Fosse a sociedade dotada adequadamente do que podemos chamar de “educação linguística”, consideraríamos que “problemas graves” não são a ausência de concordância de plural, a regência “fora da norma” de determinado verbo, o uso de formas consideradas “feias” desse ou daquele particípio. Mas o que vemos é uma indignação por vezes furiosa contra quem “maltrata” a língua portuguesa, mas não contra o estado da escola pública, o salário do professor, o carreamento de verbas para pagamento de juros enquanto o orçamento público derrete mais que as calotas polares…
Sim, educação linguística faz muita falta e custa muito, o que me faz lembrar daquele adesivo, em inglês, que circula por aí em alguns carros: “If you think education is expensive, try ignorance” (na tradução: Se você acha a educação cara, tente a ignorância). Esse introito todo tem a ver justamente com a relação entre língua e educação: afirmei nos artigos anteriores que a noção de “certo” e “errado” é estranha a uma visão científica da língua, porque “certo” e “errado” são noções estranhas à prática científica como um todo. Ciência explica, ciência não faz juízo de valor sobre os fenômenos.
De todo o arrazoado que propus nos textos anteriores, a conclusão que mais se tira é o famigerado “ah, então se pode falar do jeito que quiser, que não tem problema”, quando não o aparente bom-mocismo de “o que importa é se comunicar”. Nem uma conclusão, nem outra. Como a linguagem é um fenômeno social, é importante que os falantes de uma língua se comportem de maneira adequada em sociedade. Se por mais não fosse, para evitar problemas práticos, concretos, provenientes do que o conjunto da sociedade considerará inadequado em termos linguísticos, gerando prejuízos para a imagem do falante que não se portar como se espera em determinados contextos. Podemos então cravar: a língua sempre está em operação em contextos determinados.
Lancemos mão de uma comparação: a modalidade linguística é como a roupa que vestimos. Há roupas adequadas para determinadas situações, inadequadas para outras. Ir de terno à praia é no mínimo esquisito, assim como comparecer à reunião da empresa de sunga, chinelos e óculos de sol provavelmente fará dessa a última reunião na empresa… Com a linguagem ocorre algo semelhante: cabe maior descontração e espontaneidade em um churrasco entre amigos, e maior cuidado e atenção em uma entrevista de emprego, em uma apresentação pública, em uma reunião de trabalho. Importa, assim (e eis uma boa política de educação linguística), que sejamos poliglotas em nosso próprio idioma, capazes de modelar nossa linguagem às diferentes situações de uso concreto. À escola cabe, portanto, oferecer a seus alunos um aprendizado da modalidade considerada prestigiosa da língua, bem como um esclarecimento quanto às variedades sem o mesmo prestígio. Nosso guarda-roupa deve ser amplo e variado para termos opções em situações as mais diversas.