Com técnicas e instrumentos específicos, Talita Ribeiro Passoni afirma que é possível atuar, com bons resultados, sobre um quadro clínico específico ou simplesmente controlar a ansiedade
Única musicoterapeuta de Salto, Talita Ribeiro Passoni disse ao PRIMEIRAFEIRA que o potencial terapêutico da música é tão amplo que é possível utilizá-lo, com bons resultados, em todas as idades, com pessoas que possuam ou não algum tipo de quadro clínico e até mesmo com aquelas que queiram apenas controlar a ansiedade.
A música está presente diariamente em nosso cotidiano, segundo ela. Seja num momento de relaxamento, no trânsito, durante atividades físicas ou simplesmente para apreciar bandas preferidas. A música também está presente num filme, na trilha sonora de um comercial de rádio ou televisão, no canto dos pássaros ou mesmo no barulho que os automóveis fazem para se movimentar.
Talita Ribeiro Passoni diz que ouvir e tocar música reduz o nível de cortisol, o hormônio responsável pelo estresse. E estar relaxado pode fazer uma grande diferença para quem precisa passar por procedimentos médicos, por exemplo.
“Ela une dois campos grandes e híbridos, que são a arte e a saúde. Uma coisa essencial e que é importante estar relatando, até para maior conhecimento das pessoas, é que a musicoterapia é muito diferente da educação musical, por algo muito importante que é o objetivo terapêutico. O objetivo é alcançar um ponto específico, através de técnicas próprias embasadas cientificamente e comprovadas por pesquisas quantitativas e qualitativas”, disse.
A musicoterapeuta explicou na entrevista as distintas formas de tratamento e como a música pode auxiliar pessoas de maneiras diferentes. Além disso, ela falou como essa técnica, ainda pouco explorada, pode ser fundamental para manter a harmonia na cura ou até mesmo na prevenção de alguns transtornos.
Abaixo a íntegra da entrevista.
O que é a musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: É muito difícil definir em palavras o que é a musicoterapia. Ela une dois campos grandes e híbridos, que são a arte e a saúde. Uma coisa essencial, que é importante estar relatando, até para maior conhecimento das pessoas, é que a musicoterapia é muito diferente da educação musical. Isto por algo muito importante, que é o objetivo terapêutico. O objetivo é alcançar um ponto específico, através de técnicas próprias, embasadas cientificamente e comprovadas por pesquisas quantitativas e qualitativas.
Como é uma seção de musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: Antes de iniciar o processo músico terapêutico, fazemos como um psicólogo, o chamado processo de anamnese, que seria uma ficha músico terapêutica do paciente. Eu estudo todo o seu processo sonoro, a relação com o som, com a música, os barulhos que a incomodam ou que ela gosta. Há uma diferença muito grande entre o que é música e o que é som. A música tem junto dela a intenção de ser ouvida, carregando a informação. Até por isso a utilizamos muito em terapias. É como se ela abrisse os canais de comunicação, o que acontece muito, por exemplo, com os casos de pessoas autistas. Se a pessoa tem dificuldade de se expressar, a música consegue acessar esse ponto da pessoa, facilitando a comunicação. É o agir comunicativo que a música tem. Processos como esses fazem com que crianças comecem a falar. Vi crianças que entravam aqui sem falar nada e hoje saem berrando meu nome na rua.
Qual a importância da música para o ser humano?
Talita Ribeiro Passoni: A música está presente no ser humano de uma forma muito grande. Durante a vida, há uma trilha sonora que nos acompanha, seja da TV ou do rádio. Costumamos fazer exercícios ouvindo música. Um filme sem uma trilha sonora seria estranho. Então a música faz esse pano de fundo. Nos idosos, ela tem o poder de evocar a memória, pois a música é a última memória a ser perdida. Já atendi e continuo atendendo idosos em casas de repouso, que não têm mais nada, mas quando recordam aquela música que foi importante numa determinada fase da vida, eles despertam. A música pega a pessoa na emoção, faz o brilho no olhar mudar e deixa a pessoa com mais vontade de viver. A música é muito usada, inclusive, no tratamento contra a depressão, pois você acaba ouvindo músicas que passam uma mensagem positiva. A música atinge, no cérebro, todas as áreas ao mesmo tempo. Tenho até uma amiga que compara com fogos de artifício.
A música sempre faz bem?
Talita Ribeiro Passoni: A música pode fazer mal. Inclusive, tem um tipo raro de doença chamada epilepsia músico gênica, que, dependendo da música que a pessoa ouve, ela pode ter um surto. Por isso, é necessário ter alguns critérios no tratamento com musicoterapia, a frequência, a sensibilidade, o limiar de audição, entre outros.
Qual a diferença entre tocar/cantar e a musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: É diferente tocar um instrumento e estar num tratamento por musicoterapia. Porque é nessa relação entre terapeuta e paciente que se dá a musicoterapia. É terapêutico tocar algo? Sim, mas não é musicoterapia. A musicoterapia envolve acolhimento e interação. Nós conduzimos pela música a um objetivo a ser alcançado. O foco na atuação é o som, a sonoridade, a conexão e a atenção compartilhada. Eu recebo crianças que têm dificuldades de atenção por serem hiperativos. Então, nós vamos nos organizando através da música. Eu não estou ensinando nada. A própria pessoa vai se ambientando a conseguir trilhar um caminho mais tranquilo.
Qualquer pessoa pode se beneficiar da musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: Qualquer pessoa pode se beneficiar da musicoterapia. Existem várias técnicas utilizadas, mas uma que uso muito é, através de uma música favorita do paciente, eu trocar a letra por mensagens repetitivas para firmar no inconsciente o que a própria pessoa quer passar para si mesma. Tudo é muito oscilatório. A música é capaz de nos resgatar após uma notícia ruim. Utilizo também o tratamento com adultos pela conexão através do som. A musicoterapia não tem som bonito ou feio, afinado ou desafinado. Nós acolhemos a expressividade da pessoa da maneira que é. Isso dá uma liberdade interna para a pessoa se expressar. Tem um ator que fala que a melodia de uma música é como levar o som para passear.
A música cura?
Talita Ribeiro Passoni: A música traz equilíbrio e harmonia, e isso significa estar em estado de cura. Não falo que a música cura, mas ela facilita o bem-estar.
Como são os tipos de tratamento com musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: É muito específico de cada caso. Até por isso fazemos a ficha músico terapêutica. Dependendo da demanda, eu busco uma forma de tratamento. Eu vou buscar o que ressoa para a pessoa. Nas crianças, eu as deixo no chão, através de um método chamado DIR/Floortime. Mas eu não fico apenas nesse método. Eu vou adaptando várias coisas. Tem muitas linhas que podem ser seguidas. A musicoterapia trabalha com as expressões verbais e não verbais. Uma criança pode não estar me dizendo nada, mas o olhar dela diz tudo. Essa leitura que a musicoterapia faz é diferenciada. Já atendi muitos cegos, inclusive, já que o ouvido sempre estará aberto. O principal é a musicoterapia trazer acolhimento.
Como a pessoa ou a família deve saber o momento de iniciar um tratamento através da musicoterapia?
Talita Ribeiro Passoni: Geralmente chegam pacientes através de indicações de neurologistas, psiquiatras ou fonoaudiólogos. Mas, parte da família receber essa indicação e procurar o tratamento. Minhas propagandas são geralmente na linha “boca a boca” e quem procura é alguém que realmente está precisando.
Por que a maioria dos equipamentos utilizados é artesanal?
Talita Ribeiro Passoni: São instrumentos que qualquer pessoa pode tocar. Não precisa ser músico para tocar. Você chega e pode percutir, criar e musicar sem saber tocar. Não é preciso saber cantar para fazer musicoterapia. A pessoa precisa estar aqui aberta para receber a música de alguma forma. Mas, acontecem também casos de pessoas que vêm aqui e têm alguma noção instrumental e querem fazer a terapia a partir do instrumento. Então fazemos um outro tipo de terapia. O fato de a pessoa tocar faz bem para ela e a musicoterapia facilita o tipo de notação. Tive adultos e crianças que vieram e tinham dificuldade de ler as partituras, então eu adaptei de uma forma que a pessoa conhece as notas e consegue tocar, deixando-o bem.
O que é a mesa lira e por que é um equipamento bastante difícil de ser encontrado para tratamento?
Talita Ribeiro Passoni: A mesa lira é um equipamento que poucos têm. Para se ter uma ideia, no Estado do Rio de Janeiro, apenas uma clínica possui. É uma espécie de maca em que o paciente deita e sente a movimentação das ondas sonoras desde o fio de cabelo até o dedão do pé. São 42 cordas afinadas em 432 res, o que não é uma frequência comum. E junto disso eu faço o reiki, que gera o dobro de energia. Há uns três anos o reiki entrou em minha vida e eu passei a associá-lo com a música. É uma energia de imposição de mãos, que você canaliza.
Como a musicoterapia surgiu na vida da senhora?
Talita Ribeiro Passoni: Olha, eu toco flauta desde os 5 anos, mas não queria ser musicista. Toquei em grupos e orquestras, mas nunca tive essa vontade de me apresentar. Na época de escolher qual faculdade cursar, eu queria conciliar a música com alguma profissão, até que num determinado dia estava lendo aqueles guias do estudante e li a palavra musicoterapia. Naquele momento eu falei para uma amiga que tinha certeza do que faria da minha vida. Na época, havia apenas uma faculdade pública em todo o Brasil, em Curitiba (PR), e eu consegui passar no vestibular.
Nesses 20 anos da função, quais histórias mais marcaram?
Talita Ribeiro Passoni: Tem muita coisa bonita para contar que é até difícil escolher. Uma história que me marcou muito é de uma paciente que esteve comigo durante esses 20 anos. Ela é portadora da Síndrome de Down e estudava na Apae quando eu comecei a atuar no local. Num certo dia ela veio pra mim e pediu o meu cartão. Eu estranhei, mas dei o cartão. Ela então falou que a mãe ligaria para mim. Mas só a iniciativa dela foi especial. Eu conversei com a mãe dela e passei a atendê-la individualmente quase todos os dias. Primeiro na casa dela, depois na minha casa e finalmente aqui no consultório. Ela deixou a Apae, mas continua comigo. Pacientes como ela querem a manutenção da qualidade de vida, então não há um processo de alta. Outra situação que me marcou muito foi de uma paciente que vinha no espaço todos os dias. Eu a atendia três vezes na semana e nos outros, ela tinha aula de artesanato com minha mãe, no mesmo local. Eu a via mais do que muitos familiares. Pacientes idosos ou com demência também me marcam bastante, pois vemos o brilho no olhar de uma mudança de comportamento.
E qual o momento mais difícil que teve de enfrentar?
Talita Ribeiro Passoni: Teve uma vez que eu atendia num centro de idosos e um paciente havia falecido pouco antes da dinâmica. Todos tinham um semblante abatido e eu precisei respirar fundo, porque cantar remete à alegria. Eu precisei tirar forças sabe-se lá de onde para passar uma mensagem de esperança e aproveitar o momento. Outra situação foi com pacientes com Síndrome de West, que só entendem a mensagem com clareza se for cantando.