Christos Atanasse Sakkas vive em Salto há mais de 40 anos, sempre cercado de amigos, e veio de São Paulo, mas antes serviu ao exército grego, onde foi um especialista em telecomunicações
Primeiro grego de Salto -e, segundo ele, o único-, Christos Atanasse Sakkas vai lançar um livro no qual contará toda a sua odisseia ao longo de seus 97 anos de idade. A história virá desde os tempos em que trabalhou para o exército grego até a vinda e consolidação no Brasil, em especial em Salto, onde vive há mais de quatro décadas. Publicado pela editora saltense Foxtablet, o lançamento será no foyer da Sala Palma de Ouro dia 28 de março.
A lucidez impressiona para a idade e, na entrevista que concedeu ao PRIMEIRAFEIRA, Christos recordou as passagens mais importantes da sua vida e que foram colocadas no livro. Entre elas, seu período no exército grego, em meio à Guerra Civil do país. “Eu servia de apoio, como interlocutor de comandos. Eu preparava toda a área telefônica e de transmissão para que generais e coronéis fizessem os seus serviços. Carregava uma pequena metralhadora, mas para defesa pessoal. Felizmente nunca precisei usar”.
O desejo de mudar de país o trouxe até o Brasil, onde fixou residência primeiro na grande São Paulo e depois no interior, quando desembarcou em Salto, há 44 anos. “O presidente da Novik (empresa para a qual trabalhava) me perguntou se estaria disposto a auxiliar na implantação de uma fábrica no interior de São Paulo. Eu prontamente aceitei e ele me trouxe até Salto, vimos o local e alguns dias depois retornamos, desta vez para contratar os engenheiros para a obra”, disse.
E hoje ele aproveita dos amigos que fez ao longo dos anos para curtir cada momento da vida. “Eu gosto daqui pelo sossego. Foram mais de 20 anos em São Paulo e, naquela época, eu já gastava 40 minutos para ir até o trabalho. Estava saturado. Quando vim para cá, gostei logo de cara. Aos poucos fui fazendo amizades, participei do Rotary etc. Posso dizer que me entrosei bem com todos e, graças a Deus, sou querido por todos”.
Confira a entrevista na íntegra.
Como surgiu a ideia de escrever um livro a essa altura da vida e o que o senhor vai contar de interessante nele?
Christos Sakkas: A ideia de escrever um livro surgiu em 2012, quando, numa conversa com minha falecida esposa, decidi contar toda a minha trajetória de vida, começando lá pela minha infância, depois escola, o período no exército e a vinda até o Brasil. Comecei os rascunhos naquela época, mas foi apenas em 2020, quando minha esposa faleceu, que eu me dediquei mais para escrevê-lo. Entre os assuntos eu falo sobre minha experiência no exército, logo após a Segunda Guerra Mundial, já que eu tinha um conhecimento que poucos tinham naquela época, que era nas telecomunicações. Entre meus trabalhos naquela época, eu dava apoio para a Guerra Civil (travada de 1946 a 1949, e que envolveu as forças armadas do governo monárquico grego, apoiadas pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, contra o Partido Comunista da Grécia e seu braço armado, o Exército Democrático da Grécia, juntamente com a maior organização de resistência).
O que motivou o senhor a servir ao exército?
Christos Sakkas: Entrei, primeiramente, porque não gostava de trabalhar na lavoura. Mas entrei também porque queria melhorar, pessoalmente e profissionalmente. Na Europa, a família que tem cinco filhos homens, um não vai para o exército. É algo obrigatório. Meu pai me tirou do exército, mas não tinha me falado nada dessa regra que existia. Até que um dia, o prefeito da cidade, que era meu primo e bastante amigo da família, me trouxe um papel que o exército precisava de pessoas para trabalhar e eu decidi me inscrever. Passaram-se cinco dias e eu falei para meu pai que queria ir até Atenas, que ficava a uns 300 quilômetros de Calamata, cidade onde eu morava. Ele me perguntou sobre o que eu faria e eu falei que tinha me inscrito para o exército. Só então ele me falou que havia me tirado do serviço militar, mas eu quis ir assim mesmo e acabei entrando. Após cinco anos, você tem a escolha de querer ou não continuar no exército e subir de patentes. Mas eu não gostei de vivenciar uma guerra. Então, quando tive a oportunidade de vir ao Brasil, não pensei duas vezes.
Como surgiu o interesse pela área de telecomunicações?
Christos Sakkas: Eu era pequeno, tinha meus oito, nove ou dez anos, e pegava uma pedra galena (mineral que foi um dos primeiros semicondutores utilizado como receptor de rádio, na modulação AM) e a colocava um alfinete numa ponta e um fone na outra e conseguia ouvir as estações de rádio. Esse conhecimento ajudou bastante na minha trajetória.
Como foi servir ao exército nesse período de guerra interna no seu próprio país e que experiências absorveu?
Christos Sakkas: Foi um momento em que o Partido Comunista da Grécia tinha uma influência muito grande e gerou um confronto de milicianos contra o exército. Eu servia de apoio, como interlocutor de comandos. Eu preparava toda a área telefônica e de transmissão para que generais e coronéis fizessem os seus serviços. Fiquei durante cinco anos e, após esse período, fui convidado a ficar por mais dois anos no exército civil.
O senhor que viveu de perto uma guerra, como é presenciar uma?
Christos Sakkas: Guerra é uma desgraça. Uma pobreza e, paralelamente, uma prostituição total. São inúmeras as necessidades. Basta ver tudo o que estão mostrando tanto na Rússia quanto na Ucrânia. E na guerra interna, como a Guerra Civil Grega, é ainda pior. O pai mata o filho ou o filho mata o pai. Eu era do apoio do exército e nunca matei ninguém. Carregava uma pequena metralhadora para defesa pessoal. Felizmente nunca precisei usar.
Por que o senhor decidiu deixar a Grécia?
Christos Sakkas: Num determinado dia, em conversa com outros engenheiros que estavam no refeitório do exército comigo, um deles falou sobre imigramos a um outro país. Essa era uma vontade que tinha desde pequeno. Quando eu tinha meus sete ou oito anos, o meu avô tinha um irmão na Austrália e eu pedi para ir morar com ele, mas minha família falava que ainda não era o momento. Eu aceitei durante alguns anos, após essa conversa com meus companheiros do exército, decidimos bater na porta do consulado australiano. Demos a documentação, mas eles disseram que não precisavam de profissionais como nós, engenheiros ou técnicos de comunicação. O que eles queriam eram pessoas que aceitassem um trabalho braçal para abrir valetas de água na região da Tasmânia. Eu não aceitei, porque não havia estudado para isso. Nesse momento, os funcionários do consulado australiano falaram que no Brasil precisariam de nossos serviços. Batemos na porta deles, gostaram da nossa entrevista e em 26 dias estava tudo pronto; o governo brasileiro pagou nossa viagem e nossa estadia. E assim cheguei no Brasil.
Como foi essa chegada ao Brasil e como o senhor veio para Salto?
Christos Sakkas: Eu cheguei no Brasil em 1954 para trabalhar na RCA Victor, uma companhia dos Estados Unidos, em Osasco (SP), por onde fiquei durante cinco anos, até o fechamento da empresa. A partir de então comecei a realizar outros serviços em diversas empresas, até que o presidente da empresa Novik SA havia sido o diretor que me acolheu na RCA, logo após minha chegada. Ele me convidou para trabalhar com ele. Foram dois anos trabalhando na empresa, até que ele me chamou no escritório. Na hora eu pensei que seria demitido, mas ele me perguntou se estaria disposto a auxiliar na implantação de uma fábrica no interior de São Paulo. Eu prontamente aceitei e ele me trouxe até Salto, vimos o local e alguns dias depois retornamos, desta vez para contratar os engenheiros para a obra. Na época eles eram engenheiros da Prefeitura e, a partir daí, em dois anos a fábrica estava pronta. Ela foi inaugurada em novembro de 1976.
Em Salto o senhor trabalhou apenas em telecomunicações?
Christos Sakkas: Foram 21 anos trabalhando na Novik, depois passei a ser um representante da empresa. Fui diretor de Saúde da Prefeitura de Salto, responsável por todos os postos de saúde; trabalhei no comércio… enfim, eu me virei.
Como o senhor encarou a barreira linguística no novo país, que é tão diferente do português para o grego?
Christos Sakkas: Na Grécia, as escolas ofereciam duas opções para estudar uma segunda língua: o francês ou o latim. Eu optei pelo latim. Isto facilitou um pouco. Eu conversava muito, embora tivesse demorado um pouco para falar direito o português. Porém, logo que eu cheguei no Brasil eu me lembro de não entender nada e queria ir embora. Cheguei até a mandar uma carta para meu irmão, na Grécia, pedindo para voltar, mas acabei conhecendo minha esposa e fiquei.
O povo brasileiro tem fama de ser receptivo com os estrangeiros. Isto realmente ocorreu com o senhor?
Christos Sakkas: Naquela época (década de 1950) havia uma pequena dificuldade em aceitar os estrangeiros, ainda mais os que ocupavam cargos de chefia. Mas eu enfrentei tudo isso com meus conhecimentos, vontade e lealdade com o trabalho e, no fim, deu tudo certo.
Quais as semelhanças que o senhor vê do Brasil com a Grécia?
Christos Sakkas: Muitos já me fizeram essa pergunta sobre o que eu vi no Brasil. A Grécia é um país com mais de 5 mil anos, com uma cultura diferente, berço da democracia, com sua beleza, mas se fosse tão bom assim, eu teria ficado. Um país atingido pela guerra nunca é bom de se viver. Existe muita pobreza. Só não me naturalizei porque não tinha nada a ganhar nem a perder com isso, além de achar que é algo meramente político e eu não gosto disso.
O que o senhor mais gosta de Salto?
Christos Sakkas: Eu gosto daqui pelo sossego. Foram mais de 20 anos em São Paulo e, naquela época, eu já gastava 40 minutos para ir até o trabalho. Estava saturado. Quando vim para cá, gostei logo de cara. Aos poucos fui fazendo amizades, participei do Rotary etc. Posso dizer que me entrosei bem com todos e, graças a Deus, sou querido por todos.
O que o senhor ainda mantém da cultura grega aqui em Salto?
Christos Sakkas: Eu gosto muito da comida grega. Tanto que minha falecida esposa sabia fazer mais comidas gregas que brasileiras. O café grego também é algo que adoro. Tanto que não tomo o café brasileiro. O café grego tem um pó mais fino. Basta colocar água e açúcar e ferver tudo, espera baixar e ferve novamente. Aqui em Salto tem uma pessoa da qual eu compro esse pó de café, mas ainda assim não é como o café grego de verdade.
Uma tradição grega que nós conhecemos bastante é a quebra de pratos em festividades. O senhor fez e mantém essa tradição?
Christos Sakkas: Já fiz muito. A última foi no casamento da minha filha. Foram 86 pratos quebrados. Mas são pratos de gesso. É uma tradição bastante antiga. O povo grego tem, por costume, sempre dançar após o almoço. Nos restaurantes, quando o cantor era bom, os clientes jogavam os pratos, como uma forma de elogio. Foram vários anos dessa tradição, até que ali pelos anos 1980, o governo grego proibiu essa tradição por conta de muitas pessoas maldosas. Então, foi instituída uma nova tradição, substituindo os pratos por pétalas de rosa.