Cidades

Interligadas

Fazer pelo outro

Domingo, enquanto passava a noite com meu pai, estava de mãos dadas com ele e as admirava.
Praticamente minha vida toda peguei nessas mãos endurecidas pelo trabalho, sempre limpas e escovadas. Mas não é endurecida de leve não, eram realmente mãos rijas, calejadas, absurdamente duras pelo trabalho pesado que fazia.
A família do meu pai morava em Cafelândia e meu avô, Germano Abächerli, era colono numa fazenda de plantação de café. As famílias da zona rural viviam uma vida de muito trabalho e o Rubens, mesmo criança já ia à lavoura, cuidar das suas “carreiras” de café. Colhendo, abanando, colocando a secar as tantas sacas de café que conseguia. Ele e todos os irmãos. Ao caçulinha, que sempre foi sua adoração entre eles, conseguia fazer sua própria tarefa e ainda ajudá-lo a terminar o que as pequenas mãos, menores ainda que as do meu pai, não dava cabo, a tempo.
Gostava de estudar, mas entre trabalho e estudo, com a pretensão de estudar em escola militar para vir a ser piloto da Força Aérea Brasileira (FAB), decidiu por permanecer em casa, após o falecimento da mãe, para ajudar a cuidar do sustento de todos. Perguntei um dia se ele entendia, hoje, que se os deixasse por um tempo, poderia mais tarde cuidá-los ainda melhor e ele só olhou para o horizonte e não me respondeu. Ele também pensou que poderia ter estudado medicina e queria o mesmo para mim.
Vindo para Salto, na década de 60, já casado com minha mãe, foi ser funcionário da Eucatex, por muitos anos. Depois passou a caminhoneiro e ainda trabalhava para a mesma empresa “puxando lenha”, depois ainda transportando telhas e tijolos, e isto foi até quando parou de trabalhar, aos 74 anos de idade.
Podia ter sido jogador de futebol, na década de 70 fez um teste para o Guarani de Campinas e passou, mas como não teria salário suficiente para sustentar mulher e filhos, desistiu do sonho e gosto.
Comprou uma Caloi 10 amarela, quando eu tinha 11 anos de idade, para ele, mas nunca teve tempo de aproveitar dela e então, eu o fiz, com gosto, até cair dela na pista e um caminhão parar literalmente a um triz de me atropelar, e seu irmão caçula, que trabalhava no ponto de táxi, na esquina, contar a ele e minha mãe, depois de me ajudar a levantar e então, eu perder o direito de andar em sua Caloi 10. Ele foi feliz ao comprá-la e eu, a usar. Não demorou muito minha mãe a vendeu ao irmão dela. E meu pai não pode mais mesmo, usufruir da alegria.
Domingo, fazendo carinho naquelas mãos, hoje admirável e incrivelmente macias, macias mesmo, como minhas próprias não são, eu ia lembrando dos tempos de infância, que apanhar daquelas mãos era dolorido demais e imaginando tudo o que aquele corpo poderia ter sido e feito, se pensasse mais em si, que nos outros. E pensando que em todas essas outras funções, ele manteria as mãos fantasticamente macias, que possui hoje.
Tudo na vida é exatamente da maneira que tem que ser. É o que penso mesmo, o de bom e o de ruim. Mas desejo que todos, ao fim da vida, sintam mais alegrias que tristezas, ao rememorar seus dias.

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