“Tendo terminado de orar, Jesus saiu com os seus discípulos e atravessou o vale do Cedrom. Do outro lado havia um olival, onde entrou com eles. Ora, Judas, o traidor, conhecia aquele lugar, porque Jesus muitas vezes se reunira ali com os seus discípulos.
Então Judas foi para o olival, levando consigo um destacamento de soldados e alguns guardas enviados pelos chefes dos sacerdotes e fariseus, levando tochas, lanternas e armas. Jesus, sabendo tudo o que lhe ia acontecer, saiu e lhes perguntou: “A quem vocês estão procurando?”
“A Jesus de Nazaré”, responderam eles.
“Sou eu”, disse Jesus.”
A narrativa mencionada no trecho está no Evangelho de São João, Capítulo 18 e Versículos do 1 ao 5 e trata do momento conhecido como a prisão de Jesus Cristo no Monte das Oliveiras enquanto orava, tendo plena consciência que chegava o momento do sacrifício.
Recentemente as mídias ituanas divulgaram a retomada de uma antiga tradição, não realizada na cidade há mais de um século, a Procissão de Fogaréu. Tal procissão tem como ponto de partida a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Também conhecida como Procissão da Prisão ou das Endoenças, tal manifestação da cultura e fé católica é uma referência ao momento em que Jesus Cristo é preso pelos soldados romanos ao ser traído por um de seus discípulos, o Judas Iscariotes.
Tal evento, até os dias de hoje, é um dos principais atrativos de fé e turístico na Cidade de Goiás (reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO), até o ano de 1937 capital do estado de Goiás antes de Goiânia ser projetada para tal finalidade, recebendo milhares de turistas e religiosos que buscam o contato com a reflexão acerca do significado da prisão de Cristo, o mártir da salvação para seus seguidores. O evento acontece durante a programação da Semana Santa que, para o cristão católico, é a Semana Maior, ou seja, a semana mais importante do ano, lembrada como o período em que Cristo foi preso, julgado, crucificado e, após três dias de morte, ressuscitado.
A Procissão de Fogaréu, sendo de origem da Península Ibérica, chegando ao Brasil durante o período colonial, tem sua realização possivelmente pelo menos desde o século XVII. Durante o período de domínio europeu no Brasil, foram fundadas diversas Irmandades, sendo estas importantes para o estabelecimento de datas religiosas, disseminação do cristianismo de devoções religiosas.
Antes do Fogaréu tomar corpo, era realizada a Procissão das Endoenças “realizada pela Irmandade da Misericórdia (que chegou ao Brasil em 1549, em Salvador)” (Caes, 2019, p.67). Endoenças provém de Indulgências, ou seja, uma penitência e, para a procissão, “vestiam as roupas que hoje são características dos farricocos (o traje rústico que cobre todo o corpo e o chapéu que cobre o rosto em forma de cone), […] sendo identificados como penitentes” (Caes, 2019, p.68).
As primeiras referências sobre a Procissão de Fogaréu remete às Bahia, no começo do século XVII e realizada pela Irmandade da Misericórdia. Entre os séculos XVII e XVIII, Recife, Ouro Preto e Rio de Janeiro também foram palco para tal celebração. Há de se levar em consideração que boa parte do calendário cultural durante o período colonial no Brasil estava associado ao calendário religioso da Igreja Católica.
Se em um primeiro momento os farricocos representavam aqueles que pagariam alguma indulgência por serem pecadores, com a transformação em Procissão de Fogaréu as mesmas vestimentas passam a representar os soldados romanos que prendem Jesus após indicações de Judas, porém o simbolismo do pecado em não reconhecer o Cristo como enviado por Deus, ou o Filho Dele, permanece, dando a sensação de que soldados e povo carregam a culpa pela crucificação da segunda pessoa da Santíssima Trindade, sendo, portanto, ainda penitentes.
Na obra “A Paixão Segundo Itu”, o historiador Luís Roberto de Francisco menciona de alguns registros da Procissão de Fogaréu na cidade: “em 1866, quando foi pregador Mons. Francisco de Paula Rodrigues; 1876; em 1878, cabendo o sermão da Prisão ao ituano Cônego Ezechias Galvão da Fontoura; em 1880, ao Pe. Joaquim Cortez.” (de Francisco, 2005, p.98). O autor menciona o fato de um determinado jornal lamentar a não ocorrência da procissão nos primeiros anos da década de 1890.
A retomada da realização de tal evento pode ser considerado um marco, tanto para religiosos que buscam o contato com o Sagrado como para o impulso do turismo através da manutenção de um importante elemento da tradição cultural e religiosa, não somente ituana mas presente em diversas outras localidades do país. Para Itu (quiçá região) tal manifestação cultural enriquece ainda mais a Semana Santa, aquece os ânimos para uma determinada tradição e, com toda certeza, tem potencial para o impulso do turismo na cidade.