Cidades

Interligadas

Falta de acessibilidade é apenas um dos problemas dos deficientes em Salto

O atleta Bruno Rodrigues, que é cadeirante, vê falta de interesse do Poder Público e da iniciativa privada para resolver as questões que dizem respeito a pessoas como ele

Uma das grandes dificuldades da pessoa com deficiência em Salto é a locomoção. Calçadas que não oferecem as condições adequadas, falta de acessibilidade em espaços públicos, vagas de estacionamento inadequadas e a negligência do Poder Público com a situação fazem com que muitas pessoas com essas dificuldades não tenham interesse em ter um convívio social minimamente comum. Todos esses problemas foram relatados por quem vivencia a situação cotidianamente, o atleta Bruno Rodrigues.
Cidadão saltense e atleta de destaque na natação, ele nunca representou a cidade pelo simples fato não ter o apoio do Poder Público com o básico, que seria oferecer condições de competição aos deficientes. Inconformado com a sua situação e a das outras pessoas na mesma condição, ele já tentou uma vaga na Câmara de Vereadores, mas não foi eleito. Se tivesse sido, causaria uma saia justa, já que o prédio atual não dispõe de acessibilidade.
“Eu fico me perguntando como seria se eu fosse eleito. Isso só mostra que os vereadores não pensam em acessibilidade. É sim um constrangimento e por isso é necessário que a pessoa com deficiência esteja em evidência. As maiores dificuldades são os acessos a locais públicos, sobretudo em relação à Saúde, Educação e Esporte. Num posto de saúde, por exemplo, não tem acessibilidade nos banheiros. Se precisar utilizá-lo, a porta até abre, mas a cadeira não entra. É preciso utilizá-lo com a porta aberta. Nos centros de lazer não tem acessibilidade a quase nenhuma modalidade. E nas ruas da região central não tem acessibilidade alguma, e não apenas para mim, que sou cadeirante, mas também para quem tem mobilidade reduzida”, afirmou.
Confira a entrevista completa abaixo.

Quais as dificuldades que os deficientes físicos enfrentam atualmente para se locomover em Salto?
Bruno Rodrigues:
As maiores dificuldades são os acessos a locais públicos, sobretudo em relação à Saúde, Educação e Esporte. Num posto de saúde, por exemplo, não tem acessibilidade nos banheiros. Se precisar utilizá-lo, a porta até abre, mas a cadeira não entra. Então é preciso utilizá-lo com a porta aberta. Nos centros de lazer não tem acessibilidade a quase nenhuma modalidade. E nas ruas da região central não tem acessibilidade alguma. Não apenas para mim, que sou cadeirante, mas também para quem tem mobilidade reduzida. Sei que é uma cidade antiga, mas ao longo dos anos nada foi feito sobre essa questão. No Turismo, tivemos recentemente a inauguração do Parque Rocha Moutonnée, que é um local acessível, mas não para todos. Um deficiente visual, por exemplo, não tem qualquer informação em libras para poder participar e conhecer a atração.

Você viu melhorias na acessibilidade nos últimos anos?
Bruno Rodrigues:
Sinceramente? Não vi grandes melhoras. O que vi foi um parque sendo reformado com alguma acessibilidade. E não estou falando que não é importante. Mas não teve nada mais que isso. Talvez o grande avanço tenha sido um aplicativo que utilizam no Hospital Municipal, que permite a comunicação de pessoas com deficiência auditiva com os profissionais que não saibam a linguagem de sinais. E ainda assim existem algumas gafes nesse aplicativo que não prestaram atenção.

Por que você acha que há pouco investimento em acessibilidade?
Bruno Rodrigues:
Hoje em dia, as pessoas com deficiência não saem de casa porque a cidade não é acessiva. Por outro lado, quanto mais acessibilidade for oferecida, mais pessoas estarão nas ruas e, dessa forma, mais cobrança haverá ao Poder Público. Então acho que, por isso, pouco tocam no assunto. Já ouvi de nossos governantes o questionamento: como tornar a cidade mais acessível se os comércios não são acessíveis? Já os comerciantes falam que não tornam as lojas mais acessíveis justamente pelo fato de a Prefeitura não dar a devida acessibilidade nas ruas. Uma melhora para as pessoas com deficiência é uma melhora para todos. Eu tive uma avó que, quando eu ainda andava, ajudava ela a se locomover e via as dificuldades.

Além dos problemas nas ruas, quais outros problemas os deficientes encontram na cidade nessa questão?
Bruno Rodrigues:
Há um problema com relação às vagas prioritárias a pessoas com deficiência. Eu busco minha prima no colégio e não consigo descer do carro. Eles colocam o contêiner de lixo numa posição que não conseguimos abrir a porta do carro. Na vaga ao lado do Atende Fácil tem uma árvore que não permite abrir a porta do lado do motorista. Na Rua Nove de Julho, eu que sou motorista, tenho de abrir a porta de montar a cadeira de rodas na rua. Não tem vagas para pais de pessoas autistas, por exemplo. Eu falo dessa questão das vagas, porque seria o mínimo, mas nem isso temos. É uma má gestão em relação à pessoa com deficiência.

Quais soluções você vê para a cidade em relação à acessibilidade que possam ser realizadas num curto prazo?
Bruno Rodrigues:
Eu acho que o primeiro passo seria a criação de uma Secretaria da Pessoa com Deficiência ou então um departamento com essa finalidade, direcionando toda a demanda das pessoas com deficiência a esse local. Desde a pessoa que deseja apenas uma informação até a pessoa que quer um atendimento específico. Além de ter um local próprio para o atendimento, o que hoje não tem, seria uma forma de a Prefeitura criar um cadastro das pessoas com deficiência. Criaríamos um censo com o número de deficientes, quais as deficiências, se a pessoa necessita de um atendimento específico, onde ela estuda ou o que ela necessita. Já que a cidade não é acessível, concentramos tudo num espaço só, para que não sejamos jogados para lá e para cá numa cidade que não é acessível. E, além de tudo, seria uma forma de escutar as pessoas com deficiência.

Recentemente, o Ministério Público determinou que a Prefeitura resolva a acessibilidade em até cinco anos. Esse prazo é suficiente?
Bruno Rodrigues:
Seria um pontapé. Mas, embora o Ministério Público tenha determinado, o prefeito Laerte Sonsin Jr. (PL) entrou com um recurso. Então tudo está suspenso. Como vamos depositar nossa confiança numa pessoa como ele, que, quando em campanha, falou que apoiaria a causa? É algo que a região central teria de ter. Não tem como os deficientes atravessarem as ruas. Não existem sinais sonoros, além das dificuldades em relação ao transporte público. E não adianta falar que é apenas por Salto ser uma cidade antiga. É preciso ter pessoas que representem nossa causa para que alguma coisa possa ser mudada.

Está sendo discutida a revisão do Plano Diretor. Os deficientes estão participando dessas discussões?
Bruno Rodrigues:
Não. O Conselho da Pessoa com Deficiência até tem um representante, mas não tem voz. A Prefeitura só leva à discussão aquilo que eles querem. Quando levamos uma demanda, eles não nos ouvem. O conselho está presente apenas para aparecer na foto. Recentemente até houve uma solenidade no Paço Municipal sobre uma conquista de que os deficientes e os acompanhantes não precisam pagar pelo transporte intermunicipal na Região Metropolitana de Sorocaba. Mas a Prefeitura sequer tem um controle do número de deficientes que utilizam esse transporte. Eu tentei fazer a carteirinha, mas exigem um laudo médico. Acontece que aqui na cidade não tem um médico que dê esse laudo. É algo que é útil, mas não é prático para os deficientes.

Você foi candidato a vereador na última eleição e a Câmara não tem acessibilidade. Essa é uma situação constrangedora?
Bruno Rodrigues:
Eu fico me perguntando como seria se eu fosse eleito. Só isso já mostra que os vereadores não pensam em acessibilidade. Será que se um vereador precisar da acessibilidade, imediatamente eles tomarão alguma providência? Estamos falando de pessoas que dizem nos representar, mas, de fato, não tocam no assunto. Talvez porque eles não sintam na pele o que uma pessoa com deficiência sente. É sim um constrangimento e por isso é necessário que a pessoa com deficiência esteja em evidência. Não adianta só falar em acessibilidade. É preciso dar esse acesso e também incluir. Precisa mudar muita coisa.

Você pretende se candidatar novamente, visando representar a categoria no Legislativo para o próximo período?
Bruno Rodrigues:
Pretendo sim. Vou tentar mais uma. Desta vez estou mais preparado, estudei muito sobre as políticas públicas da pessoa com deficiência e acredito que posso abrir caminhos. E não pensando apenas em mim, mas em outras pessoas. Poderei dar um pontapé para que, lá na frente, possamos ter mais políticas públicas para a pessoa com deficiência.

Você também foi um atleta de bastante destaque na natação e hoje mudou de esporte. Em qual esporte você está?
Bruno Rodrigues:
Eu fui atleta da natação durante 13 anos. Cheguei a levar a tocha olímpica. Mas, infelizmente, nunca treinei em Salto, justamente pela falta de acessibilidade. Treinei em várias equipes até ser contratado pela equipe ACD Indaiatuba, de onde fui atleta por sete anos. O incentivo paralímpico lá era muito grande. Algo que aqui não tem. Hoje eu sou atleta do curling, uma modalidade de esportes de inverno e treino em São Paulo. Em 2023, eu fui o terceiro melhor atleta do país. Eu participo de uma equipe em São Paulo na única arena do esporte no Brasil. No ano passado eu participei da seletiva para a Seleção Brasileira para uma competição na Finlândia, mas acabei ficando em décimo, sendo que apenas os seis melhores acabaram sendo convocados. Neste ano tentarei novamente uma vaga na Seleção Brasileira de Curling, que busca vaga nas Olimpíadas de Inverno em 2025.

Essa mudança de esporte se deu devido à falta de incentivo?
Bruno Rodrigues:
Foi. Eu treinava na equipe de Indaiatuba, que acabou sendo transferida de cidade, e a grande maioria dos atletas foi junto, já que éramos referência no esporte, mas, como eu me casei, acabei optando por não ir e perdi o contato com a natação. Tentei voltar para a cidade de Salto, mas o único professor que tinha o curso para aulas de natação paralímpica faleceu. Dessa forma, não tinha um profissional capacitado para o esporte paralímpico. Eu tentei treinar por conta própria, mas não tinha como me desenvolver no esporte. Eu ainda treino a natação por hobby e utilizo as dependências da piscina do Ginásio Municipal. A cada vez que vou tenho de descer as escadas de bunda no chão, degrau por degrau. E não é nada agradável. Assim como eu tem muitos atletas com deficiência que vão para outras cidades. Eu acabei parando por um tempo até ter o convite para conhecer o curling. Agora estou praticando esse esporte.

Como atleta, você considera que o Brasil oferece boas condições para o desenvolvimento profissional?
Bruno Rodrigues:
O esporte paralímpico traz resultados mais abrangentes do que o esporte convencional. A expectativa é de que, em 12 anos, o Brasil esteja no topo do ranking de medalhas nas paralimpíadas. E em São Paulo existe o maior centro de treinamento paralímpico da América Latina. A estrutura é de ponta e dão todo o respaldo para o atleta. Infelizmente a maioria das cidades não investe na mesma proporção.

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