Hoje quero prestar uma singela homenagem ao saudoso Adoniran Barbosa. Em 22 de novembro deste ano completarão 42 anos da sua morte.
Cantor, compositor, ator e humorista Adoniran Barbosa tornou-se um grande cronista musical da vida da capital paulistana, principalmente das camadas populares e dos bairros com famílias de imigrantes italianos.
Exímio observador, contava histórias típicas do cotidiano de São Paulo como ninguém, apropriando-se da linguagem popular dos cidadãos paulistanos e retratando seus tipos, costumes, dramas e alegrias, sempre com humor e pitadas de crítica social, sobre uma cidade que -apesar de próspera- escondia as mazelas da exclusão social.
Adoniran fez inúmeros sucessos, mas eu gostaria de ressaltar uma música que mostra exatamente o cotidiano dessa gente simples. A música se chama: ‘Vide Verso Meu Endereço’
“Venho por meio destas mal traçadas linhas
comunicar-lhe que eu fiz um samba pra você.
No qual eu quero expressar toda a minha gratidão
e agradecer de coração
por tudo que você me fez.
E com o dinheiro que um dia você me deu
comprei uma cadeira lá na Praça da Bandeira.
Ali, vou me defendendo,
pegando firme, dá pra tirar mais de 1000 por mês.
Casei, comprei uma casinha lá no Ermelindo.
Tenho três filhos lindos,
Dois são meu, um é de criação.
Eu tinha mais coisas pra lhe contar,
mas vou deixar pra uma outra ocasião.
Não repare a letra.
A letra é da minha mulher,
vide verso meu endereço apareça quando quiser…”
O sociólogo e crítico de literatura Antônio Cândido conseguiu com suas palavras descrever na íntegra o que foi Adoniran Barbosa:
Adoniran é um paulista de ferno, que exprime a sua terra com a força da imaginação, alimentada pelas heranças necessárias de forer (a observação de que as pessoas julgam exageradamente corretas as avaliações de suas personalidades que supostamente são feitas para elas) da mistura que é o sal de nossa terra. Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira em que as melhores cadências de samba e da canção, alimentada inclusive pelo terreno fértil das escolas, se alia com naturalidade às deformações normais do português-brasileiro, lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado com o encanto insinuante de sua anti voz rouca. Com o chapeuzinho de aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta de outros tempos, ele é a voz da cidade. Talvez a borboleta seja mágica. Talvez seja a mariposa que se senta nos pratos das lâmpadas e se transformou nas carnes notórias das mulheres perdidas. Talvez João Rubinato não exista, porque quem existe é Adoniran Barbosa, o mágico vindo dos carreadores de café para inventar no plano da arte a permanência de sua cidade e depois fugir com ela e conosco para a terra da poesia com o apito fantasmal do trenzinho perdido da cantareira…
Antônio Cândido / 1975