Mary Ellen Almeida e amigas que gostam de ler resolveram se unir para trocar dicas de leitura e discutir obras que leram; três anos depois o clube tem ações sociais e uma ala só para jovens leitores
Ler é um hábito, mas só se adquire esse hábito quem se dispõe a ter o comportamento de leitor. É com esse pensamento que a professora Mary Ellen Almeida e amigas que gostam de ler definem a iniciação na leitura. Por isso, criaram o Clube do Livro de Salto para incentivar que as pessoas comecem a ler. “Costumo falar que quem diz que não gosta de ler, é porque nunca pegou o livro certo pra ler. Porque, a partir do momento, que você pega aquilo que você gosta para ler, você não desgruda mais”, afirma a professora.
O Clube do Livro já chegou a ter 33 membros ativos em 2020, quando foi criado e se vivia a pandemia da Covid-19. Hoje, sem o isolamento daquela época, o número de membros continua grande, mas os ativos são 12. Parte da redução se deve também à criação do Clube do Livro Teen, uma iniciativa semelhante à do Clube principal, mas voltada exclusivamente à leitura de crianças e adolescentes até para seguir o conceito de que é preciso iniciar a leitura pelo que se gosta e pelo que tem a ver com a realidade individual.
Mas a leitura dentro do Clube do Livro não se limita a assuntos dos quais os integrantes gostam. Eles se aventuram em outros tipos de leituras. Uma alternativa foi ler livros de todos os continentes, o que faz com que fujam do lugar comum dos Estados Unidos, Londres e França, que são os mais consumidos. Mary Ellen Almeida concedeu entrevista ao PRIMEIRAFEIRA na última semana para falar sobre a iniciativa e revelou também que o Clube tem incentivado ações sociais junto a entidades. Veja a íntegra da entrevista abaixo.
Como surgiu a ideia de criar o Clube do Livro de Salto?
Mary Ellen Almeida: O Clube do Livro de Salto surgiu em 2020 durante a pandemia. Terminamos o projeto e deixamos tudo “redondinho” em maio. Começou com uma conversa informal entre amigas que gostavam de ler. Como estávamos isoladas e sempre mantive o hábito de comprar livros, trocávamos ideias sobre nossas leituras nas redes sociais e no WhatsApp. Daí surgiu a ideia de montarmos um grupo. No início éramos cinco mulheres e começamos a montar Instagram, Facebook e site para levarmos o clube a mais pessoas. Com isso mais pessoas foram se interessando e entrando no Clube do Livro. Somos o primeiro Clube do Livro de Salto. Não existe nenhum outro, pelo menos não que eu saiba. Chegamos a ter 33 membros durante a pandemia.
Todos os encontros são de forma online?
Mary Ellen Almeida: Sim, sempre fazemos de forma online. Os nossos encontros são sempre no último sábado de cada mês, às 10h30. Mas fizemos um primeiro encontro presencial em dezembro de 2021, que foi uma confraternização. Esse ano também fizemos um encontro presencial para comemorarmos o aniversário de três anos do clube. Mas temos participantes de outras localidades. Por exemplo, temos um membro que mora em Minas Gerais, outro nos Estados Unidos, além de cidades da região, como Itu e Indaiatuba. Então para algumas pessoas fica inviável vir até aqui e para que não fiquem de fora do encontro, continuamos de forma online.
Como funciona o Clube do Livro?
Mary Ellen Almeida: Este ano, como tínhamos 12 membros ativos, entramos em um consenso e escolhemos já os livros para todo o ano. Funciona da seguinte forma: votamos no gênero e cada membro indica três livros daquele gênero, então todos votam para termos o mais escolhido, que será o livro lido no próximo mês. Em 2022, foi muito bacana, pois pegamos um mapa e selecionamos livros de continentes diferentes, porque estamos sempre concentrados nos nichos Estados Unidos, Londres e França, que são os mais comuns. Dividimos mesmo por continentes e assim conseguimos ler livros que nem imaginávamos que tinha e lemos histórias muito boas. Isso é bom, pois saímos da nossa zona de conforto e não ficamos lendo somente aquele tipo de leitura e escrita. Para o ano de 2024, estamos planejando ler livros de regiões do Brasil, mas de outros Estados, para sairmos um pouco de Rio de Janeiro e São Paulo.
Então atualmente são 12 membros no Clube do Livro?
Mary Ellen Almeida: Tem mais, mas ativos são 12. Porque as vezes as pessoas não conseguem participar todos os meses, então deixamos aqueles mais fixos para darmos continuidade às ações.
Quais ações são feitas pelo Clube do Livro além da leitura?
Mary Ellen Almeida: Todo fim de ano fazemos alguma ação. Eu sou pedagoga e professora de Português, então no primeiro ano meu foco eram as crianças. Resolvemos recolher livros para doar para alguma instituição, começamos assim e deu certo. Fizemos pontos de coleta, deixando caixas em alguns estabelecimentos da cidade e arrecadamos mais de 300 livros que foram doados para as crianças que eram atendidas pela instituição Cáritas. Eram 105 crianças, então conseguimos dar três livros para cada um, inclusive gibis. No segundo ano fizemos o mesmo projeto com livros infantis com a Casa da Criança, do bairro Marechal Rondon. Nessa ação conseguimos arrecadar livros voltados ao público infantojuvenil, porque lá eles atendem crianças maiores e adolescentes. Já no terceiro ano arrecadamos livros infantis e fizemos uma biblioteca na Casa Naim. Com os livros adultos montamos uma biblioteca com mais de 100 livros naquela comunidade, que fica na Estrada Velha entre Salto e Itu. Então, nesses três anos fizemos quatro ações com doações de livros e deu super certo.
E quais ações serão feitas neste ano?
Mary Ellen Almeida: Tive uma ideia de ação a partir de algo pessoal. Sou apaixonada por gatos e, prestando atenção neles e através de algumas referências, pensei em utilizar esses detalhes como um livro que eu li que falava sobre gatos e livros. Eu já tinha uma gata e adotei mais duas da Zoonoses e vi que tem uma dificuldade, porque eles ficam nas gaiolas e acho que as pessoas não adotam tanto gatos, como cachorros, por exemplo. Então resolvi unir esse lado terapêutico que os livros têm e os gatos. Aí fiquei pensando como iria unir os dois. Eu compro calendário de uma ONG animal do Rio Grande do Sul. Então, me baseei na ideia deles e fiz algo voltado para gatos. Juntei o Clube do Livro com a proposta e fiz um calendário. Todos os meses terá uma indicação de livro, escolhido pelos membros e os desenhos são de gatos e todo valor arrecadado com esses calendários será para a ONG Ajuda Anjos. No calendário também tem informações sobre o Clube do Livro, sobre como ajudar a ONG e até um poema que escrevi. Essa foi a ideia escolhida para a ação de Natal deste ano.
Como surgiu o Clube Teen que vocês criaram este ano?
Mary Ellen Almeida: Na verdade a ideia desse clube foi inspirada na minha filha. Tenho uma filha de 13 anos e ela também gosta de ler e estava no Clube do Livro, mas os livros que lemos são livros mais maduros, voltados para a nossa idade, às vezes com uma linguagem diferente e vi que ela lia, mas era mais porque estava comigo e via que não era a área dela. E temos outras meninas também e eu via que a conversa e forma de enxergar eram outras. Junto a isso comecei a dar aula no Ensino Médio e vi que eles também liam, temos jovens leitores, mas falta um incentivo. Não é uma crítica, mas por exemplo, a Prefeitura não faz nenhum evento de literatura na cidade, quando é feito é por pessoa particular. Não tem na cidade nada que promova a leitura e Salto é uma cidade cultural. Observando os jovens resolvi criar algo que fosse mais da linguagem deles e comecei a ir a algumas escolas e convidar os jovens a participarem do Clube Teen. Hoje temos cerca de 15 membros nesse clube e é o mesmo processo, eles indicam e escolhem os livros também, mas são livros da linguagem deles, então é mais fácil. Os pais fazem o cadastro das crianças e acompanham o que eles estão lendo a cada mês, o que os envolve também.
Como incentivar as crianças e jovens a terem o hábito da leitura?
Mary Ellen Almeida: Quando estudava Letras, quis fazer uma pesquisa para entender porque as pessoas perdem o hábito da leitura, pois muitas pessoas param de ler com o tempo. Eu sempre tive o hábito de ler, a minha irmã lia muito e acho que direta ou indiretamente acabou me influenciando. Morávamos em Itu e ela passou em um Concurso Público e trabalhou na Biblioteca, eu ia muito lá e ficava no meio dos livros. Para mim é algo comum. Na minha época também o entretenimento era limitado, ou era televisão ou brincava na rua. Não tínhamos muita opção e no final dos anos 90 as coisas ficaram mais perigosas. Por isso, não frequentávamos mais as ruas como antes, em determinado horário voltávamos para casa e então eu brincava com os brinquedos que tinha e ia ler. Hoje em dia os jovens têm centenas de opção então percebemos que o hábito da leitura foi se perdendo ao longo do tempo. Temos muitos adultos que falam que ler é chato, cansa, dá sono e que ler é para intelectual. A criança reproduz o que os familiares falam. Se ele escuta do pai que ler é chato, por que a criança vai ler? Até na economia também, muitas bibliotecas e livrarias fecharam. Quando as crianças são menores, se você lê um livro pra ela, ela vai pedir que você leia 500 vezes pra ela, mas chega num determinado momento, não sei se é quando entram no Ensino Fundamental I que é mais correria, que eles perdem essa vontade. Mas o professor, que é leitor, consegue passar isso pro aluno, que ler é bom, que traz conhecimento e cultura. Se eu não leio não tenho como falar pra um aluno ler. Hoje em dia temos muitos jovens que não conseguem interpretar um texto de 10 linhas e aí penso que aquela criança não deve ler. Hoje temos muito conteúdos nas escolas, mas, às vezes, parece que as escolas esquecem de passar para as crianças o porquê ela precisa aprender determinado assunto e onde usará aquilo na vida e com a leitura é a mesma coisa. Por exemplo, sempre falo que redação é tudo, em uma entrevista de empego, em um vestibular, concurso público. Em tudo será preciso ter uma boa redação. É necessário que os alunos entendam que ler e entender o que estão lendo será fundamental em qualquer área da vida.
Como funcionam os empréstimos de livros físicos que o Clube faz?
Mary Ellen Almeida: Começou esse ano, pois os livros estão cada vez mais caros. Hoje em dia a média de preço de um livro simples está entre R$ 55 e R$ 60. Comprei um recentemente que eu queria muito e paguei R$ 75. Se pegarmos o orçamento de alguém que ganha o salário-mínimo, por exemplo, se a pessoa for comprar dois ou três livros por mês já ocupa cerca de 10% ou 15% do salário. É pesado. No nosso grupo temos algumas pessoas que, às vezes, não participavam da leitura em um mês e percebemos que era porque elas não teriam condições de comprar. A pessoa pode ler o livro da forma que ela quiser, digital, online ou físico, mas para ajudar nessa situação resolvemos comprar um exemplar de cada livro e a pessoa pode emprestar para realizar a leitura.
Como surgiu a parceria com a Companhia das Letras?
Mary Ellen Almeida: Todo ano eles abrem um cadastro para clubes parceiros e participam clubes de todo o país. Eu resolvi tentar, preenchi o cadastro e fomos selecionados no começo deste ano. E é superlegal, porque é uma editora muito relevante no país, tem títulos muito bons e trabalha com temas muito importantes. Eles mandam dois catálogos semestrais e escolhemos seis livros a cada seis meses. Não é obrigatório usá-los nos encontros, mas achamos interessantes e importantes. Além do livro principal temos uma leitura paralela para aqueles que leem mais. Com frequência estamos utilizando livros da Companhia das Letras, é bom para eles verem que estamos usando.
O que mais vocês fazem no Clube do Livro?
Mary Ellen Almeida: Todo leitor se arrisca a escrever. Temos também um exercício de escrita. Conversei com os membros que têm vontade de escrever para fazermos, seja um conto ou um poema, e criamos um ebook que se chama “O Clube do Livro e as suas histórias”. Cada um manda o seu e é algo aberto, alguns fazem poema, outros um conto de terror ou romance e aí diagramamos e montamos o ebook. Neste ano, fizemos o terceiro, sempre em comemoração ao aniversário do clube, em maio.
Nesses três anos do Clube do Livro de Salto, alguma história te chamou mais atenção?
Mary Ellen Almeida: Várias. Tem uma moça que só lia livro gospel e sempre teve um pé atrás com livros que não fossem sobre religião, mas ela começou a se abrir para os livros convencionais e achei muito legal, pois precisamos ler de tudo. Hoje em dia ela se empolga nas opiniões e é muito bacana de ver. Temos um membro de 9 anos que disse que os amigos riam dele, porque ele lê e ele ficou superfeliz em saber que tem mais pessoas que leem como ele. Tem uma outra moça que só lia clássicos, achava que somente os clássicos eram importantes, mas no clube nossa leitura é popular, queremos ler pra nos divertirmos e não para ficarmos intelectuais. Gostamos de suspense, terror, drama, de tudo. E isso é o bom do clube, porque ele te incentiva a ler diversos gêneros. Eu, por exemplo, gosto muito de drama, mas tem coisas que eu li que eu jamais teria comprado e adorei. Li um gótico mexicano que fiquei meio assim quando escolheram, mas eu adorei. E lemos um outro ano passado que falava sobre a guerra das Coreias, algo que não aprendemos na escola e foi muito legal saber que existe aquilo. Essa moça mesmo até agradeceu e disse que, se fosse por inciativa própria nunca teria lido diversos livros. Muitas pessoas têm a ideia de que literatura é algo elitista, que livro é para pessoas ricas, mas não. Também temos esse propósito de mostrar que todos podem ler e ter opiniões. Costumo falar que quem diz que não gosta de ler, é porque nunca pegou o livro certo pra ler. Porque, a partir do momento, que você pega aquilo que você gosta para ler, você não desgruda mais. Vai ler outro, mais outro e não para mais. Sempre falo para quem não gosta de ler que é importante pegar um livro da área que ele gosta, porque daí pega gosto.