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Advogada comemora conquistas de portadores de doenças raras

A advogada saltense Graziela Costa Leite comemora as conquistas alcançadas por portadores de doenças raras, que são fruto da sua luta na Justiça, em busca de medicamentos que custam milhões de reais e que podem significar salvar a vida, sobretudo, de crianças.

Ela se notabilizou em todo o território nacional por empreender essa jornada. A inspiração foi do filho, cujo diagnóstico praticamente o condenava a viver em uma cadeira de rodas, ligado a aparelhos, mas que, com o tratamento adequado, hoje pode levar uma vida normal.

O ativismo da advogada abriu precedentes para a entrada de novos medicamentos no Brasil com o apoio de deputados e já criou um novo cenário nessa área, que ela comemora, mas que afirma que ainda há muito a buscar e a conquistar.

Em entrevista ao jornal PRIMEIRAFEIRA, Graziela Costa Leite fala ainda sobre como essa sua notoriedade também a levou para a política, tendo sido candidata à vice-prefeita e à deputada estadual nas duas últimas eleições e que ela afirma: foram só o começo.

 

Por que a senhora escolheu trabalhar com a advocacia ligada ao tratamento de doenças raras?

Graziela Costa Leite: Meu ingresso na advocacia se deu por conta do meu filho (que possui Atrofia Muscular Espinhal, AME), mas eu já trabalhava na área desde meus 19 anos, com pessoas com deficiência. Eu trabalhei no Centro de Desenvolvimento do Portador de Deficiência Mental de Itu, um hospital de internação para pessoas com deficiência física e mental, em que o Estado assumia a tutela porque, na maioria das vezes, eram abandonadas. Depois, passei pelo Conselho Tutelar. Passei pelas Prefeituras de Indaiatuba e de Salto, em ambas no setor jurídico. Concomitantemente estava exercendo a advocacia e meu primeiro caso foi para conseguir um oxímetro para uma criança que tinha cirrose criptogênica. Na sentença, a juíza me parabenizou pelo trabalho exercido e isso me motivou a me dedicar a essa área. Trabalhei com a primeira infância e depois com a causa autista, e então veio o diagnóstico do meu filho. O prognóstico era que ele pararia de respirar naturalmente e precisaria viver com o auxílio de uma máquina mecânica. Estaria em uma cadeira de rodas sem conseguir andar também. A previsão era de que aos 10 anos ele estaria todo deformado. Eu e meu marido montamos uma força-tarefa para custear o tratamento dele, que não tinha por aqui, uma vez que o convênio se negava a fornecer. Iniciei uma luta contra o convênio e também junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nós precisávamos dos medicamentos que, à época, custavam milhões de reais. Então, meu intuito foi mobilizar a sociedade. Conseguimos mobilizar a Mara Gabrili, Romário e outros deputados (ligados a causas como essa) e, juntos, mudamos o protocolo da Anvisa para que os medicamentos para doenças raras tivessem aprovação acelerada. Nisso, o Spinraza foi o primeiro medicamento para AME a entrar no Brasil. Hoje nós estamos trazendo jurisprudência, mudando o judiciário brasileiro e trazendo entendimento. Não é o individual onerando o coletivo, já que o papel principal da sociedade é a preservação da vida. Se você comete um assassinato, você vai responder por ele. Mas o Poder Público comete assassinatos todos os dias quando não oferece tratamento de saúde adequado.

 

O que mudou na legislação brasileira para doenças raras desde as primeiras conquistas via judicial?

Graziela Costa Leite: Mudou muito, mas mudou o mínimo. Mudou muito em relação à legislação e aos entendimentos dos planos de saúde. Começou a ter uma cobrança maior dos gestores e dos políticos frente aos planos de saúde. Nos últimos dez anos houve um ativismo tanto do judiciário quanto do meio político em relação às cobranças. O sistema de busca por medicamentos milionários fez com que algumas brigas na justiça, como pelo uso de cannabidiol para pacientes que são epiléticos, fizesse todo o sentido. O cannabidiol custa R$ 2 mil por mês, mas outros custam R$ 80 mil por mês. Tem medicamento para o tratamento da AME que custa R$ 8 milhões ao mês. É muito dinheiro. E é por isso que muitas famílias fazem as chamadas vaquinhas, pedem doações, porque ninguém acredita que os governos irão conceder. Apenas o meu escritório conseguiu o equivalente a R$ 600 milhões em medicamentos em brigas judiciais. Muitas das crianças que recebem esses tratamentos têm o cognitivo preservado e elas podem vir a se tornar possíveis astrofísicos, matemáticos etc.

 

Em que ponto a legislação para esses casos é considerada falha?

Graziela Costa Leite: O maior problema é ter uma medicação em que o governo estabelece parâmetros, através de órgão técnico consultivo, como um medicamento que só pode ser utilizado por crianças de até seis meses que dependam de ventilação mecânica por até 16 horas. Porém, não é comum diagnosticar uma criança antes dos seis meses, porque na maioria das vezes os primeiros sintomas são de bronquite ou pneumonia. A criança só vai ter seus primeiros movimentos motores após os seis meses. Temos uma Lei de 2021, do teste do pezinho ampliado, que ainda não foi aplicada. Governo e federação não querem assumir essa responsabilidade, porque é muito caro. Custaria cerca de R$ 3 mil por criança. Dessa forma, não conseguimos ter o diagnóstico precoce.

 

A liberação de medicamentos à base de cannabidiol, assinada pelo governador Tarcísio de Freitas, abre precedentes para a liberação de novos medicamentos para tratamento de doenças raras?

Graziela Costa Leite: Acho que abre precedentes para novas concessões. Envolve muito mais que simplesmente só o medicamento e o paciente. Há uma questão social e política muito forte e até mesmo mercantil. Porque o Brasil tem um solo muito forte e pode se tornar fornecedor da matéria-prima do cannabidiol. Acho que é uma possibilidade gigantesca de ganhos financeiros também. Temos uma indústria farmacêutica que quer produzir aqui no Brasil.

 

Os avanços recentes na legislação têm facilitado o entendimento de juízes numa decisão sobre medicamentos de altíssimo custo para doenças raras?

Graziela Costa Leite: Ainda é muito difícil. Depende muito da região, dos juízes, do entendimento de causas. Temos juízes contemporâneos que vêm se aprofundando e estudando teses para garantir a devida constituição. Mas há também juízes resistentes e conservadores que acham que o dinheiro público pertence a ele e não acredita que custear um medicamento de R$ 8 milhões a uma criança fará com que ela venha a ser melhor que a coletividade. Mas o sentido não é esse e sim que todos são iguais. Estamos num momento de crescimento, mas precisamos de mais.

 

A senhora também é a fundadora do Instituto Maat. Fale um pouco sobre o que é esse projeto?

Graziela Costa Leite: O Instituo Maat é um instituto social, que trabalha com crianças, adolescentes, mulheres e pessoas com deficiência. Oferecemos qualificação profissional, arte, balé. O Projeto Sementinha, que é da minha irmã Giovanna Martins, o qual leva o atletismo para as periferias. Temos algumas empresas parceiras e que o projeto conta com a participação voluntária. Mas agora queremos expandi-lo. Este ano completamos dois anos de atuação e quero potencializar o empoderamento de mulheres, crianças e jovens periféricos através de projetos sociais. Em breve teremos um novo projeto de inserção no mercado de trabalho para mulheres que vivem na periferia.

 

A senhora foi candidata à deputada estadual e não se elegeu. Aliás, nenhum candidato local se elegeu. Por que Salto tem tanta dificuldade em eleger um deputado?

Graziela Costa Leite: Primeiro, a cidade precisa aprender a valorizar o que ela tem: seus candidatos, seus cidadãos e cidadãs. Temos bons políticos, mas temos políticos ruins também, como em qualquer cidade. Acredito que a união da população para a escolha de um candidato não é um sistema democrático. É difícil falar que vamos eleger apenas um candidato para ser nosso representante. A política mudou muito. Salto precisa se emancipar politicamente. Precisamos investir na nossa política. É preciso mais transparência nas ações públicas da nossa cidade para que a população tenha interesse em participar. Salto precisa assumir seu papel, o seu protagonismo. É preciso eleger um deputado que tenha um pensamento voltado para nossa cidade. As pessoas votam hoje em personalidades, em pautas. Então precisamos definir nossas pautas e, de repente, ter candidatos que façam um trabalho no Estado todo. Não vejo, hoje, a possibilidade de Salto eleger um deputado, mas no futuro podemos sim ter um deputado.

 

A senhora saiu candidata à vice-prefeita antes, em 2020. Como foi essa primeira participação na política?

Graziela Costa Leite: Decidi por essa minha primeira participação no processo político por não haver representatividade feminina na eleição de 2020. Meu pai (o ex-vereador e bombeiro Gilvan Rodrigues da Costa, do PR, depois PL) teve uma trajetória política por aqui. Então, desde criança, convivo com a política em casa. Dessa forma, quando veio o convite do Partido dos Trabalhadores (PT) para estar representando as mulheres num pleito, no qual fui candidata à vice, tive uma resistência de início, por estar no início de um processo gestacional. Mas acabei tendo um aborto involuntário. Aí aceitei o convite. Não imaginava que Salto passasse por um momento tão difícil, afinal eram dois mandatos consecutivos sem eleição feminina e me dei conta de que a cidade estava num momento de desigualdade. Políticas públicas voltadas para os vulneráveis não estavam chegando e, com isso, é como se a cidade vivesse seus extremos. Foi uma experiência incrível, mas muito difícil, pois fui perseguida, ameaçada. E na candidatura para deputada foi pior ainda.

 

E como foi essa segunda candidatura?

Graziela Costa Leite: Para que pudesse ser candidata, teria de ser presidente de um partido, caso contrário nem seria candidata, já que não sou o perfil de política que seria a escolha dos grupos políticos existentes na cidade. Talvez seja algo cultural. E será que um dia irá mudar se tivermos uma mulher preta, de representatividade, de autonomia financeira, que não dependa da política? Isso pode ser um cenário assustador para alguns. Tornei-me presidente do PSD e o partido me deu apoio, porque viu vocação e a oportunidade de uma candidatura nova e diferenciada no cenário político do Estado. Tive uma votação expressiva por ter feito uma campanha solitária, mas servirá como impulsionamento, motivação e também como forma de fomentar a participação das mulheres na política. Vejo que é uma necessidade social, da comunidade. Alguém precisa estar aí para fazer a diferença.

 

Por que a senhora acha que tem sido tão difícil a eleição de mulheres na cidade?

Graziela Costa Leite: Mesmo estando num partido de esquerda, não senti espaço para as mulheres. Elas não foram eleitas, pois ainda impera na cidade uma política machista, de proteção ao homem, e conservadora, que não está acompanhando o desenvolvimento mundial. Salto precisa começar a construir bases políticas para enfrentamentos de uma sociedade comum.

 

A senhora acredita que isso deva mudar até a próxima eleição em 2024?

Graziela Costa Leite: Não acho que dará tempo para isso. Mas tudo é uma construção. Temos uma juventude muito potente que dará um futuro para Salto muito melhor. Podemos estar mudando a cidade, afinal ela se constrói de pessoas. Salto precisa evoluir. Como pode uma cidade de 140 mil habitantes, segundo a prévia do Censo do IBGE, não ter um shopping center? Isso não atrapalha o comércio. Pelo contrário, otimiza. Mas não é apenas isso. Coisas simples como não ter um banheiro nas praças públicas, um bebedouro de água. Isso é humanizar os espaços públicos. Não dá para economizar no serviço público. E o político serve para isso, para estar na linha de frente e representar a população.

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