Ituano de nascimento, Guilherme Alves se coloca como saltense hoje e representa a cidade nos principais eventos da modalidade
Como Guilherme Alves mesmo diz, quem o vê não imagina que ele seja um lutador de MMA. Calmo, descontraído e por vezes brincalhão, o lutador, que nasceu em Itu, mas criou raízes em Salto, tem um contrato hoje com o Jungle Fight, uma das mais importantes competições de artes marciais mistas do país. Entre momentos felizes com as vitórias e outros nem tanto com as derrotas que a vida costuma apresentar a ele, o lutador falou ao PRIMEIRAFEIRA sobre sua carreira e o momento especial que vive como lutador.
“Já fui considerado o melhor lutador da América Latina e lutei no Jungle Fight, em 2016, representando o Brasil. Infelizmente, após uma luta, tive um período de depressão e sofri uma tentativa de homicídio. Levei dois tiros. Isso obrigou a me afastar da modalidade e pensei até que minha carreira estava encerrada. Mas conquistei o título de uma competição chamada Kombat One MMA, que me trouxe de volta aos holofotes. Com isso, eu que já tentava o retorno ao Jungle Fight, consegui firmar um contrato de cinco anos para disputar a competição”.
Lutador desde os cinco anos de idade, Alves falou sobre as dificuldades para sobreviver de um esporte ainda pouco influente no Brasil. “Hoje a minha maior dificuldade é a falta de patrocínio. Estou em busca de empresas e parceiros que possam me ajudar nessa empreitada. Porque não é fácil me manter em alto nível, já que o custo é muito alto. Eu cheguei a treinar sete vezes na semana, mas hoje só consigo duas ou três, justamente pelo alto investimento necessário. É fundamental ter esses patrocínios para a manutenção do trabalho e poder estar em busca do cinturão do Jungle Fight”.
Confira a entrevista completa abaixo:
Você pratica luta desde quando?
Guilherme Alves: Eu comecei a treinar jiu-jitsu com cinco anos de idade em uma academia vizinha a uma oficina mecânica onde meu pai trabalhava, em Itu. Por estar inserido nesse mundo da luta, acabei me apaixonando pelo estilo do Vitor Belfort (lutador de MMA brasileiro) e passei a treinar o MMA. Aos 16 anos, eu fiz minha primeira luta na modalidade. Eu me lembro que precisei até usar uma artimanha para poder competir, por ser menor de idade.
E como chegou até o Jungle Fight?
Guilherme Alves: Já fui considerado o melhor lutador da América Latina e lutei no Jungle Fight, em 2016, representando o Brasil. Infelizmente, após uma luta, tive um período de depressão e sofri uma tentativa de homicídio. Levei dois tiros. Isso obrigou a me afastar da modalidade e pensei até que minha carreira estava encerrada. Mas, em meio a isso tudo conheci uma menina aqui em Salto, que hoje é minha ex-esposa e vim morar na cidade. Representei a cidade em algumas lutas e conquistei o título de uma competição chamada Kombat One MMA, o que me trouxe de volta aos holofotes. Com isso, eu que já tentava o retorno ao Jungle Fight, consegui firmar um contrato de cinco anos para disputar a competição.
Recentemente, você fez sua primeira luta nesse retorno ao Jungle Fight. Como foi?
Guilherme Alves: Infelizmente não veio um bom resultado. Tive alguns problemas pessoais há menos de duas semanas da luta e ainda enfrentei o falecimento de um tio muito próximo, que praticamente me criou na infância. Tudo isto me abalou e pensei até em desistir da luta. Recebi motivação da família, mas a preparação foi difícil. Quando subi no ringue eu acabei não tendo a concentração necessária e tive esse resultado inesperado.
N.R. Conforme noticiado pelo PRIMEIRAFEIRA, em dezembro de 2023, Guilherme foi derrotado pelo amazonense Kaysson Pereira, após ser nocauteado quinze segundos após o início do combate.
E como surgiu essa oportunidade de retornar ao Jungle Fight?
Guilherme Alves: Eu não tenho empresário e tampouco patrocínios, mas tem algumas pessoas que me ajudam. Aqui em Salto, um dos maiores colaboradores da minha carreira é o Tiago Isola (atual presidente da Associação das Indústrias de Salto, a Assisa). Eu acredito muito também na força da oração. Durante os momentos de dificuldade em minha carreira pensei muito em Deus e felizmente aconteceu. Eu conversei com os representantes, os quais já conhecia e me ofereci. Levou algum tempo até que eles me chamassem e aconteceu num momento em que eles buscavam novos atletas para chamar a atenção do público. O Wallid (Ismail, ex-lutador de jiu-jitsu e MMA brasileiro e atual presidente do Jungle Fight) sempre acreditou no meu trabalho e acabou me dando essa grande oportunidade.
Como é a rotina de disputas de um lutador amador como você?
Guilherme Alves: Eu não gosto de participar de competições em outras modalidades. Apesar de treinar essas outras modalidades, eu gosto de me preparar apenas para as lutas de MMA. A quantidade de lutas depende do atleta. No meu caso, devido à falta de patrocínio, são duas ou três lutas ao ano. Agora, se tiver bons apoios, posso fazer até seis lutas ao ano. Isso porque, além da segurança financeira, haveria apoio para me preparar mais, ter acompanhamento médico profissional e manter uma alimentação melhor, já que são muito caros os suplementos, vitaminas etc.
Os lutadores, antes da luta, encaram uma perda brusca de peso. Como é esse processo para você e por que ele acontece?
Guilherme Alves: Até hoje eu não entendo o porquê fazemos isso. Meu peso normal é entre 65 quilos e 67 quilos, mas na última luta, por exemplo, eu tive de baixar o peso para 57 quilos até a pesagem oficial. Cheguei a ficar três dias sem comer e sem beber, nem água. Nem todos conseguem recuperar o peso original em tão pouco tempo. Aí está a importância da alimentação. Nessa luta eu subi no ringue com 59 quilos e isso foi um fator determinante para que o resultado não fosse o esperado. Eu costumo ir perdendo esse peso alguns dias antes, mas chega uma hora que a desidratação será necessária. E logo após a pesagem, fazemos a hidratação com soro, bem devagar, regulando a alimentação. Em outras lutas, pesei em torno de 57 quilos e subi ao ringue com 70 quilos.
Os lutadores têm preparação de meses para uma luta e tudo pode ir água abaixo em questão de segundos. Como é o trabalho mental?
Guilherme Alves: Eu sempre aprendi a perder e nunca me importei com as derrotas. Mas, nessa minha última luta em específico e ainda mais por eu estar vindo de vitórias seguidas, me abalou bastante, sobretudo pelos problemas pessoais que enfrentava. Ao final, eu fiquei sem nem saber o que fazer. Eu não tenho um trabalho específico mental, porque meus treinadores sabem que eu tenho a cabeça firme, tanto que eles também ficaram incrédulos com o que aconteceu. Eu nunca havia perdido dessa forma. O que aliviou um pouco a dor da derrota foi que na luta principal nessa mesma noite, o favorito perdeu em 26 segundos. Até hoje tem sido difícil aceitar o que ocorreu. Eu fiquei com muito medo de ser criticado. Felizmente o povo saltense e da região me recebeu muito bem.
Uma carreira tradicional e dentro dos padrões de um lutador de MMA, em alto nível, dura quanto tempo?
Guilherme Alves: Eu tive uma conversa com o Charles do Bronx (lutador do MMA) e aprendi que a idade é apenas um número. Enquanto eu suportar, vou seguir em frente. Não há idade que possa impedir os nossos sonhos.
Onde você almeja chegar com o MMA?
Guilherme Alves: Além do Jungle Fight, eu recebi algumas propostas para lutar no SFT Combat, que é um evento muito grande e que tem sua vertente nos Estados Unidos e Inglaterra. Então eu me vejo chegando em algum desses países em breve. Porém, o foco agora é conquistar o cinturão e trazê-lo para Salto.
Como chegar ao mais alto nível num esporte como esse?
Guilherme Alves: É preciso, primeiramente, ter coragem. Depois, persistência, porque não é fácil. Ser um atleta de MMA no Brasil, e ainda mais em cidades menores, é muito difícil. Graças a Deus sempre tive motivação da família para não desistir, porque por várias vezes, nas adversidades, pensei em largar tudo.
Como se manter no topo do MMA brasileiro?
Guilherme Alves: Hoje a minha maior dificuldade é a falta de patrocínio. Estou em busca de empresas e parceiros que possam me ajudar nessa empreitada. Porque não é fácil me manter em alto nível, já que o custo é muito alto. Eu cheguei a treinar sete vezes na semana, mas hoje só consigo duas ou três, justamente pelo alto investimento necessário. É fundamental ter esses patrocínios para a manutenção do trabalho e poder estar em busca do cinturão do Jungle Fight.
É possível viver da luta, seja MMA ou outra modalidade, no Brasil?
Guilherme Alves: Eu sou bem sincero: não é possível viver só do MMA no Brasil. Sempre agradeço aqueles que me ajudam, mas depender apenas disso é muito difícil. Quem consegue vencer duas ou três lutas e conquistar o cinturão, tem a possibilidade muito grande de competir fora do Brasil. Aí estamos falando de uma outra realidade, em que é possível se dedicar exclusivamente à luta.
Hoje, qual sua fonte de renda para se manter no MMA?
Guilherme Alves: Felizmente eu tenho alguns patrocinadores, apesar de ser necessário ter muito mais, sobretudo do ramo de suplementos alimentares. Eles me ajudam e, em contrapartida, eu os ajudo nas vendas. Mas é só isso. Eu até tento me inserir no mercado de trabalho formal, mas há uma rejeição muito grande dos empresários, já que vez ou outra podemos aparecer com marcas das lutas e treinos, com hematomas ou dentes quebrados.
Acha que há um preconceito com quem pratica lutas no Brasil?
Guilherme Alves: Eu não acho. No meu caso, muitos me acham calmo demais e brincalhão no dia a dia para ser um lutador. Isso porque o esporte transformou minha vida. Eu gosto de passar meus ensinamentos, sobretudo para as crianças, com as quais trabalhei durante algum tempo, ensinando kickboxing para alunos de 6 a 14 anos.
E como você vê a prática de lutas por crianças?
Guilherme Alves: É uma pergunta muito boa, porque até hoje eu encontro com os pais de alguns alunos para os quais dei aula e eles falam que tanto eles quanto as crianças sentem falta dos treinos. Isso porque eu não ensinava apenas a luta, mas a disciplina. Tive aluno que dentro de casa não tinha um pingo de educação e arrumava problema na escola, mas depois de treinar comigo, mudou sua personalidade. Quando encontro alguns deles na rua, recebo o carinho e o agradecimento pelos ensinamentos que pude passar. Há quem pense que a luta pode piorar o indivíduo, mas é o contrário. Foi assim comigo e será com tantas outras crianças.
Qual a sensação de ser reconhecido na cidade?
Guilherme Alves: É maravilhoso. Poder inspirar outras pessoas, não apenas na luta, mas em outros esportes, fazer com que deixem de seguir um caminho ruim, me deixa muito feliz. Sou reconhecido na cidade, tiro fotos e recebo cada vez mais o carinho da população.