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Folia de Reis: Participantes lutam para manter viva a tradição em Salto

Festividade é realizada há mais de 40 anos na cidade; produtores e foliões se esforçam para continuar com as celebrações

 

A Folia de Reis é uma tradição criada pela Igreja Católica, trazida ao Brasil por portugueses e espanhóis no século XIX. O objetivo é homenagear os três reis magos que visitaram e reconheceram a divindade do menino Jesus. Na cultura popular, a celebração começa no dia 24 de dezembro e termina no dia 6 de janeiro, data na qual os reis magos chegaram a Belém para visitar o menino Jesus. Em Salto, a Folia de Reis já possui mais de 40 anos de história, tempo suficiente para se consolidar como uma das principais celebrações religiosas da cidade. E mais que isso, a Folia de Reis ainda leva fé e esperança às famílias por onde passa, além de ajudar os mais necessitados. O produtor cultural Sebastião Ribeiro esteve à frente do evento nos últimos doze anos e contou em entrevista ao jornal PRIMEIRAFEIRA, a importância da Folia de Reis para a cidade e os desafios de manter viva essa tradição.

 

Qual a importância da Folia de Reis?
Sebastião Ribeiro: A maior importância da Folia de Reis, para que tem a fé cristã, é unir várias religiões. Chegamos a nos apresentar em casa de famílias evangélicas que receberam a folia de Santos Reis, pois remetia a lembranças de suas participações quando mais jovem. Também nos apresentamos em entidades espíritas, que nos deram total atenção. Ou seja, é uma tradição da Igreja Católica que une crianças e adultos.

 

Como começou a Folia de Reis em Salto?
Sebastião Ribeiro: A Folia de Reis começou na cidade de Salto com a Companhia Maria e José, no ano de 1979. Nesse decorrer do tempo a folia teve altos e baixos, devido a formação das equipes que saem às ruas. A folia chegou quase a parar. Diante disso e através do projeto Cultura Pura, ao qual desenvolvo, assumi a coordenação da Folia de Reis há 12 anos e fiquei até estourar a pandemia, quando tudo parou de fato. Paramos em virtude de a maioria dos participantes ter uma certa idade, além de algumas crianças. Por termos um grupo grande e por ainda estarmos com certo receio na questão da pandemia, nesse ano os festejos devem ser realizados com um número menor de pessoas, por ser um trabalho de visitação em casas e entidades.

 

Como são as apresentações da Folia de Reis?
Sebastião Ribeiro: A tradição nunca mudou. A Folia de Reis visita as casas e após cada apresentação, a pessoa doa o que quiser e o que puder, seja dinheiro ou alimentos, para que no dia de Reis, possamos fazer a festa com almoço. E o que sobrar de dinheiro é restituído em benfeitorias para a própria Companhia Maria e José, enquanto os alimentos são distribuídos para as famílias carentes ou instituições. Já beneficiamos entidades como o Lar Frederico Ozanam e a Casa de Belém. Também já chegamos a fazer o almoço para quase 500 pessoas, com show musical. Além da tradição, a Folia de Reis tem um trabalho cultural e social.

 

Quantas pessoas formam o grupo?
Sebastião Ribeiro: Com seis músicos já podemos formar o grupo para tocar na Folia de Reis, depois há o bandeireiro, o bastião, que deve haver no mínimo um (a tradição fala em três, justamente para representar os três reis magos), e o mestre.

 

Como é a festa que promovem no Dia de Reis?
Sebastião Ribeiro: No dia da festa é um almoço farto e qualquer pessoa, independentemente se doou ou não pode participar. É só chegar para comer e beber o que tiver disponível. Já chegamos a ter mais de 400 pessoas almoçando ao mesmo tempo. O que sobra dos alimentos doamos para instituições ou famílias mais necessitadas que já vão nos pedindo durante a arrecadação.

 

Qual o sentimento para você ao saber que está levando alimento a pessoas que muitas vezes não tem o que comer?
Sebastião Ribeiro: Até me emociono em falar. Tem pessoas que pedem alimentos no dia da festa para levar para casa… É gratificante saber que seu trabalho pode possibilitar um momento como esse para essas pessoas.

 

A participação dos foliões diminuiu nos últimos anos?
Sebastião Ribeiro: É uma tradição que as famílias gostam muito, especialmente quem vive nas áreas rurais, mas cujo interesse vem diminuindo a cada ano. Acho que se o Poder Público incentivasse um pouco mais, com apoio, melhoraria bastante. Isso por que a companhia é composta por voluntários, dos quais, nos dias em que saímos, há pessoas que por vezes trabalham ou fazem seus ‘bicos’ e acabam não comparecendo às apresentações. Se tivesse um cachê, embora essa não seja a ideia da folia, o músico, por exemplo, teria condições de deixar de se apresentar em algum local e estaria presente nos desfiles da folia. Entre ganhar um dinheiro e não ganhar, as vezes ele acaba preterindo a folia. E isso não é apenas em Salto. É em todo o país.

 

E esse problema de falta de participantes é apenas em Salto?
Sebastião Ribeiro: Não. Para se ter uma ideia, uma pessoa ligada ao grupo Folia de Reis de Itu me procurou dizendo que eles quase não tinham pessoas para participar. Nem mesmo o mestre eles teriam, já que o deles faleceu recentemente. Então nós demos uma força para que eles pudessem retomar e hoje já voltaram a ter o número de pessoas suficiente para tocar o projeto.

 

Acha que falta investimento do Poder Público nessa tradição?
Sebastião Ribeiro: Se o setor cultural ajudasse, daria para se fazer um grupo forte de foliões e poderíamos fazer ainda mais visitas. Recebi pedidos de algumas entidades da cidade pedindo para que levássemos a Folia de Reis para uma apresentação numa entidade assistencial. E é nessa hora que falta apoio do Poder Público. Com recursos, poderíamos nos apresentar todos os dias. Tem quem pode em alguns dias, e quem pode em outros. Não basta formarmos um grupo da Folia de Reis. Precisamos sim que os participantes sejam gratos aos Santos Reis, mas uma verba extra poderia ser útil para que houvesse maior participação.

 

Por que há poucos jovens participando da Folia de Reis?
Sebastião Ribeiro: Os mais jovens não conhecem a tradição. Então, precisamos fazer um trabalho com eles e quero ver se, em breve, consigo reunir algumas crianças para passarmos a eles essa tradição e a importância da Folia de Reis para a comunidade. Além de poderem vir a fazer parte do grupo, também é uma forma de tirar esses jovens das ruas.

 

Há um bairro em Salto em que essa tradição é mais forte?
Sebastião Ribeiro: Um dos bairros que os moradores mais gostam das festividades é o Jardim das Nações. Dá para fazer uma Folia de Reis só no Jardim das Nações, passando de casa em casa, de tantas pessoas que querem participar. Mas o São João, União, Santa Cruz também possuem uma forte ligação, devido muitas pessoas terem vindo do Paraná ou de Minas Gerais, estados em que a Folia de Reis é uma forte tradição. Em 2017 chegamos a visitar 330 casas em diversos bairros, além das entidades. Foi o recorde de um trabalho que fizemos, no qual começávamos às nove da manhã e ficávamos nas ruas até às dez da noite.

 

Como foi, especificamente para o senhor, ter de interromper o festejo por dois anos, por conta da pandemia?
Sebastião Ribeiro: Para todos deve ter sido muito difícil, mas para mim foi mais difícil ainda, porque como sempre estive a frente, correndo atrás da organização, unindo o grupo para treinarmos, atendendo ligações, chegar na data e não conseguir nem sair de casa… Eu precisava pelo menos ouvir as músicas de santos reis.

 

É possível conhecer mais sobre a Folia de Reis em Salto?
Sebastião Ribeiro: Temos no Museu da Cidade um farto material que representa nossa história. É um manequim com todos os acessórios do bastião. Eu ainda devo levar a primeira bandeira, usada na companhia há mais de 40 anos.

 

Quais ações planeja junto da companhia nos próximos anos?
Sebastião Ribeiro: A ideia é reunir grupos da cidade e músicos da região com as músicas da tradição da Folia de Reis para gravarmos um DVD. Será uma forma de angariarmos fundos para nosso projeto.

 

A Folia de Reis, sobretudo em Salto, é realizada juntamente com a Festa da Befana, celebração típica dos italianos. Como começou essa parceria?
Sebastião Ribeiro: A colônia italiana comemora a data como se fosse o Natal e era um sonho deles fazer essa celebração em conjunto com a folia de reis. E deu certo. Vamos manter esse projeto, mas quero expandir também para outras igrejas.

 

E a companhia conta com apoiadores ou arca com os custos conforme o dinheiro que arrecada?
Sebastião Ribeiro: A cada ano tínhamos alguns apoiadores, para não ter de tirar da arrecadação da passagem da bandeira, porque a prioridade do dinheiro arrecadado é a realização da festa. As doações são prioritariamente para isso. Se havia uma grande quantidade de alimentos e um bom dinheiro em caixa, eu comprava alguns novos enfeites, camisetas para os participantes… Com apoio, teríamos o dinheiro integralmente para a festa, e conseguiríamos investir em treinamento e novas vestimentas.

 

Befana

A Befana é uma espécie de bruxa e é um personagem tradicional da cultura italiana que realiza a entrega de presentes às crianças. A entrega acontece no dia 6 de janeiro, dia dos Reis Magos.

Não há um consenso sobre a origem da lenda. Na versão pagã, acreditava-se que no prazo de 12 dias após o solstício de inverno (no Hemisfério Norte) seria celebrado a morte e renascimento da Mãe Natureza. E mais uma vez de acordo com os nossos antepassados, as doze figuras femininas lideradas por Diana, a deusa da lua e da vegetação, voariam sobre os campos para torná-los férteis. A Igreja Católica condenou essas crenças como uma influência diabólica e do mal. E através de misturas das religiões ao longo dos séculos na Idade Média, chegou-se à Befana de hoje, uma velhinha boazinha, mais próxima à imagem de uma bruxa boa.

Já na versão católica, a lenda nasce com a história dos Reis Magos. Durante a viagem a Belém para conhecer o menino Jesus e doar os presentes, eles se perdem na estrada e encontram uma senhora idosa que os ajuda, porém não quis acompanha-los. Depois essa senhora se sentou em culpa por não poder acompanha-los e decidiu levar também um presente a Jesus, mas não encontrando os Magos e nem a manjedoura, decidiu parar em todas as casas para dar doces para todas as crianças.

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