Com mudanças editoriais, técnicas e conceituais, Denise Rocha deu ao jornal uma fisionomia moderna, focada e independente
Admiradora do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que ficou conhecido na sua passagem pelo comando do Brasil com o slogan “50 anos em 5”, a jornalista Denise Rocha também executou um projeto de vulto e de velocidade, que envolveu gestão e pulso firme, como o político, mas na direção do jornal PRIMEIRAFEIRA.
Em um ano e três meses como editora responsável, a profissional, dona de uma vasta experiência de cerca de 20 anos, com passagens por diversos tipos de mídias, principalmente a televisão, executou uma transformação completa do jornal, colocando a publicação em pé de igualdade com os grandes e tradicionais veículos da região.
Conheça um pouco desse trabalho na entrevista abaixo que ela concedeu na sua despedida da função, na semana passada, e descubra também como a jornalista Denise Rocha pensa e se norteia na profissão, o que demonstrou por onde passou, ela que segue agora para novos desafios na comunicação institucional.
Como você fez a transformação do jornal nesses 15 meses?
Denise Rocha – O PRIMEIRAFEIRA tem muita história. São mais de 30 anos. Mas o mais curioso é manter a característica de ser inovador em todo esse período. Isso me permitiu planejar e implementar várias mudanças. Aliás, mudanças são sempre necessárias. Meu ponto de partida foi tornar o jornal mais agradável para a leitura. Eu gosto de ler jornais, revistas e livros. Então reconheço a importância de um projeto gráfico que torne isso mais agradável. Escolhi alguns grandes jornais para servir de referência, especialmente “O Globo”, que circula no Rio de Janeiro. Após uma viagem, trouxe alguns exemplares e também estudei o projeto gráfico do jornal “O Estado de S. Paulo”. A partir disso comecei a alterar tamanho da fonte, fotos, criar editorias fixas, espaços definidos para colunistas. Enfim, comecei a fazer isso de forma gradativa.
Não é uma tarefa fácil transformar um jornal, ainda mais no interior, não é?
Denise Rocha – No interior, os jornais impressos não costumam ter manuais de redação, que servem como norteadores para a conduta dos profissionais e para estabelecer estilo dos textos. Precisávamos do estabelecimento de critérios. Senti necessidade de criar algumas regras: sempre, independentemente de ser órgão governamental, empresa ou pessoa física, teríamos de perguntar qual o posicionamento quando ocorre a citação do nome. Como profissionais não temos lado, temos que buscar as versões dos envolvidos e assim nos aproximar ao máximo possível do que realmente ocorreu. Tirar o horóscopo e o resumo da novela também foi necessário para ganhar mais espaço.
As pessoas perceberam logo as mudanças externamente?
Denise Rocha – Ao mesmo tempo das mudanças, portas foram se abrindo. Por meio de um contato do Comercial do jornal, a Amanda Maciel, teve início uma conversa com o radialista Gasparini Filho, da FM90, e aí passei a fazer as chamadas da capa toda sexta-feira, nesse que é um dos programas mais tradicionais da cidade. Dali foi um passo para ganharmos mais espaço na programação. Logo, passamos a levar entrevistados para falar dos mais diversos assuntos no Programa do Luís Carlos, todas às quartas-feiras, pela manhã. Isso foi importante para fortalecer o nome do jornal e mostrar que estávamos passando por um processo de mudança.
E internamente como as mudanças foram recebidas?
Denise Rocha – Além do externo, em paralelo, existia uma necessidade de reformular processos internos de produção, trabalho e equipe. Toda mudança também gera desconforto. Por isso, nem sempre é fácil logo no início convencer da necessidade de todos apoiarem, mas não demorou muito; o que estava sendo feito foi percebido pela equipe como positivo. Aumentamos o número de jornalistas e contratamos uma empresa especializada em Marketing Digital. Essas ações levaram algum tempo em virtude das entrevistas e análises de propostas. Quando se quer trazer pessoas para fazer parte de um grupo de trabalho, considero fundamental não só habilidade técnica, mas também comprometimento e valores semelhantes.
Com tudo isso, o jornal cresceu?
Denise Rocha – Até então o jornal funcionava em um imóvel na Rua Rio Branco, que já não atendia as necessidades, pois passamos a receber mais visitas em nossa sede. Cheguei, juntamente com um dos sócios proprietários, o Júlio Scalet Roque, a ir até alguns imóveis para fazer a mudança de sede. Contudo, naquele momento, foi justamente quando eles passaram o serviço de transporte público da cidade, outra atividade comercial dos sócios, para uma empresa de fora. Então, o espaço do administrativo da antiga garagem da Auto Ônibus Nardelli estava vazio. Logo, surgiu a ideia de fazer uma reforma e levar o jornal para esse espaço. Uma ideia acertada, pois, além de ter mais espaço, ainda ganhei um presente.
Um presente?
Denise Rocha – Me lembro que, em um determinado momento, ainda na Rio Branco, comentei com o Rodolfo Nardelli, outro sócio proprietário, que um dos sonhos era ter um estúdio de podcast para produzirmos mais conteúdo. Pois bem, no endereço do Bela Vista, esse espaço, que, na verdade permite a gravação em vídeo, foi criado. Em uma das vezes que fui ver o andamento da reforma, foi anunciada essa surpresa. Eu não estava esperando. Foi uma iniciativa muito legal e marcou um novo momento do jornal. Melhor estrutura para os colaboradores e para os visitantes. Nesse momento ninguém tinha mais dúvida do quanto todas as mudanças eram importantes e estavam nos levando alguns passos à frente.
O jornal cresceu nas redes sociais também, não é?
Denise Rocha – Foi preciso muita dedicação, sabe? Enquanto as reformas aconteciam, também seguia com as mudanças nas redes sociais e no site do jornal. Mudança de layout, programação, enfim…isso dá trabalho. É verdade que ainda não está no formato que consideramos o ideal, mas também avançamos. Porém, as redes sociais cresceram de forma significativa. Curtidas e seguidores aumentaram, principalmente na página do Facebook do jornal. E assim, passamos a entender nosso público e a aumentar a produção de conteúdo. No início, eram 40 postagens por semana que passaram para os atuais 300. Mas valeu a pena cada segundo analisando as métricas, ou seja, os indicadores que serviram para orientar esse trabalho.
Como foi usada essa opção do estúdio de podcast?
Denise Rocha – Na mesma semana da mudança de prédio, fomos convidados a fazer uma parceria com a Pastoral Fé e Política, da Paróquia São Benedito, da igreja católica. O diácono José Carlos Pascoal e o padre Carlos Marchesani tinham a intenção de fazer uma série de entrevistas com os candidatos a deputado por Salto. Mesmo sem ter testado os equipamentos, aceitamos. E deu certo, apesar de que, na primeira gravação, transmitida ao vivo, pela internet entramos com alguns minutos de atraso, porque a senha não dava certo…(risos). Mas ao vivo é assim mesmo! Após isso, iniciamos as gravações de entrevistas, o PrimeiraCast, além do EsporteCast. Temos muitas histórias para contar. Gente interessante que merece espaço. Isso é algo que sempre me motivou.
Como você trabalhou a relação com as lideranças da cidade?
Denise Rocha – Nem tudo é vitória, tivemos alguns desafios. Estabelecer uma relação, um diálogo com lideranças da cidade, era preciso. Valorizei esse contato com empresários, políticos e pessoas que se destacavam em suas comunidades. Essa interlocução é fundamental. A imprensa precisa reverberar as opiniões diferentes, dar espaço para o oficial e o comum. Sempre conversei com vereadores, secretários, prefeito e vice. Bastava me chamar para um café que eu sempre me organizava e ia. Ou mesmo numa ligação. Aliás, confesso que nesse período minhas sextas-feiras, que é o dia de circulação do jornal, nunca mais foram as mesmas.
Tudo fluiu bem nesses contatos?
Denise Rocha – Não se agrada todo mundo. Infelizmente ainda se ataca o mensageiro e se analisa pouco a mensagem. Nessas horas, eu compreendia que o trabalho da imprensa é ainda mais necessário e fundamental. Precisamos reforçar os conceitos do contraditório, do respeito e do bem comum. Recebi algumas propostas indecorosas, ameaças veladas e ofensas escancaradas, seja de haters nas redes ou de pessoas que simplesmente não precisam de muitos motivos para querer prejudicar. Sempre procuro receber isso tudo com serenidade. Deus não nos dá um peso maior do que podemos carregar. Aprendi muito com isso. Em cidades menores, não existem segredos. Em pouco tempo, se descobre as conspirações. Em Salto, isso acontece muito. Infelizmente, a pressão é mais concentrada. Sempre busquei o posicionamento legal, do ponto de vista jurídico, mas também o ético do ponto de vista jornalístico. É claro que erros ocorrem no processo de produção de uma notícia. Pessoas estão envolvidas no processo. Mas, pra mim, uma frase de Juscelino Kubitschek define bem o que acredito: “Costumo voltar atrás sim. Não tenho compromisso com o erro”.
Nessas horas a experiência de alguém como você ajuda, não é?
Denise Rocha – Fiquei pouco mais de 20 anos longe de Salto. Nesse retorno, não tinha muitos contatos. Então o trabalho à frente do jornal me obrigou a ir atrás de muita gente para estabelecer conexões. Amo isso. Pra mim, os relacionamentos fazem parte da construção de um bom diálogo. Gosto de pessoas e, mais ainda, da minha cidade. Minha experiência é diversificada. Aliás essa é uma característica da minha trajetória. Seja pelo tempo de trabalho em televisão, em revistas, jornais, assessoria e comunicação corporativa ou governamental. Quando trabalhei na Polícia Militar do Rio Janeiro ou no Poder Público em Uberlândia (MG), sempre aproveitei o aprendizado para dar um passo a mais. Na semana que vem farei, a convite, a Aula Magna do curso de Jornalismo da Uniso de 2023, em Sorocaba. É uma alegria voltar depois de 20 anos para o lugar de formação da minha primeira graduação. E ainda mais agora, com histórias para contar. Essa profissão exige muitas habilidades e técnica, muito mais do que se costuma imaginar.
Vivemos em um país ainda machista, isto atrapalhou o trabalho?
Denise Rocha – Ser mulher e ser jornalista, no interior, é escolher um caminho sinuoso. Tudo será mais difícil. Mas eu tenho sorte e encontrei pessoas que confiaram no meu trabalho e me abriram portas. Por isso valorizei cada momento e oportunidade para deixar o jornal PRIMEIRAFEIRA melhor do que eu encontrei. Eu gosto de escrever e o jornal me obrigou a exercitar isso, principalmente nos editoriais. O formato do meu texto é muito direto, às vezes até agressivo, mas ele reflete muito do que eu sou. Então, é quase como se a pessoa que lesse estivesse ali, conversando comigo.
Outros veículos tentaram tirá-la do PRIMEIRAFEIRA?
Denise Rocha – Durante esse período, recebi um convite para trabalhar no jornal Cruzeiro do Sul, em Sorocaba, e eles sabiam que eu era editora responsável do PRIMEIRAFEIRA, mas, mesmo assim, queriam que eu fosse. Até fiquei um período, mas o deslocamento diário me desgastou bastante, afinal, não tenho mais 20 anos, não é? Acabei abrindo mão por entender que o projeto em Salto tinha muito mais a me oferecer. Acredito muito na força dos veículos tradicionais, quando você sabe quem escreveu, que tem uma fonte segura. Um compromisso com a sociedade. Não é à toa que a imprensa é sim um dos termômetros de uma sociedade. Se ela vai mal é exatamente por que algo vai mal na democracia. Por isso, demonizar políticos, desmerecer o trabalho da polícia ou atacar a imprensa servem apenas para enfraquecer pilares de uma sociedade livre. Tudo tem o seu lugar.
Como você resumiria o seu trabalho na transformação do jornal?
Denise Rocha – Foi um trabalho de gestão, mas também editorial. Tem muito ainda a ser feito, mas considero o início importante. É possível inovar e investir em produtos jornalísticos de qualidade. O leitor ou mesmo o público de outras plataformas percebe quando existe autenticidade, lógica e empatia. Como consequência passa a confiar no conteúdo que é produzido. Todo mundo ganha: o jornal, que aumenta a credibilidade, passa a ter mais alcance, pode trabalhar seus produtos e vender publicidade de forma isenta e responsável; e a cidade: quanto mais leitores, mais análise crítica.
Muito se fala que o jornal impresso está acabando, você concorda?
Denise Rocha – Existe espaço para o impresso, o digital, as redes, o rádio, o vídeo, enfim sempre existe alguém que prefere um ou outro veículo. O mais importante é termos as opções. Me incomoda a ideia de não ter alternativa ou estarmos limitados. Tanto que não foi uma decisão fácil sair do jornal. Tenho muito carinho pelo que foi construído, porque exigiu dedicação. Tenho orgulho ao olhar cada etapa. No início, era difícil perceber o que eu vislumbrava. Agora o projeto tomou “corpo” e precisa seguir. E, sinceramente, acredito nisso. Competência, Eloy Oliveira, que é o novo editor, tem de sobra. Ele é um amigo de muito tempo. É uma alegria grande saber que ele estará à frente do jornal daqui em diante. Me sinto à vontade para continuar presente ou então estar à disposição sempre que necessário sabendo que é ele quem estará aqui.