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Especialista diz que cidades terão de conviver com variações climáticas como a de sexta, 3

Desequilíbrio do clima é provocado principalmente pela poluição e o seu combate exige ações de grandes poluidores, como os Estados Unidos, que não estão dispostos a agir nessa direção

Adaptação, é essa será a palavra de ordem para todas as cidades nos próximos anos a fim de enfrentar as mudanças climáticas. A partir de agora períodos de estiagem, calor fora do comum, volume de chuva incomum e ventos excessivamente fortes como os que se viu nos últimos meses e, principalmente na sexta-feira (3), deverão ser frequentes. É essa a avaliação do ambientalista Rodolfo Bonafim, especialista em climatologia do Canal Geoastrodicas e da ONG Amigos da Água, que concedeu entrevista ao PRIMEIRAFEIRA.
Para encarar tudo isso, gestores municipais e estaduais não teriam outra coisa a fazer a não ser se adaptar às mudanças climáticas e garantir que as populações não passem por tanto sofrimento. Essa tese também já foi levada por Carlos Augusto Nobre, que foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, na função de relator do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, a ONU.
Bonafim disse que especialistas já previam algumas das situações enfrentadas recentemente ainda no início do século, porém, os gestores da época não deram a devida atenção e não fizeram os investimentos necessários. “Nós da ONG Amigos da Água alertamos, lá em 2002 que haveria uma crise hídrica no Estado de São Paulo. Muitos no chamaram de “ecodoidos”, mas realmente aconteceu em 2014 e 2015. E essa crise ainda não acabou”, disse ele.
Além dos problemas climáticos, o especialista avaliou a situação do Rio Tietê e os projetos de despoluição que o cercam e as possíveis soluções para que ele volte a ser utilizado pela população. Por fim, ele ainda fez uma revelação surpreendente sobre a água que os cidadãos bebem hoje, que assusta e requer providências.
Vejam a íntegra da entrevista abaixo.

As chuvas excessivas logo após períodos de estiagem registrados no início do ano são reflexos das mudanças climáticas?
Rodolfo Bonafim:
Nos últimos 25 anos, pudemos perceber uma irregularidade na distribuição das chuvas. Tem meses que não chove nada e tem meses que chove tudo. Isso é muito ruim para os gestores hídricos e para o planejamento urbano. Ao mesmo tempo que a chuva pode suprir os reservatórios, ela pode vir de forma violenta. Isso tudo está atrelado ao cenário de mudanças climáticas sim. Para se ter uma ideia, há 15 anos, um dos maiores cientistas climáticos do Brasil, Carlos Augusto Nobre, que foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, foi o relator do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, a ONU, e disse que as cidades não teriam outra coisa a fazer a não ser se adaptar às mudanças climáticas, como secas extremas, chuvas excessivas, calor e frio extremos.

Como explicar tamanha variabilidade de temperaturas e de climas, sobretudo para um Brasil que é tão grande territorialmente?
Rodolfo Bonafim:
Tempo são as condições meteorológicas de curto prazo. Já para definir o clima de uma região são necessárias coletas diárias de uma determinada região, de pressão atmosférica, temperatura, velocidade relativa do ar, índice de radiação solar, entre outros, e isso durante 30 anos no mínimo. Nesse período, pode rolar de tudo, desde uma nevasca a um calor extremo numa mesma localidade. Além da variabilidade climática, temos o efeito das mudanças climáticas, que faz uma descompensação. Então, algumas áreas podem ficar muito frias, enquanto outras muito quentes; algumas muito secas, outras muito úmidas. Além disso, estamos enfrentando o fenômeno do El Niño, que segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA, sigla em inglês para Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), que é como se fosse a Nasa da meteorologia, está praticamente chancelando que esse El Niño atual seria um super El Niño. Por isso estamos vendo chuvas demais no Sul e seca no Norte. Só que este ano, o cenário das mudanças climáticas avançou e não é apenas o oceano Pacífico equatorial que está aquecido. Quase todos os oceanos estão com temperaturas acima da média. Um dos casos é o oceano Atlântico. É por isso que a região Sudeste também está sofrendo com chuvas excessivas, como ocorreu em outubro. No Mar Mediterrâneo, que banha a Europa, esse aquecimento do oceano causou um furacão que atingiu a Líbia, um país tradicionalmente seco, mas que, devido ao volume de chuva, registrou danos catastróficos. É bom lembrar que o El Niño é um fenômeno natural, que não é provocado pelo ser humano e tem essas características de variabilidade climática. Só que este é diferente, por exemplo, de 2014, quando ficamos cerca de 45 dias em janeiro sem chuvas, obrigando, por exemplo, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB), a utilizar o “volume morto” do reservatório da Cantareira.

E o que se pode esperar em relação ao clima a curto e médio prazos diante dessas mudanças todas?
Rodolfo Bonafim:
Essas cúpulas climáticas de países ligados à ONU são muito importantes, já que se planeja reduzir as metas de emissão de carbono na atmosfera, porém, o que tem acontecido é muito blá blá blá. Isso se dá, porque os Estados Unidos se omitem em muitas decisões, como, por exemplo, em ter votado a decisão da criação dos corredores humanitários em favor dos palestinos, no conflito entre Israel e o Hamas. Infelizmente os Estados Unidos são o grande vilão dessas mudanças climáticas. A alegação é que a redução de emissão de carbono vai atrasar o desenvolvimento industrial deles, mas a verdade não é essa. Há outros interesses. Infelizmente não vejo um cenário muito otimista para o mundo nos próximos cinco ou dez anos. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente previu lá em 2000 que o ano de 2025 seria um ano muito crítico para o abastecimento de água em todo o mundo. De 2000 para cá, essas mudanças climáticas mudaram muito e não houve preocupação em frear o aquecimento global. Podemos ter, em breve, quase dois terços da população mundial sem acesso a água potável. Eu não quero ser o “mensageiro da desgraça”, mas nós da ONG Amigos da Água alertamos, lá em 2002, que haveria uma crise hídrica no Estado de São Paulo. Muitos no chamaram de “ecodoidos”, mas realmente aconteceu em 2014 e 2015. Essa crise ainda não acabou. Com um clima louco como esse, tudo pode acontecer.

Como o senhor vê o plano de despoluição do Rio Tietê do governo de São Paulo, que já se arrasta por anos?
Rodolfo Bonafim:
A despoluição é algo factível, mas falta investimento e boa vontade política. O Rio Tietê é um rio sinuoso que foi retificado para a construção das barragens hidrelétricas, especialmente a de Pirapora de Bom Jesus. Essa mudança em sua estrutura, causou graves problemas de poluição e de enchentes. Houve uma diminuição na carga de poluição industrial, é verdade, mas ainda hoje há uma grande carga de poluição sobretudo de esgotos domésticos. Aliás, de fato há muitos anos existe esse projeto de despoluição do Rio Tietê. Desde os anos 1940, na verdade. Ao longo do tempo esses projetos permitiram que o rio fosse utilizado para esporte e para lazer, tanto que grandes clubes da capital paulista foram fundados a partir dos esportes náuticos. Porém, nas décadas seguintes houve um relaxamento e a poluição voltou com tudo. Somente em 2012 a Sabesp retornou com esse projeto de despoluição e surtiu algum efeito, pelo menos até 2015, com uma redução de poluentes, especialmente na Grande São Paulo. Só que tudo aquilo que foi ganho nesse período foi perdido pelo relaxamento dos governantes. Agora, é importante dizer que além da região da Grande São Paulo, as cabeceiras do Rio Tietê também precisam de um cuidado especial.

A poluição no Rio Tietê está concentrada apenas na questão do despejo irregular de esgoto ou tem outras causas?
Rodolfo Bonafim:
Existe um outro problema que acaba passando batido nessa poluição do Rio Tietê e de outros rios, que são os disruptores endócrinos, nanopartículas presentes em antidepressivos e anticoncepcionais, que, quando não absorvidos pelo organismo, saem pelas fezes e pela urina e acabam chegando aos córregos, rios, mangues etc. E as membranas de filtros da Sabesp, não conseguem reter essas partículas. Ou seja, esses resíduos estão aí e, quando ingeridos de volta pelo organismo, se “camuflam” como hormônios naturais, podendo causar uma série de doenças cardiovasculares e cânceres. Isso é um problema muito sério a ser resolvido pela medicina e pelas empresas administradoras das águas. Esses filtros existem, por exemplo, em locais como a África, onde não existe água potável. Porém, eles ainda não foram reproduzidos em larga escala industrial para que todos possam usufruir.

O extravasor da barragem de Pirapora é responsável pela poluição do Rio Tietê em Salto e região hoje?
Rodolfo Bonafim:
Eu concordo com o que dizem alguns ambientalistas da região. Ela solucionou os problemas energéticos, mas trouxe outros, como a poluição. Muitas pessoas acham que usinas hidrelétricas são isentas de impactos ambientais, mas não. Ela não polui o ar, mas causa outros impactos ambientais. Mesmo assim, as soluções são factíveis. O que falta são vontade política e investimentos para resolver os problemas. Algumas cidades estão se unindo para retomar o turismo náutico a partir da despoluição do Rio Tietê e na região de Salto não deveria ser diferente.

A água que os cidadãos bebem tem as condições ideais?
Rodolfo Bonafim:
Às vezes nos perguntam sobre a qualidade de nossa água e eu insisto em falar que tomamos uma água de qualidade duvidosa. Mesmo que a água possa sair potável das estações de tratamento, elas passam por encanamentos velhos e muitas vezes enferrujados. Quando essas tubulações foram implantadas, lá na década de 1960, ninguém previu o crescimento populacional e não houve investimento para isso. Comparando com o corpo humano, temos um coração muito bom, mas nossas artérias estão entupidas. Apenas como curiosidade, existem critérios para classificar se uma água é potável ou não. Os critérios brasileiros fariam com que a nossa água não fosse considerada potável, por exemplo, na Itália. Lá, eles possuem 61 critérios de avaliação de qualidade da água e nós temos apenas 20, por exemplo.

O que é a ONG Amigos da Água, à qual o senhor presta serviços atualmente, e quais os trabalhos realizados?
Rodolfo Bonafim:
Temos uma atuação em todo o Brasil e entendemos que todo o ser humano precisa de água. Nosso objetivo sempre foi formar uma grande rede de amigos, até por isso chamamos “Amigos da Água”, tendo como fator principal a preservação desse bem. Fundamos a ONG numa data estratégica inclusive, no dia 10 de dezembro de 1999, justamente quando é comemorado o Dia Mundial dos Direitos Humanos. Nosso entendimento é que a água é um direito humano, mas ela ainda não está inserida diretamente nos Direitos Humanos. Nossa atuação sempre foi focada em palestras, eventos, workshops e exposições direcionadas a pessoas de todas as idades, embora nosso foco principal sejam as crianças, já que são elas quem educarão os adultos. Começamos com dez membros, mas ao longo dos anos tivemos algumas perdas e hoje somos quatro membros, restritos à diretoria. O presidente e fundador, Miguel Escandón; eu, como vice-presidente; João Tavares Neto, colaborador de Marketing; e José Carlos Heredia, diretor financeiro. Nosso objetivo é multiplicar essa conscientização para a maior parte da população.

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