produzimos e de conteúdos em nosso site (www.nutrientesparaavida.org.br), redes sociais, como Instagram (@nutrientesparaavida) e Facebook (facebook.com/nutrientesparaavida); e vídeos no Youtube (@NutrientesparaavidaOrgBr). Produzimos textos, artigos e desenvolvemos atividades, sobretudo com a população de comunidades carentes, ajudando-as na construção de hortas comunitárias para que possa não apenas consumir o alimento, mas saber como produzir. Já realizamos atividades em terminais rodoviários e metroviários, levando informações sobre a aplicação de fertilizantes nas plantas, comparando-as e mostrando a diferença de cada uma delas. Uma planta que não está bem nutrida, terá um aspecto negativo. Será de um tamanho menor, com rachaduras ou folhas amareladas, que não serão consumidas pela população. Quem vai comprar quer valorizar o dinheiro investido comprando um produto de boa aparência, de bom aspecto e que pareça saudável. Caso contrário, esse alimento vai ao lixo e aí começa o desperdício.

O senhor acha então que devemos evitar comprar produtos em grandes quantidades costumeiramente?
Valter Casarin:
Talvez isso não seja necessário para produtos não perecíveis, como óleo, arroz, feijão, entre outros. Agora, para os produtos “in natura”, precisamos planejar melhor e entender que eles têm um tempo de prateleira e que vão se deteriorando aos poucos, perdendo seus valores nutricionais. Devemos entender quantas pessoas existem em casa e o consumo de cada item. Sem contar que consumir os alimentos frescos é sempre melhor.

Não conseguimos perder esse hábito de consumir em grandes quantidades apenas pela falta de conscientização?
Valter Casarin:
Não. Uma das coisas que eu percebo é o medo da alta dos preços. Muitas vezes as pessoas veem um preço mais barato e acabam comprando uma grande quantidade. Só que o barato, às vezes, sai caro, porque parte disso acaba sendo jogado fora por não consumir ou por atingir o prazo de validade. Planejar bem o consumo é fundamental para todos.

Feirantes e restaurantes acabam desperdiçando os alimentos em quantidades muito maiores que a população como um todo. De que forma esses alimentos podem ser reaproveitados?
Valter Casarin:
Esses alimentos nem sempre precisariam ser descartados e poderiam ter um final mais nobre. Não à toa que temos um lixo muito rico. Infelizmente, ainda vemos pessoas indo até as lixeiras buscando esses alimentos tidos como sobras e acabam encontrando algo que permite o consumo. Acredito que deveria haver alguma entidade para receber esses descartes de fim de feira e de restaurantes para que pudesse transformar isso em alimentos para pessoas de rua. Outro caminho é a compostagem para fazer adubo orgânico, que possa ser utilizado em hortas comunitárias ou mesmo sendo vendido para produtores como uma forma de renda. Podemos, dentro de casa inclusive, fazer um adubo orgânico. Jogamos fora cascas de batata, de cenoura, de ovo, todos itens com nutrientes que poderiam ser transformados em adubo para as plantas de casa. É um material muito rico que jogamos fora.

Qual a importância de as cidades se mobilizarem para evitar o desperdício no curto prazo?
Valter Casarin:
Toda ação como essa gera algum benefício para o meio ambiente. Ao descartar restos de alimentos no meio ambiente, você está poluindo. Se houver projetos e iniciativas, você dá um final mais nobre aos alimentos. Você acaba reciclando o nutriente. Ao invés de estar num lixão, ele será reutilizado por algum animal ou vai virar adubo e voltar para o solo. Isso gera economia de fertilizantes. Para se ter uma ideia o Brasil importa 75% do fertilizante utilizado na agricultura. Ao fazer um processo de compostagem, reduzimos essa necessidade de comprar de fora, além de estar barateando o produto. Mais do que tudo, você está fazendo uma agricultura sustentável e respeitando o meio ambiente.

O quanto o Brasil evoluiu nessa questão e o que esperar do país em relação ao reaproveitamento de alimentos?
Valter Casarin:
O Brasil mudou bastante e a consciência ambiental amadureceu bastante também na população. Comparando os números anteriores com os atuais, vemos que o desperdício está reduzindo. Além disso, observamos atitudes de aproveitamento de resíduos, como em várias cidades, principalmente na região de Jundiaí, na grande São Paulo, entre outras. Tudo o que estaria sendo jogado no meio ambiente, está sendo transformado em material reciclado. A consciência de reciclar e preservar o meio ambiente tem melhorado, mas ainda estamos aquém do que seria o ideal. E diante disso, reforço a importância em educar a população.

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