Meu neto, de onze anos, fez a primeira comunhão domingo passado.
Lembrei da minha própria e vim dividir novamente com vocês, minha experiência.
Aos meus oito anos de idade, minha irmã de dez, iniciou a catequese para a primeira comunhão.
Dio mio, como isso era interessante. Como saber detalhes do que se via e se ouvia na missa era bom. E eu, ia a todas as aulas com ela. Tempo do cônego Ivo, igreja de São Benedito, na Vila Nova.
Naquele tempo, só se fazia a catequese aos dez anos de idade. Acompanhei todas as aulas, pequenina que era, em idade e em tamanho, participava ativamente de todo o proposto. A maior obrigação que tínhamos era de que participássemos da missa das crianças, que acontecia aos sábados, 17 horas. Não era obrigação. Era gosto mesmo.
Como aquilo de “trabalhe no que gosta de fazer e nunca terá de trabalhar, em toda a sua vida”. Era bem isso. Era um prazer sem tamanho estar ali, assistir e participar da missa, ler as cartas; “Primeira Carta, do apóstolo Paulo, aos tessalonicenses” e eu queria ter conhecido Paulo, só porque ele escrevia e escrevia cartas; tocar violão, que era função principal da minha irmã, até porque o violão era dela, mas como toda boa irmã mais velha, de vez em quando me permitia. E eu exultava ao fazê-lo.
A catequista, Alice Santinon, que por certo catequizou muita gente que conhecemos e com quem convivemos, cuidava de tudo, como se cuidasse na igreja, dos filhos que não teve.
Era a representante da figura do cônego, a nos ensinar o que precisávamos saber antes de receber a primeira comunhão.
“Primeira comunhão, primeira comunhão, é ter a alma no céu e Jesus no coração.” Cantávamos sempre e difícil que alguém esqueça.
Quase no final das aulas, por decisão da Alice, depois de eu ter vivido tudo junto aos alunos, ela resolveu conversar com o cônego e pedir que permitisse que eu recebesse junto com todos, a primeira comunhão. Ele autorizou. Eu me senti importante. Sempre gostei de ser pequenina e não nego que depois de feita a primeira, ficava feliz a cada vez que alguém queria me tirar da fila ao dizer que eu ainda não havia feito catequese, portanto não poderia estar ali. Era muito orgulho ao dizer: Já fiz sim! Eu posso comungar. E devotava verdadeira paixão ao me ajoelhar restrita e rezar, esperando que se dissolvesse a hóstia, que eu nunca nem de leve, pensei em morder.
Ao final das aulas, pouco antes da missa do dia especial, teríamos que nos confessar. Gente! Pintaram o diabo em minha vida com essa história de confissão. Nunca que eu queria colocar em palavras meu único pecado. Ao menos o único que me fizeram crer ser pecado. Minha irmã dizia que eu tinha que contar e eu dizia: Mas não quero e não vou. Com toda a firmeza que uma criança de oito anos, apavorada, poderia ter. Imaginem o tamanho do monstro que me acompanhava dia e noite. Ele era enorme e severo. Eu acreditava mesmo que ele iria me devorar. Chegou o fatídico sábado, 9 da manhã e lá vamos nós, andar poucos passos, subir as escadas e enfrentar meu demônio. Chegou minha hora, entrei, olhei para o cônego Ivo, aquele olhar cheio de bondade e desandei a chorar.
Ele perguntou por que eu chorava, disse que era por não querer contar meu pecado.
Ali, na sacristia, eu e ele. Imagine-se dentro da igreja, esteja à esquerda e olhe a portinha ao lado do altar, exatamente lá estávamos. Não havia nem um confessionário a me dar guarida. Era olho no olho. Me olhou de novo, creio que sem saber mesmo como agir, me abençoou, me disse para rezar nem sei quantos pais nosso e aves maria, me tocou a testa e me disse que poderia ir.
Libertação. Foi o que senti. E depois daquilo, nunca mais achei que deveria contar ou dizer nada que não quisesse, a quem quer que fosse. Ainda ajo assim.
E no dia de hoje, recebi a visita da querida Alice, que no alto dos seus mais de oitenta anos, não sei se lembra-se do acontecido, quase garanto que sim. Mas lembra da aluninha, pequenina, que queria fazer a primeira comunhão.
O pecado? Besta, besta, besta, mas vocês não saberão qual é!
Alice, agradeço o tanto me ensinar e o ir me visitar quando em vez.