Equipe feminina entra em seu sétimo ano de atividades desde a retomada e segue como uma das melhores do país sob o comando de um dos nomes mais importantes da modalidade
Antônio Carlos Barbosa é um dos mais importantes nomes do basquete brasileiro. Foi medalhista olímpico como treinador da Seleção Brasileira na Olimpíada de Sidney, em 2000, e foi escolhido pelo Hall da Fama da Federação Internacional de Basquete. Depois de todas essas conquistas, ele se propôs, há sete anos, à missão de recolocar o basquete ituano no cenário nacional. E, apesar de um início de incertezas, o projeto deu muito certo e hoje o time é um dos melhores do país. “Eu estava como treinador do basquete masculino em Camarões quando me foi apresentado o projeto. Surpreendentemente o projeto recebeu esse apoio todo, que eu não esperava que tivesse, criando uma simbiose entre Poder Público, iniciativa privada e população. E aqui estamos”, disse ele.
Para o histórico treinador, o Brasil ainda tem muito a crescer na modalidade, que, por muitos anos, sobretudo na década de 1990, movimentou o país, mas que acabou relegada a segundo plano por más administrações e por falta de apoio. Por isso, Barbosa cita a importância do apoio do Poder Público no desenvolvimento de modalidades sem grande apelo. “Eu acho que todo projeto, ainda mais quando se trata de basquete feminino, tem de começar pela Prefeitura. É uma modalidade diferente das outras, por incrível que pareça. E eu digo o porquê. O basquete feminino não tem mais o apelo que já teve. Então é preciso um pai para agasalhar a criança e fazer ela começar a andar”, afirmou.
Lembrando de sua passagem por Salto, ainda como comandante do time de Bauru, na década de 1980, o treinador torce pelo retorno do basquete feminino em Salto também e lamentou o fato de a cidade não ter aproveitado a onda com a passagem da Seleção Brasileira da modalidade que utilizou as dependências locais para treinamentos. “Eu até pensei que essa passagem pudesse agilizar o retorno do basquete na cidade, com incentivos e projetos. Infelizmente ainda não aconteceu. Eu gostaria que o basquete de Salto fosse resgatado. (…) Salto teve uma tradição que deveria ser mantida”, comentou o treinador, que concedeu uma entrevista ao PRIMEIRAFEIRA, cuja íntegra pode ser conferida abaixo.
Como tem sido esse projeto de retomada do Ituano Basquete?
Antônio Carlos Barbosa: É um projeto sobre o qual, assim como tantos outros, cria-se muitas dúvidas a respeito da sua durabilidade. Isso porque, geralmente, em projetos que começam do zero tem-se uma interrogação sobre quanto tempo ele irá permanecer, ainda mais quando o carro-chefe do projeto é o Poder Público. Eu acho que todo projeto, ainda mais quando se trata de basquete feminino, tem de começar pela Prefeitura. É uma modalidade diferente das outras, por incrível que pareça. E eu digo o porquê. O basquete feminino não tem mais o apelo que já teve. Então é preciso um pai para agasalhar a criança e fazer ela começar a andar. E foi o que aconteceu aqui em Itu. O prefeito Guilherme Gazzola (Progressistas) gostou do projeto através do secretário de Esportes, Douglas Boschetti, à época, e me convidou. Eu estava como treinador do basquete masculino em Camarões quando me foi apresentado o projeto. Surpreendentemente o projeto recebeu esse apoio todo, que eu não esperava que tivesse. E aqui estamos no sétimo ano desse projeto.
Qual é o segredo para o projeto se manter durante tanto tempo?
Antônio Carlos Barbosa: O grande segredo para o sucesso desse projeto é não ter dependido de uma única fonte de receitas. Aqui a coisa funcionou bem. A Fundação Universitária Vida Cristã, a Funvic, apoiou o projeto no início, junto da Prefeitura; depois a Prefeitura assumiu e foi buscando novos parceiros, até que entrou o Ituano, com uma marca importante, que colaborou para novas receitas.
Pode-se dizer que o projeto está consolidado ou ainda há o que ser melhorado ou buscado como investimento?
Antônio Carlos Barbosa: Claro que sempre há alguns ajustes no caminho, sobretudo em relação ao desequilíbrio do time. No nosso caso, os contratos eram feitos por temporada e, ao final do campeonato, o time se desfazia. As atletas não tinham e ainda não têm um salário que as permitam esperar dois meses, por exemplo, pela renovação do contrato. Então, quem chegava com uma nova proposta levava a atleta. E isso acabava descaracterizando o time, não permitia uma ligação entre time e torcida, já que a cada ano era um time novo. As mudanças constantes no time, ainda mais para um esporte de quadra, não são legais, já que o fator conjunto é muito forte. Felizmente isso mudou no Basquete Ituano. Os contratos agora são por ano. Então estamos aí novamente com um time competitivo. Não quer dizer que vai ganhar, mas pelo menos é um time que hoje está no nível dos favoritos.
O senhor acha que desenvolver um projeto de basquete no interior é mais difícil ou a dificuldade é a mesma de grandes cidades?
Antônio Carlos Barbosa: Não. Eu acho mais fácil. Foi uma tarefa difícil no começo, mas o resultado está sendo surpreendente. Eu sinto isso nas ruas. As meninas já são bem reconhecidas e o início, no ginásio da Associação Atlética Ituana, que por muitos anos foi o palco dos grandes movimentos esportivos, foi determinante para essa consolidação. Hoje estamos num local com mais recursos, mas que até então estava meio caído e foi necessária uma grande reforma. Além disso, o basquete no interior acaba tendo um apelo maior e, com boas estratégias e idoneidade, é possível conseguir parceiros. É assim que sobrevive o basquete feminino. É uma situação diferente dos tempos de Paula (Maria Paula Gonçalves, a Magic Paula) e Hortência, onde havia um apelo midiático muito grande e os contratos de patrocínio eram muito altos. Hoje, o basquete feminino está numa outra realidade.
A presença de público foi determinante para a consolidação do basquete feminino em Itu?
Antônio Carlos Barbosa: O basquete caiu nas graças do público. Em 2019 jogamos a final contra Campinas com esse ginásio (Ginásio Prudente de Moraes, onde o basquete ituano manda seus jogos) lotado. É uma situação diferente do futebol, em Itu, por exemplo. Nas cidades que estão até uns cem quilômetros da capital, o torcedor acaba ficando mais ligado aos grandes times do que aos times locais e esses times locais não geram um grande apelo. O próprio Ituano Futebol Clube é um exemplo disso. E com o basquete isso é diferente. O público acaba virando torcedor, já que não vive uma rivalidade.
Por que o basquete feminino não tem o mesmo apelo de público como tinha há algumas décadas?
Antônio Carlos Barbosa: O basquete ainda tem um grande apelo e isso pode ser visto nos ginásios. Em Bauru, por exemplo, os jogos são sempre com bons públicos. O grande problema do basquete feminino foi que, na época de ouro, a imprensa focou muito em Paula e Hortência e não nos times. Então, quando elas pararam, no final da década de 1990, ficou um vácuo. Outra coisa é que times itinerantes, como muitos que existem, não permitem criar vínculo com a cidade.
Na opinião do senhor, o basquete em Salto pode ser resgatado, assim como aconteceu com Itu?
Antônio Carlos Barbosa: Eu gostaria que o basquete de Salto fosse resgatado. Joguei na cidade, comandando o time de Bauru contra o Emas-Mandi, por volta de 1988 ou 1989, e Salto teve uma tradição que deveria ser mantida. É uma cidade com muitas empresas fortes que podem ajudar a retomar o basquete. Enquanto isso, faço um convite aos torcedores e amantes do basquete para que venham prestigiar o Ituano Basquete, afinal de contas, somos vizinhos.
Nos últimos dois anos, a Seleção Feminina de Basquete esteve treinando em Salto. Qual a importância de ações como essas?
Antônio Carlos Barbosa: Eu achei muito importante essa passagem da seleção por Salto. Eu até pensei que essa passagem pudesse agilizar o retorno do basquete na cidade, com incentivos e projetos. Infelizmente ainda não aconteceu. Mas, isso depende muito do Poder Público. Se ele não gostar e não entender a importância de impulsionar um projeto como esse, fica mais difícil. A iniciativa privada não tem interesse em começar um projeto do zero.
Um trabalho de base, desde as escolas, ajudaria a fortalecer o basquete no Brasil na opinião do senhor?
Antônio Carlos Barbosa: Isso é o básico. Mas não é só isso. Se não há uma equipe minimamente competitiva na cidade, que incentive o gosto numa criança pela modalidade, o trabalho se torna mais difícil. Aqui em Itu nós já temos equipes sub-12, sub-13 e sub-14, só com meninas de Itu. Tudo em cima do sucesso do Ituano Basquete. Além disso, nós fazemos visitas nas escolas e isso vai despertando o gosto. Acho que esse é o caminho. Mas, claro, é possível desenvolver um trabalho desde que haja pessoas capacitadas e focadas para fazer esse trabalho de iniciação nas escolas.
Como o senhor vê a estrutura atual do basquete brasileiro?
Antônio Carlos Barbosa: Nossa entidade máxima, a Confederação Brasileira de Basquetebol, foi muito judiada nos últimos anos com um presidente que cometeu muitos erros e muitos equívocos, os quais tornaram o basquete o único prejudicado. Não pode acontecer como foi nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, na qual me chamaram de última hora, faltando três meses para os Jogos Olímpicos. Não podemos jogar uma Olimpíada sem o chamado Ciclo Olímpico, num trabalho de quatro anos. Foram momentos que tivemos para alavancar a modalidade e não aproveitamos. Essa nova diretoria, com o atual presidente Guy Peixoto, está buscando credibilidade e acabou resgatando um pouco do basquete nacional. Com isso, a estrutura vai melhorando gradativamente. Acho que é um trabalho de reconstrução que tem de ser feito.
Qual o segredo do senhor para se manter há tanto tempo como uma das referências do basquete mundial?
Antônio Carlos Barbosa: Eu não sei se sou tão valorizado, mas graças a Deus não tenho nenhuma vaidade. Tudo que fiz e ainda faço é minha obrigação. E faço porque gosto do meu trabalho. Apesar de a idade ter chegado, me sinto jovem e com disposição para encarar desafios. O grande segredo é armazenar novos conhecimentos, sem abandonar tudo o que já aprendi. Hoje em dia, com toda a facilidade e acessibilidade a jogos do mundo todo, o que mais temos são treinadores de internet. Porém, para quem vive o dia a dia de uma equipe, é preciso se adequar à realidade, dentro do que é possível fazer. De uns tempos para cá, eu trabalhei sempre com pessoas mais novas, não apenas atletas, mas no corpo técnico também. Outra, o mais importante é ter a sua história. Quando se tem resultados e um comportamento idôneo, ainda mais trabalhando com meninas e mulheres, agregado ao conhecimento, não tem como não ter uma vida longa no esporte. E eu, já no final da minha vida esportiva, fui premiado com o hall da fama. Ser medalhista olímpico e ainda ser escolhido para o hall da fama e ser o único técnico brasileiro ainda vivo presente nesse seleto grupo, é um reconhecimento dado pela Federação Internacional de Basquete que nem eu esperava. Eu venci, cheguei no alto nível, morando em Bauru, longe das principais cidades em relação ao esporte, como São Paulo e Rio de Janeiro. Então, meu trabalho foi realmente reconhecido.