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Cachaça que leva o nome de Salto impulsiona uma nova rota turística na região

Empresário Tiago Matiuzzi adquiriu a propriedade da cachaça eu batizou de Moutonnée e sonha em utilizá-la para impulsionar visitas à cidade de interessados no seu consumo e na sua divulgação

Típico produto brasileiro, a cachaça sempre foi uma queridinha do país, embora nunca tenha sido unanimidade. Porém, essa tendência tem mudado nos últimos anos com o que pode ser chamado de “gourmetização” da cachaça, que deixou de ser apenas uma bebida de alto teor alcoólico com a qual muitas pessoas se embriagavam no passado. “Quando se pensa em cachaça, logo vem à mente pessoas embriagadas, uma imagem que perdurou por anos pelo fato de ser uma bebida barata. Com esse ‘up’, o que se busca é uma experiência e não encher a cara”, explicou ao PRIMEIRAFEIRA o proprietário do Museu da Cachaça, Tiago Matiuzzi.
Além de proprietário de um estabelecimento cujo carro-chefe é a cachaça, ele também quer fomentar o turismo na região, tendo como plano de fundo a cachaça e a tradição caipira, remetendo às origens da cachaça no interior paulista. “É uma forma de as pessoas conhecerem o turismo rural em nossa região. Todas as pessoas com quem converso sobre o evento não sabem onde fica a cidade de Salto. Pelo menos nessa forma de turismo, com um roteiro sobre a cachaça, Salto está ficando conhecida no mapa”.
Em entrevista ao PRIMEIRAFEIRA, ele falou sobre os planos de transformar a cachaça num dos símbolos da cidade, ainda mais com o rótulo que leva o nome de um dos patrimônios de Salto, no caso, a Cachaça Moutonnée, além das formas de fomentar o turismo na região e de como consumir cachaça hoje é diferente. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Como Salto e a Cachaça Moutonnée cruzaram o mesmo caminho?
Tiago Matiuzzi:
Quando eu comprei o Museu da Cachaça, os antigos proprietários estavam experimentando um tipo de cachaça para ver se teria mercado. Era uma fase de elaboração de rótulo e tipo de bebida. A Cachaça Moutonnée é um blend das madeiras carvalho e bálsamo (essa combinação da constituição de barris para a produção da bebida é novidade). No Brasil existe uma comercialização muito distinta de sabores de cachaça em função dos barris onde são produzidas. No Nordeste, a predominância é a cachaça branca; em Minas Gerais até o começo de São Paulo é a cachaça produzida em barris de bálsamo e amburana; de São Paulo até o Sul, as madeiras mais utilizadas são a amburana e o carvalho. Os proprietários da Cachaça Moutonnée já conheciam bem o bálsamo, utilizado na produção da Cachaça Peladinha, também adquirida pelo Museu da Cachaça, enquanto o carvalho é muito utilizado na nossa região. E disso surgiu o blend da Cachaça Moutonnée, cujo nome é para fazer referência à nossa cidade, já que a propriedade dela está aqui. Apesar disso, a produção da cachaça é feita integralmente em Salinhas, Minas Gerais, onde a família do Ildeu Cruz, que era o proprietário antes, possui um alambique.

E como surgiu o Museu da Cachaça?
Tiago Matiuzzi:
Tinham alguns amigos que se reuniam, junto de meu pai (Vitório Matiuzzi), na casa deles, para comer e ainda beber cachaça. Porém, as respectivas esposas não gostavam dessas reuniões e pediam para que eles arranjassem outro local para essas confraternizações. Eles então tiveram essa ideia de montar o espaço. O Ildeu Cruz já era proprietário do terreno e conversou com o meu pai e o Sérgio Hissamu para montar uma distribuidora de cachaça e nesse meio tempo decidiram criar uma cozinha para que pudessem fazer o encontro entre amigos. A coleção de cachaça é algo tradicional em Salinas (MG), de onde veio o Ildeu, e como ele já tinha uma coleção grande, assim como meu pai, juntaram para o espaço.

E como você, um advogado, entrou nesse negócio?
Tiago Matiuzzi:
Os dois amigos do meu pai tocaram o negócio até 2021, quando se aposentaram e decidiram que não queriam mais continuar. Eles queriam parar pelo fato de ser algo desgastante e exigir trabalho noturno, algo um pouco diferente do que faço atualmente. Quando eles falaram que iriam parar, eu decidi comprar para manter o sonho do meu pai. O Museu da Cachaça deveria ter sido inaugurado no final de 2017, mas pouco antes disso meu pai descobriu um câncer, que se agravou, e ele veio a falecer em janeiro de 2018 em função disso. Ele não viu a inauguração e não curtiu o começo do negócio. Meu pai sempre teve uma paixão muito grande pela cachaça e pela cidade de Salto. Larguei minha vida passada como advogado por praticamente 15 anos e vim para cá. Comprei algumas marcas de cachaça e iniciei uma remodelação no espaço. Optei por algo mais rústico, no estilo caipira, e mantive a história. Quis agregar um ambiente mais familiar ao bar e criei a “Expedição da cachaça”.

O que é a “Expedição da cachaça”?
Tiago Matiuzzi:
É um roteiro em que as pessoas passam um dia inteiro aqui. Eu conto a história do Museu da Cachaça Moutonnée de forma detalhada e vamos em uma van até a Fazenda do Chocolate, em Itu, para um café da manhã. Em sequência vamos até o alambique Vilela, em Cabreúva, onde falo sobre a produção da cachaça, explicando a produção e seguindo logo depois para uma visita pela fábrica, que funciona de uma forma bastante tradicional, com caldeira a vapor, por exemplo. Logo após, voltamos para o Museu da Cachaça, onde é servida uma feijoada com caipirinha, algo bem tradicional como a história do surgimento da cachaça. Após isso, temos uma degustação em que ensino como consumir a cachaça, explicando as diferenças, e fazemos o encerramento com a distribuição de brindes e um café da tarde caipira, com um bolo de fubá e curau.

Além de divulgar a cachaça, o que se objetiva com essa expedição?
Tiago Matiuzzi:
É uma forma de as pessoas conhecerem o turismo rural em nossa região. Todas as pessoas com quem converso sobre o evento não sabem onde fica a cidade de Salto, 100% delas. Pelo menos nessa forma de turismo, com um roteiro sobre cachaça, Salto está ficando conhecida no mapa. Minha ideia é fazer com que esse movimento cresça e aumente a visibilidade também para quem é da cidade. Quando eu era jovem, sentia que Salto era uma cidade pequena demais, uma sombra de Itu, que acabou crescendo e voltou a estagnar-se agora. O Turismo nunca foi para frente aqui, porque não tem circulação de pessoas e até mesmo os eventos que acontecem na cidade sofrem com a falta de divulgação. Talvez os mecanismos utilizados antigamente para divulgação não surtam tanto efeito hoje.

Na sua opinião o saltense não valoriza seus próprios produtos?
Tiago Matiuzzi:
Todos falam isso. Mas eu tenho uma visão um pouco diferente. O saltense não sabe o que tem. Antigamente poderia até ser uma verdade não valorizar, porque Salto era uma cidade com poucas atrações, mas hoje não. Existe uma infinidade de coisas para se fazer. Não podemos mais depender do boca a boca para conhecer o que temos. Eu sei das atrações pelas pessoas quem vem até o Museu da Cachaça e me falam, porque eu mesmo não vejo divulgação. Estamos num momento de redescobrimento sobre como atingir as pessoas a respeito dessa divulgação e isso precisa ser feito.

O interior de São Paulo pode ser visto como uma potência na produção de cachaça atualmente?
Tiago Matiuzzi:
Essa imagem de Salinas, por exemplo, foi construída durante anos. Minas Gerais é uma região com pouca chuva ao longo do ano, então, sobretudo nessa região, é possível ter um controle de quanto a cana de açúcar vai receber de água e por isso, conseguem dosar a quantidade de açúcar na cana. Mas a terra da nossa região também é muito boa para a produção de cachaça, com técnicas utilizadas em todo o país, seja no Nordeste, no Rio de Janeiro ou mesmo no Sul do Brasil. O Brasil todo tem cachaças de extrema qualidade e São Paulo não é diferente. A qualidade varia muito da terra utilizada para a plantação da cana e nossa terra é muito boa. Temos cachaças da região que estão sendo premiadas mundialmente.

Assim como o vinho ou a cerveja, a cachaça também tem formas específicas de ser servida?
Tiago Matiuzzi:
Ela é um pouco mais rústica ao ser servida, mas sua avaliação é similar à do vinho. Para uma degustação, é preciso girá-la no copo e ver se está licorosa ou não. Se ela segura na parede do copo, se há aroma da fermentação ou se está passando do ponto. Temos de molhar o dedo e colocar na gengiva. É a ativação das papilas gustativa. São algumas análises sensoriais que são feitas. A cachaça gourmetizou bastante nos últimos dez anos. Hoje são cachaças com tonalidades diferentes, envelhecimentos distintos ou sabores específicos. Algumas cachaças, depois de algum tempo envelhecendo, possuem um retro gosto que lembra o mel, sem qualquer tipo de adição de outros produtos. Se colocar qualquer coisa no meio, já não pode mais ser chamada de cachaça. É exigida uma padronização muito grande da cachaça. Antigamente você virava uma garrafa de cachaça e ela estava toda suja, enquanto hoje não pode ter uma impureza sequer.

Com essa gourmetização, mudou a visão que existia sobre a cachaça ao longo do tempo?
Tiago Matiuzzi:
Porque quando se pensa em cachaça, logo vem à mente pessoas embriagadas, uma imagem que perdurou por anos pelo fato de ser uma bebida barata. Com esse “up” e a combinação que ela proporciona com algumas comidas, especialmente a comida caipira, o que se busca é uma experiência e não encher a cara.

Qual a melhor harmonização que a Cachaça Moutonnée permite?
Tiago Matiuzzi:
Como ela é um blend de carvalho e bálsamo, vai combinar bastante com comida caipira, como, por exemplo, o baião de dois, moqueca ou feijoada. Além disso, ela vai bem com peixe e frango. Quem vem aqui sem ter um gosto por cachaça ou não sabe beber, nós direcionamos pela cerveja que a pessoa aprecia. Se a pessoa gosta de algo com amargor e mais presença de sabor, eu a direciono para uma cachaça envelhecida em carvalho europeu ou americano. Já se a pessoa gosta de uma cerveja mais fraca, das cachaças envelhecidas, a amburana seria a que mais combina, já que é uma das mais suaves. E quem não gosta de beber nada nesse sentido, oferecemos alguns licores, inclusive o licor de cachaça.

Como você pretende consolidar a marca da Cachaça Moutonnée?
Tiago Matiuzzi:
Eu pretendo continuar com o plano do meu pai de o Museu ser em um lugar mais afastado para ser diferente dos outros e não ser apenas mais um. E, com a ajuda da mídia, quero que as pessoas entendam que o propósito do museu é proporcionar experiências boas relacionadas à nossa cidade e nesse meio estar colocando a frente a cachaça. Quero valorizar o país e a cidade, já que a cachaça surgiu aqui na região. Vamos fazer as pessoas enxergarem que temos coisas boas para se fazer em Salto.

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