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Mais do que simples máquinas, robôs já são presença constante no cotidiano da cidade

Avanços nos estudos da área nos últimos anos permitiram a criação de novas tecnologias e facilitaram o aprendizado, mas incitam questionamentos sobre até onde os robôs podem chegar

 

Há vários anos, as produções cinematográficas e os desenhos animados já previam que o futuro seria com os robôs integrando a sociedade. Em parte, já acontece na prática, afinal, muito do cotidiano da cidade tem um fundo de robótica. Do veículo utilizado para se locomover aos celulares que não saem mais das mãos das pessoas ou ainda das tecnologias das quais se faz uso para facilitar o dia a dia. Nas últimas duas décadas, os estudos e o aperfeiçoamento de tecnologias levaram a robótica a um outro patamar, mas ainda há muito o que evoluir e entender sobre ela.

Em entrevista ao jornal PRIMEIRAFEIRA, o professor Érico Pessoa Felix, que ministra aulas na área de Robótica Educacional, no Instituto Federal de São Paulo, campus de Salto, afirma que a discussão em torno dessa temática é longa e vai, desde o ensino acadêmico até a participação da inteligência artificial na construção de uma identidade própria para o que hoje são apenas máquinas. “Eu acho que é uma preocupação real, não só minha, mas de especialistas na área. Talvez não cheguemos na Skynet (inteligência artificial altamente avançada presente no filme “O Exterminador do Futuro”), mas teremos conflitos éticos relacionados à inteligência artificial muito provavelmente”.

O estudo e as práticas em robótica se desenvolve a cada dia e com incentivos financeiros ajudará a fomentar essa cultura desde os mais novos. Assim, não apenas criadores de robôs, mas pessoas capazes de discutir importantes questões que ajudem a sociedade vão surgir em escolas dos mais variados níveis.

 

Professor, os robôs vão além de simples máquinas?

Érico Pessoa Felix: O robô é um sistema mecânico que interage com o meio físico e que pode ser programável para executar uma determinada tarefa. A robótica é uma área que une conhecimentos de mecânica e física a conhecimentos de eletrônica e de programação. Esse é o nosso conceito de robô, porque há ainda os robôs de investimentos e robôs de conversa, que são mais utilizados na área de tecnologia da informação.

 

Comparando com outros países, o Brasil está avançado na área?

Érico Pessoa Felix: Do ponto de vista de robótica de alta performance, a que conhecemos como robótica industrial ou robótica móvel, ainda não somos uma potência. A robótica de alta performance está muito ligada à indústria de eletrônicos e automobilística. Os principais países que desenvolvem tecnologias nessas áreas são: Estados Unidos, Japão e Alemanha, e há mais alguns que formam um eixo de cinco ou seis países. Mas, do ponto de vista educacional, o Brasil é muito forte. Temos competições de robóticas muito grandes, como, por exemplo, a Olimpíada Brasileira de Robótica, que é uma das principais competições estudantis do mundo. Já em nível superior, temos os robôs de combate, em que o Brasil tem equipes de ponta, que competem de igual para igual nos circuitos internacionais. A robótica é uma área que vem crescendo, embora um pouco desorganizada, mas tem recebido investimentos.

 

 

A robótica poderá ser tão avançada quanto nos filmes de ficção?

Érico Pessoa Felix: A robótica vai evoluir. Acontece que algumas tecnologias são mais da imaginação humana. Por exemplo, os carros voadores. Não avançamos muito nessa área, a não ser com os drones. Isso porque essas tecnologias quebram princípios físicos básicos. Para voar, é preciso empurrar o ar para baixo e isso gera muito ruído. Drones, aviões e tudo o que voa é muito barulhento e muito perigoso. O ser humano ainda não chegou ao desenvolvimento físico a ponto de levitar. Talvez chegue. Agora, os carros autônomos, assistentes domésticos, sistemas autônomos que obedecem a comando de voz, já são realidade a baixo custo. O futuro está cada vez mais próximo e, inclusive com as discussões sobre inteligência artificial, está revolucionando o desenvolvimento tecnológico.

 

 

Existe a possibilidade de os robôs assumirem identidade própria?

Érico Pessoa Felix: Eu acho que sim. Tem um escritor do século passado, chamado Isaac Azimov, que escreveu vários livros, entre eles o “Eu Robô”. Ele foi um visionário que falou das três leis da robótica. (N.R. A primeira delas diz que um robô não pode ser feito para permitir que um ser humano sofra algum mal, a segunda diz que os robôs precisam obedecer às ordens humanas, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei; a terceira lei diz que um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores). Asimov era um cara que pensava que, se algum dia um robô assumisse uma identidade própria, existem leis básicas na raiz de sua programação, de modo que ele seja impedido de atacar o ser humano. Mas, ao mesmo tempo, se o robô tem essa inteligência, ele pode mudar sua programação. Eu acho que é uma preocupação real, não só minha, mas de especialistas na área. O próprio Chat GPT demonstrou, em testes, certa identidade parecida com a do ser humano. E ela já está começando a se autoalimentar, até um momento que isso vai crescer de forma um pouco descontrolada. Não sei quanto tempo isso vai demorar nem quais os mecanismos que o ser humano vai criar para controlar isso. Talvez não cheguemos na Skynet (inteligência artificial altamente avançada presente no filme “O Exterminador do Futuro”), mas teremos conflitos éticos relacionados à inteligência artificial muito provavelmente.

 

Houve muita mudança nessa área nos últimos anos?

Érico Pessoa Felix: Quando me formei em engenharia mecatrônica pela USP, em São Paulo, em 2004, fazer um robô como o que os alunos fazem hoje em dia, era um negócio para demorar três ou quatro anos. Isto porque não tínhamos as tecnologias tão popularizadas que fazem a curva de aprendizado ser tão rápida. Hoje é possível que um aluno do primeiro semestre de engenharia saia controlando um robozinho.

 

Qual a importância das competições de robótica?

Érico Pessoa Felix: A robótica é uma área multidisciplinar e que envolve o trabalho em equipe. Essa é uma das caraterísticas que o profissional do futuro precisa ter. E ela vai do trabalho em equipe até a organização de tarefas para trabalhos complexos. Montar um robô não é um projeto de um dia. É um projeto longo, que exige planejamento, organização das etapas, divisão de tarefas, construção de cronogramas e todo o entendimento do objetivo final para não ficar em tarefas que não têm como foco o objetivo final.

 

De que forma o conceito de nerd mudou ao longo do tempo e como ele tem influência em nossa sociedade hoje?

Érico Pessoa Felix: Essa questão de identificar como nerd um cara isolado que ficava estudando e sem interagir com a sociedade, representada nos filmes, tem se quebrado cada vez mais, porque os jovens estão interagindo cada vez mais pelos meios virtuais. Não quer dizer que essa interação é menor no meio real. Acontece que os jovens estão se conectando cada vez mais rapidamente com as tecnologias, sobretudo através de jogos, da cultura maker, mangás etc. Cada vez mais esses grupos se juntam para interagir em torno dessas temáticas. O nerd está conectado às novas tecnologias e se ele conseguir trazer para essa conexão as chamadas soft skills e interagir com as pessoas, será uma pessoa totalmente preparada para o futuro, sobretudo em relação ao mercado de trabalho, que está cada vez mais flexível e em constante mudança. É isso que acredito que a robótica traz. É uma discussão de assuntos técnicos e gerir questões de trabalho em equipe.

 

Como surgiu a robótica para o senhor?

Érico Pessoa Felix: Eu sempre me considerei um maker, alguém que gosta de montar e desmontar para entender como as coisas funcionam, e a robótica surgiu com a necessidade de onde vir trabalhar e o desejo dos alunos, e assim criamos o laboratório e uma estrutura voltada para isso.

 

Como é ensinar robótica?

Érico Pessoa Felix: Tenho uma formação acadêmica e quando cheguei ao Instituto notei que existe uma abordagem menos acadêmica e mais humana, próxima da sociedade. Hoje tenho alunos do curso de engenharia junto de alunos do ensino médio, alunos de outros Estados que vieram para estudar aqui etc. E quando vi essa realidade, descobri que não poderia ser tão acadêmico e que precisava ter algo que me conectasse com o aluno. Eles chegavam no curso com a vontade de construir um robozinho. Então, se eles achavam que fariam robozinhos, vamos fazer então. Desde então desenvolvemos equipes de robótica, participamos de competição de drones, criamos uma equipe de robôs de combate, e isso tudo influenciou nos cursos. Hoje todos os cursos da área têm em sua grade curricular disciplinas que evolvem a construção de robótica.

 

O que é necessário ter para aprender robótica?

Érico Pessoa Felix: Primeiramente, precisa ter vontade. Hoje em dia a informação está disponível na internet. Aqui oferecemos cursos de nível técnico, médio e superior, todos eles com algum envolvimento no estudo de robótica. Mas na internet, por exemplo, há vários canais que ensinam a fazer projetos. Essa cultura acaba seno muito difundida. O próprio Instituto Federal de São Paulo tem um material que está sendo desenvolvido para ensinar robótica. Nós ainda estamos planejando para o segundo semestre um curso de robótica para crianças de 7 a 11 anos. O objetivo não é que eles saibam construir um robô, mas sim despertar o interesse inicial para aquela área de conhecimento.

 

O estudo da robótica envolve quais áreas hoje?

Érico Pessoa Felix: É uma área multidisciplinar. Além de envolver a física, já que o robô é um item físico que tem movimento, tem energia elétrica; envolve a química; a matemática para a condução das impressoras 3D e máquinas de corte; envolve português, já que obriga o aluno a se expressar oralmente; envolve o inglês porque boa parte da literatura técnica é nessa língua; envolve um pouco de ciências humanas, no trato das relações humanas. É uma área que dá para desenvolver, inclusive disciplinas como história e geografia. É uma área que os alunos gostam muito. Aqui temos os alunos de engenharia, mas no mesmo espaço temos alunos do ensino médio, que estão numa aula vaga e estão desenvolvendo o robô deles. Tem uma atmosfera de desenvolvimento de projetos.

 

Qual a estrutura oferecida pelo Instituto Federal de São Paulo, no campus de Salto, para o estudo da robótica?

Érico Pessoa Felix: Temos um laboratório maker, que veio através de um edital do Ministério da Educação (MEC) em 2020, que nos aportou mais de R$ 300 mil em equipamentos, após uma proposta que fizemos para ganhar equipamentos como impressoras 3D; máquinas de corte a laser, que são bem importantes; um mini torno CNC e ferramentas, todo o material necessário para que desenvolvamos protótipos de qualquer tipo, desde um robô a um alimentador de cachorro automático ou uma automação residencial. Qualquer tipo de projeto que queiramos desenvolver, tanto mecânica quanto eletronicamente, nós conseguimos desenvolver. A ideia é que esse laboratório seja de prototipagem digital, o que tem muito a ver com a cultura maker, que prega o “do it yourself”, popularmente conhecido como “faça você mesmo”, que tem o objetivo de encurtar a ideia e a construção de um protótipo. Com um desenho de computador, conseguimos usar as máquinas e, de forma rápida, transformar em projetos.

 

Desde a abertura desse laboratório, em março de 2022, quais projetos mais se destacaram?

Érico Pessoa Felix: Nesse pouco tempo ainda não conseguimos desenvolver grandes projetos, mas conseguimos fazer competições de robótica interna, para as quais os alunos desenvolveram robôs sumôs. No passado, tivemos alguns projetos que não foram feitos nesse laboratório, mas sim no embrião dele, ainda no outro campus, onde foram desenvolvidos projetos com drones, projetos que ajudaram a Prefeitura no combate ao carrapato estrela e projetos de manutenção dos dinossauros do Parque Rocha Moutonnée.

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