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Sesi de Itu trabalha a formação de atletas profissionais para o futebol feminino

Escolinha vem suprir uma lacuna que sempre existiu e iniciativa já possui quase 200 meninas inscritas; proposta deve vigorar já a partir do ano que vem, segundo a técnica

O futebol é o esporte mais popular do Brasil e uma das paixões dos brasileiros. A Seleção Brasileira Masculina já conquistou cinco Copas do Mundo e sempre foi uma das referências mundiais no esporte. No Brasil, há centenas de escolinhas de futebol que oferecem aulas sobre o esporte para meninos desde pequenos.
Entretanto, o cenário não é o mesmo para o futebol feminino. Só nos últimos anos a modalidade começou a crescer com a transmissão de jogos de campeonatos estaduais, até mesmo em canais da TV aberta, e com mais escolinhas de futebol oferecendo aulas para meninas, mas ainda falta muito para o futebol feminino ter a mesma popularidade do masculino e para dar às meninas que gostam de jogar as mesmas oportunidades.
Pensando nisso, o Sesi está oferecendo aulas gratuitas de futebol feminino em toda a sua rede e a unidade de Itu já possui quase 200 meninas participando das aulas. Entre essas meninas, algumas sonham em ser jogadoras de futebol profissional e outras apenas gostam do esporte e o praticam por hobby.
O PRIMEIRAFEIRA foi ouvir a técnica encarregada de receber e preparar todas essas meninas para o esporte. Beatriz Margutti contou como é o dia a dia das aulas, a importância do projeto realizado pelo Sesi e como o futebol surgiu em sua vida.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Como surgiu o projeto que oferece aulas de futebol feminino?
Beatriz Margutti:
O Sesi é uma empresa muito forte na parte esportiva e o futebol já vinha sendo estudado há algum tempo. Com uma parceria do Ministério do Esporte e com o objetivo de fomentar a modalidade e poder tornar a cultura do futebol feminino mais popular, o Sesi veio com a ideia de ter aulas da iniciação esportiva, que é o Programa Atleta do Futuro, até o alto rendimento, que serão realizadas aqui em Itu. A ideia do Sesi é fomentar a modalidade e usar o esporte como uma ferramenta social, não é só para as meninas se desenvolverem na parte esportiva, mas também como seres humanos envolvidas na sociedade.

Quais aulas são oferecidas pelo Programa Atleta do Futuro?
Beatriz Margutti:
Em Itu, temos aulas de vôlei e natação, além do futebol. Em outras unidades, temos atletismo, basquete, judô, entre outros. Aqui em Itu, futuramente, devem entrar outros esportes.

Quando as aulas de futebol feminino começaram a ser oferecidas?
Beatriz Margutti:
Todos os polos começaram praticamente juntos, com diferença de uma semana ou outra, mas todos começaram em agosto, então é um projeto bem recente. Ao todo, já temos mais de 1.300 alunas e são 11 polos no Estado de São Paulo, desde Santos até Matão, que são duas extremidades do Estado. O intuito é futuramente ter mais polos que ofereçam a modalidade também.

Como foi feita a divulgação dessas aulas? Houve muito interesse?
Beatriz Margutti:
Falando como uma pessoa que chegou junto com o futebol aqui no Sesi de Itu, a procura foi bem grande. As aulas foram divulgadas nas escolas e nas redes sociais e temos hoje 180 meninas. A procura foi grande e rápida. Quando cheguei aqui, 100 meninas já estavam inscritas e hoje quase dobramos esse número. A nossa intenção para o ano que vem é chegar a 250 meninas.

Os treinos são oferecidos em quais horários?
Beatriz Margutti:
Na verdade, não são treinos. Chamamos de aulas do Programa Atleta do Futuro, que reúnem meninas que nunca jogaram futebol na vida e outras que já jogam há muito tempo e elas fazem essas aulas juntas. São duas vezes por semana e cada aula dura uma hora. As meninas recebem uniforme e tem um kit lanche após cada aula também. A partir do ano que vem começaremos a separar as aulas do programa e o treinamento esportivo. As meninas que estiverem se destacando, que têm uma vivência maior na modalidade, virão para o treinamento, que será três vezes por semana, e elas começarão a participar de campeonatos, como a Liga Sesi. Tem também festivais da Federação, com intuito mais competitivo. Já as meninas que estiverem no programa participarão de festivais realmente festivos, para começarem a aprender e a competir e aprenderem a ganhar e a perder.

Quais as idades dessas alunas?
Beatriz Margutti:
Nós temos alunas de 6 anos; meninas que vão completar 6 anos até o final do ano, que já podem entrar; e temos meninas de até 16 anos. Para o ano que vem pretendemos ter meninas de até 17 anos. No treinamento esportivo, teremos as categorias sub-14 e sub-16, porque futuramente iremos para o treinamento base e em sequência o alto rendimento, que é o sub-20 e por fim a categoria profissional.

E durante as aulas elas são separadas por idade?
Beatriz Margutti:
Sim, são separadas por cinco categorias, digamos assim. Temos a “multi”, que é de 6, 7 e 8 anos, e tem a ideia de as meninas conviverem com o esporte, não necessariamente precisa ser as aulas de futebol com tática e tudo mais. Elas precisam aprender a gostar de futebol, mas principalmente de ter uma prática esportiva e criar um vínculo com o esporte. Depois temos a turma de 9 e 10 anos, que já começamos a colocar um pouco mais de regras e conceitos táticos, mas ainda sem buscar o rendimento. E aí temos as meninas maiores, que são separadas de 11 e 12 anos; 13 e 14; e 15, 16 e 17, que degrau por degrau vamos complementando mais a parte tática, parte teórica e os conceitos fundamentais.

Quais são os dias e horários das aulas?
Beatriz Margutti:
Neste ano, nossas aulas são sempre de terça e quinta-feira; e de quarta e sexta-feira, das 17h às 21h. A partir do ano que vem começaremos a ter aula na parte da manhã, porque, como começarão os treinamentos, iremos separar e fazer uma nova grade para termos treinamento nos períodos tarde e noite, visando acolher todas as meninas, até as que estudam em período integral. Os treinamentos serão das 17h30 até às 20h30 e as aulas serão de terça e quinta, na parte da manhã e na parte da tarde.

As inscrições podem ser feitas a qualquer momento?
Beatriz Margutti:
Sim, a qualquer momento. Basta o responsável vir aqui na secretaria do Sesi, trazer um documento com foto da aluna e um comprovante de residência. A inscrição é gratuita e já é feita na hora. Na sequência, a aluna já pode fazer as aulas.

Como é o dia a dia dos treinos?
Beatriz Margutti:
É bem interessante ver como as meninas estão sendo cativadas pelo esporte. No início as meninas vieram com muita incerteza de como seria, se iriam gostar ou não, se apreciariam as aulas. A maioria das meninas não jogava. Em média 80% das meninas de cada turma não jogava futebol e dos outros 20%, cerca de uns 10% jogavam na rua ou no colégio e os outros 10% já treinaram em algum lugar. Mas a maioria nunca fez nenhum treinamento esportivo, com as partes práticas e teóricas. Só jogavam por brincadeira. É muito legal ver essas meninas pela primeira vez colocando uma chuteira, vindo às aulas e elas estão felizes. Entram e vão embora sorrindo e se divertem com as amigas. Elas querem vir para as aulas. Às vezes, as mães ficam desesperadas, porque a aluna está doente, mas quer vir para a aula. Aí elas falam comigo e eu falo que, se ela estiver disposta, não tem problema nenhum. Se for o caso, elas ficam sentadinhas ou de auxiliar. Elas gostam é de vir mesmo e participar do todo.

A história de alguma dessas alunas te chamou mais atenção?
Beatriz Margutti:
Tem duas irmãs que sempre treinaram com meninos e, quando vieram fazer aula com a gente, elas sentiram essa dificuldade, porque aqui a maioria das meninas nunca jogou. Temos de agregar essas meninas que já vivenciam a competição e treinamento esportivo com as outras meninas que estão vindo pela primeira vez. Precisamos trazer esses dois pontos para perto e conversando explicando, por exemplo, que ela pode ajudar a colega para futuramente ela ser ajudada também. O futebol é um esporte coletivo, por mais que possamos ter alguns talentos, sem o todo, treinando e fazendo aulas juntas, teremos mais dificuldades. Tem outras que os pais não deixavam treinar, porque era apenas com os meninos. Agora encontraram no Sesi um local seguro, onde elas fazem aulas apenas com meninas e têm uma professora mulher também, o que traz uma referência positiva por ser mulher e entender o que é ser uma menina no esporte e como vai se desenvolver. Nós também temos treinadores homens, o que tem dado muito certo, mas aqui especialmente falando de Itu, muitos pais vieram me falar que o fato de a referência ser uma professora mulher faz as meninas se sentirem mais confiáveis de iniciar a prática. Depois que uma começa a praticar, todo mundo começa a ficar sabendo, porque aí conta para a amiga e ela acaba vindo.

Como o futebol entrou na sua vida?
Beatriz Margutti:
O futebol entrou na minha vida muito cedo. Tenho um irmão que é dois anos mais velho que eu. Comecei jogando com os meninos com cinco anos e bati naquela mesma barreira das irmãs de só jogar com os meninos. O treinador do meu colégio me viu jogando no pátio e queria, porque queria, que eu treinasse com as meninas, mas eu não queria, porque elas estavam começando e tudo mais. Ele continuou conversando comigo, foi bem persuasivo dizendo que teria campeonato, porque antigamente tinha muita dificuldade de a menina poder disputar um campeonato junto com meninos. Continuei jogando, fiz parte do futebol feminino e participamos de muitos campeonatos. Tive muita sorte do meu colégio ser muito forte na parte esportiva. Eu sou da Zona Sul de São Paulo. Meu colégio é um colégio grande. Participou de muitos campeonatos. Graças ao colégio, eu tive a oportunidade de jogar fora do país e de representar o Brasil, porque ganhávamos os campeonatos nacionais e íamos jogar na Europa, nos Estados Unidos e com isso o futebol fez mais parte da minha vida. Joguei nos Estados Unidos por um ano e meio. Além de jogar, aprendi a língua e uma nova cultura. O esporte não traz apenas coisas momentâneas, do ganhar e perder. Traz muito mais. Quando comecei, nunca imaginei que teria essa oportunidade de morar fora e de viver uma nova cultura, que quem conhece de esportes sabe como é. Tudo é muito diferente de como eles lidam com esporte para crianças lá e como a gente faz aqui no Brasil. Em sequência, joguei mais um pouco. Tentei ser jogadora mesmo, mas era muito mais difícil na minha época. Então resolvi estudar. Fiz Educação Física, mas não tinha a intenção de trabalhar com futebol, porque eu sabia da dificuldade. Sempre gostei e queria ser professora, mas não tem como. Parece que o futebol sempre acaba me chamando e desde que me formei sempre trabalhei com futebol. Comecei no masculino e, quando encontrei o feminino, deixei o masculino de lado para focar total com o objetivo de desenvolver a modalidade. Hoje olho essas meninas que estão na seleção brasileira sub-15 e penso que não teve isso na minha época e fico muito feliz que hoje essas meninas têm a oportunidade de serem vistas, de fazer uma categoria de base e de chegarem a uma seleção brasileira. Fico feliz de ver os clubes começando a investir um pouco mais. Hoje, vemos o Corinthians que acaba sendo uma hegemonia pelo simples fato de ter apoiado desde muito cedo e ser um dos clubes que mais incentivou a modalidade.

A expectativa do projeto é formar atletas profissionais?
Beatriz Margutti:
Sim, a partir do ano que vem teremos o treinamento e em 2025 já iremos com o objetivo de participar dos campeonatos pela Federação Paulista e ir seguindo. Em alguns anos montar um time sub-20, um profissional e assim por diante.

Qual a importância de oferecer aulas de futebol feminino?
Beatriz Margutti:
Falando do esporte, do futebol, seria já difícil, mas, falando de uma maneira geral, as meninas praticam muito menos esporte do que os meninos. E entre aquelas que praticam existem estudos que mostram que a partir dos 14 anos existe uma desistência muito alta das meninas na parte esportiva. É onde a menina começa a se questionar na parte do corpo e do dia a dia. Além disso, o futebol tem uma cultura machista e as pessoas tendem a achar que a menina que pratica futebol fica mais masculinizada e isso não é, necessariamente, verdade. Acho que cada uma cria a sua personalidade e não é o esporte que faz você ser algo. O esporte vem para ser algo benéfico, para criar vínculos, respeito, amizade e solidariedade. O esporte é algo que vem para agregar sempre e é importante ver que cada vez mais mulheres estão praticando esportes. Tem muitas mães que vêm deixar as filhas e querem que eu forme um time das mães, porque elas estão adorando ver as filhas jogarem. Algumas gostavam de jogar e não podiam, então os olhos brilham vendo as filhas fazendo algo que elas não puderam fazer quando jovens.

O objetivo não é só formar atletas, mas também boas cidadãs?
Beatriz Margutti:
É o todo. Nem todo mundo vai ser atleta, mas todo mundo vai ser um ser humano para a sociedade. Precisamos criar boas referências para que elas sejam boas na sociedade, sendo ela uma atleta, uma advogada ou uma professora, mas entendo que os pilares de uma prática esportiva podem beneficiar essas meninas na sua vida adulta delas.

Como trabalhar o psicológico dessas meninas, inclusive pelo fato de que umas podem se tornar atletas profissionais e outras não?
Beatriz Margutti:
Essa é uma vivência que eu tive e eu, particularmente como treinadora, tento ser o mais transparente possível e falo sempre a verdade para todas elas. Não vou chegar aqui e falar que todo mundo é igual. Acredito nos processos. Uma menina que joga há mais tempo tem um processo diferente de uma menina que começou agora. O fato de uma ir para o treinamento não quer dizer que a outra não consiga também. Ela só vai precisar ter um pouco de paciência com os processos. É como escola: um aluno que está no 5° ano vai saber mais do que um que está no 1° ano e isso não quer dizer que quando aquele estiver no 5° ano também não vai saber as mesmas coisas.

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