Mirna Bicalho completa nove anos à frente do programa “Lado a Lado’”, que registra semanalmente a história e os personagens dela nas cidades de Salto e Itu, e resiste à concorrência e ao tempo
Acostumada a ser a entrevistadora, a jornalista Mirna Bicalho mudou de lado nesta semana e deixou a bancada do programa de entrevistas, que criou há nove anos e veicula no Youtube e Spotify, para ser a entrevistada do PRIMEIRAFEIRA.
O programa “Lado a Lado com Mirna”, que celebrou no mês de agosto nove anos de existência, foi o assunto principal, mas a jornalista não deixou de falar da sua trajetória e dos fatos que marcaram a sua carreira profissional e a desafiaram nesse tempo.
À frente do primeiro talk show do interior de São Paulo, veiculado no Youtube, Mirna Bicalho também falou sobre as mudanças que ocorreram na internet nos últimos anos e os desafios para conseguir manter o programa em meio a tantas opções disponíveis.
“Sei que tenho um público pequeno, por ser um programa focado nas cidades de Salto e Itu só, com uma comunidade bastante específica, mas não me preocupo se alguém terá mais visualização que eu. A nossa função é registrar as pessoas e as histórias”.
Nesse sentido, entre as entrevistas que deixou de fazer, a que mais lamenta é com o historiador Ettore Liberalesso, que faleceu antes de o programa estrear, mas há outros que ainda estão por aqui, personagens importantes da história, que precisam ser buscados.
Como surgiu o programa “Lado a Lado com Mirna”?
Mirna Bicalho: De 2012 a 2014 eu fiquei afastada do jornalismo, porém, o Romeu (Bicalho, meu marido) notava em mim que eu sentia falta do jornalismo e me propôs continuar exercendo a profissão com um programa no Youtube. Compramos uma câmera e um gravador e foi assim. Convidei três pessoas para os primeiros programas. Os dois primeiros programas que foram ao ar tiveram como convidados a Malu Garcia, minha companheira na TV Convenção, e o doutor Cláudio Terasaka. Em sequência, gravei com o doutor Mário Duarte, diretor da Faditu (Faculdade de Direito de Itu), e depois gravei também com a Priscila Gimenez, minha outra companheira na tevê.
Após mais de 450 programas, você ainda tem facilidade para escolher os entrevistados, já que o foco dele é em Salto e Itu?
Mirna Bicalho: Ah sim, sem dúvida. O Jatosamba, por exemplo, é um grupo musical já antigo e que veio recentemente. Outros exemplos, são duas cantoras ituanas, a Isabelly Tiemy e a Clarinha Teixeira, que devem vir em breve ao programa. Elas são talentos novos que foram surgindo. Sempre há quem entrevistar. Além disso, conto com o apoio de colegas jornalistas que me indicam pessoas que possam ter uma boa história. Mas, eu também tenho de fazer um planejamento para a vinda dos entrevistados, pois não posso trazer toda semana, por exemplo, alguém que está lançando um livro ou conversar apenas com pessoas relacionadas à música. Meu objetivo é tentar abraçar todas as áreas, até para não ser repetitiva. Há alguns casos de pessoas que aparecem mais de uma vez, mas para falar sobre assuntos diferentes. Um desses casos é o professor (historiador e maestro) Luís Roberto de Francisco, que sempre que vem conta algo novo sobre a história; o falecido jornalista Valter Lenzi veio várias vezes; a neuropsicóloga Julyany Gonçalves também e abordando vários assuntos da sua área. Mas, na maioria das vezes, eu procuro trazer pessoas diferentes.
Nesses nove anos de programa, quais histórias mais te marcaram como entrevistadora e como pessoa?
Mirna Bicalho: Poxa, foi tanta gente boa. Gente que faz tantas coisas, tanto em Salto quanto em Itu. Muita gente passou por aqui. Eu lamento não ter tido a oportunidade de entrevistar o historiador Ettore Liberalesso, já que ele faleceu em 2012, dois anos antes que eu iniciasse o programa. É uma pena. Eu busco registrar a cidade e as pessoas que estão ajudando a construi-la. Dentre os que entrevistei, alguns me marcaram bastante, como o professor Antônio Rigolin, que é desembargador hoje. Ele veio no programa logo no comecinho e até se emocionou relembrando o tempo em que trabalhou no Fórum Municipal, quando o Fórum ainda era no prédio em que hoje está o Saae, na Rua Nove de Julho. Teve a professora Maria Angela Mangeon, que trouxe um baita avanço para a educação de Salto e Itu com a criação do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), além de ter trazido vida para uma área que estava abandonada em Salto. Todos os que entrevistei foram importantes, mas lógico que alguns se destacaram um pouco mais.
Como foi para você iniciar uma empreitada no Youtube numa época em que a plataforma não era tão popularizada como hoje?
Mirna Bicalho: No começo tudo era novidade. Agendar e gravar as entrevistas era algo tranquilo para mim. Agora a parte de edição e a postagem eu desconhecia totalmente e precisei aprender. Tudo isso foi na base de tentativa e erro, adquirindo experiências. Eu nasci analógica e com 49 anos começar a fazer edição de vídeos. Foi um aprendizado muito grande, apesar de saber lidar com a internet. Até hoje sou eu quem edita todos os meus programas.
E o quanto você acha que evoluiu como jornalista através do programa e das pessoas que entrevistou?
Mirna Bicalho: O que notei é que as entrevistas, de início eram mais secas, enquanto hoje conduzo-as como um bate-papo, uma conversa. Eu vejo isso como uma evolução. Fui me libertando do jornalismo mais crítico, passando para um jornalismo mais para o lado do entretenimento e do registro histórico.
Como você está se adaptando a essa nova realidade da internet, com tantos podcasts sendo criados?
Mirna Bicalho: Os podcasts viraram uma febre hoje em dia, mas acho que é uma moda passageira. Sabemos que na internet muitas coisas explodem e rapidamente caem em desuso. Eu acredito no trabalho da constância e de ser persistente seguindo as minhas caraterísticas. A frequência é importantíssima para isso. Sei que tenho um público pequeno, por ser um programa focado nas cidades de Salto e Itu só, com uma comunidade bastante específica, mas não me preocupo se alguém terá mais visualização que eu. A minha função, a função do “Lado a Lado com Mirna”, é registrar as pessoas e as histórias. Recentemente entrevistei três pessoas da comissão de divulgação da canonização da Maria de Lourdes Guarda, o que para mim foi especial por mostrar a história de uma pessoa que já morreu, mas fez tanto para a cidade e pode vir a ser a primeira santa deficiente do mundo, se conseguir alcançar esse posto.
Você está se aproximando do programa 500. Algum dia imaginou que pudesse alcançar essa marca?
Mirna Bicalho: Não. Eu simplesmente fui fazendo. E faço porque gosto de fazer os programas, gosto do jornalismo, de valorizar os entrevistados. Muitas pessoas fazem trabalhos lindíssimos, como, por exemplo, numa ONG e nem sempre ela tem o devido reconhecimento. Após ser entrevistada, esse trabalho acaba sendo mais reconhecido pelas outras pessoas.
Quais personagens você lamenta não ter tido a oportunidade de entrevistar, além do historiador Ettore Liberalesso?
Mirna Bicalho: O Ettore foi um dos que realmente lamento muito. Mas dos que ainda tenho a possibilidade de entrevistar e ainda não tive a oportunidade, o escritor Laurentino Gomes é um deles. Infelizmente, hoje ele mora em Portugal e dificulta um pouco. Outra pessoa que tenho vontade de entrevistar é o artista Eduardo Kobra, que está morando em Itu. Talvez, se eu tivesse uma periodicidade maior do programa, eu conseguiria entrevistar mais pessoas, porém, não consigo atender essa demanda com uma vez por semana.
Como você vê a importância do programa “Lado a Lado com Mirna” para a cidade e para a região?
Mirna Bicalho: Se eu quisesse influenciar os rumos da cidade, talvez eu chamasse políticos, mas essa classe não está na minha linha editorial. Eu procuro valorizar quem faz muita coisa boa por aí longe da política. Talvez, o “Lado a Lado com Mirna” tenha mais valor daqui uns anos, quando as pessoas olharem para trás e falarem de um fulano que se destacou posteriormente. Não consigo dimensionar o impacto que o programa causa na cidade hoje. Eu simplesmente faço porque gosto. O Rodrigo Tomba me falou uma vez que o “Lado a Lado com Mirna” foi o primeiro talk show da região na internet. Não podemos ter medo de começar coisas, porque a vida é assim. Às vezes, você começa e dá certo, mas, às vezes, não. No começo eu não sabia se conseguiria editar os programas ou não. Até para escolher o nome fiquei insegura.
Como foi sua trajetória profissional até “Lado a Lado com Mirna”?
Mirna Bicalho: Eu fiz jornalismo na Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) e logo no primeiro ano de faculdade comecei a trabalhar na assessoria de imprensa da Prefeitura de Salto, como estagiária. Eu não ganhava nada, mas para mim foi importante a experiência. Ainda antes de me formar fui para o extinto Cidade Jornal trabalhar como repórter, onde fiquei algum tempo até ir para a assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores de Salto. Passei ainda pelo jornal Periscópio, em Itu, durante uns 4 anos. Fui assessora de imprensa da faculdade Prudente de Moraes e do Colégio Terras, ambos em Itu. Cheguei a montar uma revista com uma amiga, ainda em Itu. Até que retornei para Salto novamente trabalhar na assessoria da Câmara. Foram mais quatro anos na Câmara até iniciar um programa na TV Convenção junto da Malu Garcia e a Priscila Gimenez, que se chamava “Três Damas e um Coringa”. Foi nessa época que tive minhas primeiras experiências com edição de vídeo. Infelizmente, em 2012, a tevê fechou e o programa acabou. Naquela época eu tinha 49 anos e não tinha mais pique para o trabalho diário de jornalista numa redação. Como também sou formada em Direito, resolvi focar no escritório de advocacia do meu marido, Romeu Bicalho.
Você trabalhou como assessora de imprensa em diversos órgãos como falou. Como foi essa experiência longe das redações?
Mirna Bicalho: Quando eu criei a assessoria da Câmara de Vereadores, levei a experiência que tinha tido como estagiária na Prefeitura. Depois montei a assessoria da OAB, quando o Romeu foi o presidente, como uma forma de veicular o trabalho realizado pela entidade. Naquela época (2004) não era um tempo de internet e as redes sociais nem existiam. Eu parei porque cansei, mas, às vezes, ainda faço alguns trabalhos esporádicos. Não posso ter medo.
Como foi e como ainda é conciliar a função de jornalista com a de mãe e esposa no convívio familiar?
Mirna Bicalho: Talvez o conflito maior tenha sido quando meus filhos eram pequenos, porque educar os filhos é uma missão delicada e que exige tempo. Eu sempre que pude fui conciliando as coisas. Quando fui convidada para trabalhar no jornal Periscópio, eu sempre deixei claro que iria apenas na parte da tarde, porque antes eu ficava em casa com os filhos. Era meu tempo com eles. O tempo mais difícil talvez tenha sido quando trabalhei na Câmara, numa época em que as sessões eram às segundas-feiras a partir das oito da noite. Em alguns dias os discursos se prolongavam tanto que cheguei a sair às três da manhã. Enquanto isso, meus filhos ficavam com meu marido em casa. Mas como mãe, eu estava escutando os discursos e pensando na minha família.
Como você vê a profissão de jornalista hoje em dia?
Mirna Bicalho: Eu acho que a categoria ficou muito desvalorizada, ainda mais agora com as redes sociais, nas quais as notícias chegam muito rápido e em todo lugar. Acabamos ficando meio deslocados. Precisamos repensar e achar o nosso caminho.