O músico ituano Leonardo Leite foi um dos premiados no 7º Congresso Brasileiro de Iconografia Musical deste ano com um estudo sobre o pintor e musicista ituano Miguelzinho Dutra. O trabalho foi muito elogiado. Ouvido pelo PRIMEIRAFEIRA, ele disse que se ganharia muito em qualidade e desenvolvimento musical se as escolas tradicionais mantivessem aulas de música.
“A música faz abrir horizontes. É possível até mesmo aprender Matemática através da Música. Para as crianças faria toda a diferença em seu desenvolvimento o contato com a música, mesmo que elas não venham a estudar sobre ou se tornar um músico”, disse. Ele afirma que, a partir da música, é possível gerar discussões em outras disciplinas, como o Português, para entender as palavras.
Em relação à escolha de Miguelzinho Dutra como objeto do estudo, ele disse que “como músicos locais, temos de ter um olhar especial para aquilo que é nosso. Às vezes, temos uma visão externa muito grande e, sem desvalorizar qualquer tipo de instrumento, acabamos preterindo nossas tradições em detrimento de instrumentos, como por exemplo, da cultura americana ou europeia”.
Foi esse conceito que o norteou para escolher Miguelzinho Dutra como objeto de estudo para o congresso. Mais do que o nome do icônico ituano, Leonardo levou a tradição caipira ainda presente na região para o Brasil. Ele também é um amante da viola caipira e já fez parte da Orquestra de Viola Caipira de Itu.
Leonardo Leite credita aos dois anos de estudos que desenvolveu no Conservatório Municipal Maestro Henrique Castellari a sua base para a profissionalização na música. Mas, diferente de tantos outros, ele não tem sua carreira atualmente focada nos palcos e sim na sala de aula, como no Mestrado em Música que faz pela Unicamp.
Veja a íntegra da entrevista abaixo.
Como foi a sua participação no 7º Congresso Brasileiro de Iconografia Musical até a premiação?
Leonardo Leite: Um dos requisitos do Mestrado que faço em Música na Unicamp é a participação em congressos, levando a pesquisa para outras instâncias. Meu orientador, o Marcos Virmond, me indicou esse congresso sobre iconografia musical. Escolhemos essa obra do Miguel Dutra, o Miguelzinho, que estudo, para levar ao congresso, cuja pesquisa envolve a música e a cultura da nossa região. Dessa forma, pude apresentar meu trabalho aos acadêmicos e fui bastante elogiado. N.R. – Miguel Dutra foi um pintor, escultor, poeta e musicista ituano e uma de suas obras relata a Festa do Divino de Itu, com músicos tocando, que foi estudada por Leonardo.
O que essa pesquisa sobre o nome e a história da região trouxeram para você como músico?
Leonardo Leite: Fiquei honrado em levar o nome do Miguel Dutra, mas também foi uma responsabilidade bastante grande. Carregar esse “fardo”, de uma forma positiva, é importante no âmbito acadêmico, mas eu fiquei mais realizado, como cidadão ituano e vivente musicalmente da região por poder fazer com que as pessoas enxerguem nossos artistas. O nome de Miguel Dutra está agora no repertório de iconografia musical. Eu pretendo, com essa pesquisa e em outras que farei, continuar levando o nome da região, dos artistas locais, para o Brasil e o mundo. Recentemente estive com o coro da Unicamp numa competição na Argentina, onde inclusive ficamos em segundo lugar. E lá procurei comentar sobre nossa música. No exterior, existe uma grande curiosidade sobre a nossa música e a nossa cultura. Eu estou estudando alguns manuscritos com repertórios de Miguel Dutra, de 1847, e pretendo colocar esse repertório em vídeos para que mais pessoas possam ver e conhecer.
Além do Mestrado e do congresso com essa premiação, como é a sua relação com a música?
Leonardo Leite: Comecei a estudar violão clássico em Itu e logo depois entrei para a Orquestra Ituana de Viola Caipira, instrumento que sempre esteve muito ligado à minha família, sobretudo à minha avó. Alguns tios de outras gerações, os quais não cheguei a conhecer, também tocavam o instrumento, até por serem da região e terem uma ligação com a música caipira. Em 2014, minha professora de música me indicou o Conservatório Municipal Maestro Henrique Castellari, que me daria uma base prática e teórica para a vivência e formação musical. Após minha formação, em 2016, prestei o vestibular em Música, na Unicamp, onde me graduei em Violão Clássico. Hoje faço Mestrado em Música lá.
E como foi o seu período no Conservatório de Salto?
Leonardo Leite: Considero que foi essencial para minha formação. Quando estudei, tive diversas aulas teóricas que embasam as aulas práticas e os professores são incisivos para que estudemos, além de gostar de colocar os alunos para fazer aulas em conjunto. É um método interessante que nem todos os conservatórios proporcionam hoje em dia, priorizando as aulas individualizadas. Algo que me pareceu muito interessante foi a incorporação de músicas paulistas e da região, algumas delas inclusive de Salto e de Itu, como uma forma de conhecer um pouco da nossa história. Outro ponto de bastante relevância foi o apoio da direção em observar o desenvolvimento dos alunos e fazer com que eles buscassem sempre algo a mais, além do que nos era oferecido na entidade, tendo o Conservatório como base. Além disso, participei de várias audições no Conservatório, apresentações na Sala Giuseppe Verdi e na Sala Palma de Ouro.
O que o levou a migrar para o violão clássico?
Leonardo Leite: Quando fui estudar no Conservatório não tinha a viola caipira, então acabei migrando para o violão clássico, que acabou sendo também o estudo durante minha formação acadêmica. Hoje eu toco os dois instrumentos: A viola caipira como um estudo informal e o violão clássico como estudo formal.
Você pretende seguir na carreira acadêmica ou pretende manter suas atividades como músico?
Leonardo Leite: A carreira musical é bastante ambígua. Eu segui a carreira acadêmica e fui fazer um Mestrado. Minha ideia seria um Doutorado, mas ainda vou avaliar as possibilidades. Porém, a vivência prática não pode deixar de existir. Por isso, sempre procuro fazer atividades práticas que me fazem me completar como músico. O músico que fica apenas no meio acadêmico acaba perdendo essa vivência, a qual considero essencial para o conhecimento profissional e pessoal. Pretendo seguir levando essas duas vertentes ao mesmo tempo daqui para frente.
Para você, mostrar música ou qualquer outra arte para o público é uma profissão tão importante quanto qualquer outra?
Leonardo Leite: Existe uma visão que muitos têm dos músicos que não corresponde. Eu, quando comecei a estudar, me perguntavam se eu ia fazer apenas música. Ou então se eu apenas tocava algum instrumento. É uma posição que eu, como músico ou qualquer outro profissional da área da arte, seja um artista, um pintor, tenho e preciso assumir. É uma posição de seriedade. Às vezes, as pessoas levam na brincadeira, acham que não passa de um hobbie ou então que é algo passageiro, que faremos por um tempo. Se o profissional assume que quer ser um músico ou qualquer outro tipo de artista, é necessário ter o discernimento para seguir em frente. Mesmo ouvindo essas coisas, precisamos nos posicionar e mostrar que estamos dispostos a fazer como uma profissão de fato. Isso vale para qualquer outra profissão. Se você não a assume seriamente, o profissional acaba se perdendo. Você pode fazer Medicina, por exemplo, e não exercer de fato a função. E isto vale para um advogado, engenheiro. É preciso assumir com seriedade qualquer tipo de estudo. Para quem frequenta hoje o Conservatório de Salto, é preciso cumprir todas as atividades com disciplina e incorporar a dinâmica de estudo para crescer profissionalmente e, posteriormente, ter argumentos para conversar com quem não acredita que o músico, como no meu caso, possa ser uma profissão.
Qual a importância dos grupos típicos para a manutenção de algumas tradições, como por exemplo, a viola caipira?
Leonardo Leite: A vivência do violeiro faz com que tenhamos um conhecimento musical e histórico. É impressionante como a viola caipira traz com ela muita história. Quem trouxe esse instrumento? Onde ela era tocada? Em quais ambientes estava presente? Acho que tocar a viola caipira me fez seguir para esse estudo da musicologia. Como músicos locais, temos de ter um olhar especial para aquilo que é nosso. As vezes temos uma visão externa muito grande e, sem desvalorizar qualquer tipo de instrumento, acabamos preterindo nossas tradições em detrimento de instrumentos, como por exemplo, da cultura americana ou europeia. Há uma certa depreciação da cultura caipira, mas ela está presente em nossa identidade cultural. A viola caipira é um objeto de extrema importância para a música paulista, dando origem à música sertaneja, por exemplo.
A tradição caipira, na sua visão, é valorizada como deveria, sobretudo em nossa região?
Leonardo Leite: Há um pouco a visão de que a vida do interior, como era antigamente, não existe mais e que devemos pensar na modernidade, no progresso. Porém, a construção do futuro deve ser baseada no passado. Falta aos setores culturais expor a cultura caipira como importante. Vejo uma divulgação muito maior quando há apresentações de grupos que vêm de fora, do que dos grupos locais.
O que seria preciso para que a população da região valorizasse mais as suas próprias tradições?
Leonardo Leite: Além da divulgação nas mídias, levando o nosso trabalho e a tradição caipira também como algo interessante e a ser valorizado. Depois, vai de a população também buscar ouvir e conhecer mais. Vejo uma falta de curiosidade por parte das pessoas. Como tudo ficou mais fácil com a tecnologia, as pessoas pararam de buscar outras informações. Quando uma orquestra de viola vai se apresentar num teatro, o público em geral não vai porque simplesmente não gosta, mas isso é mais por não conhecer. Já há pessoas, que, quando foram pela primeira vez num show da orquestra de viola, se encantaram tanto que acabaram se identificando com as letras, com as melodias, recordando a infância ou uma cultura vivida por antepassados. Como seres humanos precisamos buscar o conhecimento através da curiosidade. Vá uma vez. Você pode até não gostar, mas pode também se interessar e querer ir outras vezes.
Há idade para começar no mundo da música?
Leonardo Leite: Não. A idade certa para começar na música é a idade pela qual você se interessa pela música. Não há limite para aprender e conhecer mais sobre música ou tocar um instrumento. Minha avó, por exemplo, tem 86 anos e é minha aluna de acordeom (espécie de sanfona). Então, tomo ela como parâmetro. Vejo ainda crianças de 7 ou 8 anos, que, através do conhecimento musical ou artístico, têm um desenvolvimento educacional e social muito maior. O que é preciso, em qualquer um dos casos, é interesse e disciplina, já que não é fácil.
Você acha que o ensino de música nas escolas ajudaria no desenvolvimento educacional dos alunos?
Leonardo Leite: Sem dúvida. O desenvolvimento musical que eu tive, até mesmo no ensino fundamental, me fez ter uma visão diferente do que o conteúdo ensinado em sala de aula. Através das letras das músicas eu levava discussões para a sala de aulas, nas aulas de Português, por exemplo, buscando entender o porquê algumas palavras são de tal maneira, ou porque tal frase é daquela outra, que, se gramaticalmente estariam incorretas, na música elas são aceitas como licença poética. A música faz abrir horizontes. É possível até mesmo aprender Matemática através da música. Para as crianças faria toda a diferença em seu desenvolvimento o contato com a música, mesmo que elas não venham a estudar sobre ou se tornar um músico.