Danillo Lopes de Andrade, que assumiu o comando do Batalhão de Salto em julho deste ano, diz que vários policiais não querem trabalhar em regiões mais difíceis e pedem baixa
O capitão de Polícia Militar Danillo Lopes de Andrade, desde julho deste ano o novo comandante do Batalhão de Salto da corporação, lamentou, em entrevista ao PRIMEIRAFEIRA nesta semana, que haja uma perda crescente de interesse pela carreira como policial militar.
De acordo com ele, hoje o número de policiais militares no Estado está em torno de 35 mil homens e mulheres. Esse número já esteve próximo de 96 mil há mais de uma década. Os motivos para a baixa atratividade são vários, na avaliação do capitão.
Os principais são o desinteresse de vários policiais por trabalhar em regiões mais difíceis, como a Baixada Santista, a região de Embu das Artes, Itapecerica da Serra, entre outros, e o fato de os jovens buscarem o mercado de trabalho mais velhos, hoje, em torno dos 25.
Substituto do comandante Josias Justi da Conceição, que foi assassinado pelo sargento Cláudio Henrique Frare Gouveia junto com o também sargento Roberto Aparecido da Silva em maio deste ano, Andrade diz que a tragédia foi algo inédito na história da PM.
Ele afirma que o caso não pode ser tratado como comum e que dificilmente se repetirá. Em seus 20 anos de experiência na corporação, o novo comandante diz que a tropa não está doente nem estressada para justificar o que aconteceu.
O novo comandante espera combater os principais crimes que hoje preocupam Salto, como roubos, furtos e letalidade violenta. Cobrou a liberação da Atividade Delegada aprovada pela Câmara e diz estar preocupado com o número crescente de moradores de rua.
Veja a íntegra da entrevista abaixo.
Pesquisas recentes mostram que Salto é uma das cidades mais seguras do país. Qual a participação da PM nesses resultados?
Danillo Lopes de Andrade: A Polícia Militar produz bons homens, profissionais dedicados a combater a criminalidade e a levar segurança às comunidades. E isso temos conseguido fazer, num trabalho que vem há alguns anos, com uma série de diretrizes e procedimentos, ações e operações para que conseguíssemos notáveis indicadores em segurança na nossa região. Recentemente, inclusive, no anuário de segurança pública do IBGE, Salto figura como a segunda cidade mais segura do Brasil e a primeira da região sudeste. Dentre os principais critérios de avaliação estão os crimes violentos contra a pessoa. Não quer dizer que não tenha crime, mas nosso objetivo é deixá-los em patamares aceitáveis, o mais baixo possível, para que as pessoas possam viver bem. Existem diversos levantamentos, com distintos métodos de avaliação, mas Salto vai, com certeza, figurar entre as 100 cidades mais seguras do Brasil. Isso se deve, em parte, a um trabalho muito forte da Polícia Militar, juntamente com o trabalho dos poderes públicos, a Guarda Civil Municipal, Polícia Civil e um Poder Judiciário muito efetivo na aplicação da Lei Penal. Porém, temos que considerar a segurança pública como algo mais abrangente. Está na Constituição Federal que a segurança pública é responsabilidade do Estado e um dever de todos. Se Salto alcançou um patamar de segurança tão bom é porque a cidade fez o dever de casa.
Qual o principal problema, na segurança pública, em Salto?
Danillo Lopes de Andrade: Segundo os dados que recebemos, os principais problemas a serem combatidos são os roubos, furtos e a letalidade violenta. Salto, por algumas características específicas, tem um número um pouco anormal também de acidentes de trânsito. Outrora por ser uma cidade antiga, com um relevo bastante acidentado e pela existência de muitas ruas com paralelepípedos, que favoreceriam os acidentes. Talvez hoje tenhamos uma má formação dos condutores ou a falta de regulamentação com placas e dispositivos que favoreçam a segurança. É claro que outras questões também influenciam no número de acidentes, mas eu não sou técnico para apontá-las. E o reflexo disso é que temos um número relativamente alto de horas de policiamento destinados a atendimento de ocorrências de trânsito. Outro problema apontado pela própria comunidade numa reunião do Conselho Municipal de Segurança (Conseg), há poucos meses, foi o número de furtos nas áreas rurais. Embora essa área não seja muito grande, estão havendo diversos delitos. Talvez o número seja até maior do que o número de ocorrências porque muitas das vezes o morador não registra o boletim de ocorrência.
Quais as principais ocorrências registradas na área rural?
Danillo Lopes de Andrade: Em agosto tivemos oito ocorrências registradas na área rural e todas elas foram de furtos. O furto acontece geralmente em propriedades fechadas, possivelmente casas à venda ou de veraneio. Esses furtos eram de coisas que estavam em relativa facilidade, como fios elétricos, botijões de gás etc. É como diz o ditado: “A ocasião faz o ladrão”. Algumas pessoas têm maior predisposição ao delito e alguns deles consideram o crime vantajoso apesar de tudo o que enfrentam depois.
Salto viu crescer o número de moradores de rua recentemente. Qual o trabalho da PM em relação a isso?
Danillo Lopes de Andrade: Esse também é um problema reportado pelo Conseg. As pessoas estão ficando incomodadas com o crescente número de moradores de rua e a própria secretária de Ação Social da Prefeitura (Mércia Falcini) nos trouxe a informação de que, neste ano, o número mais do que dobrou em relação ao ano passado. Muitos desses que vivem nas ruas não têm qualquer propensão ao crime, já outros são criminosos com várias passagens. Esses criminosos serão um problema para a segurança pública. O problema é complexo e exige uma solução complexa e não apenas por parte da polícia. Nosso desafio é tentar fazer um trabalho contra essas pessoas inidôneas. Segundo a própria secretária, é o reflexo da piora da situação econômica ainda influenciado pela pandemia. Um fato interessante, por exemplo, é que a Ação Social em Salto fica ao lado da sede da Guarda Municipal, numa região central, diferentemente de Indaiatuba, que fica distante, quase na área rural, reduzindo assim o número de pessoas assistidas. Muitos deles vieram para Salto por conta dessa distância.
A PM é acionada também em casos que não envolvem delitos. Qual a importância de atender a população das mais diversas formas?
Danillo Lopes de Andrade: Ajudar as pessoas é nossa vocação. Tanto que grande parte das ocorrências em que atuamos, a priori, não teria a ver com a polícia, mas fazemos tudo o que for possível para ajudar as pessoas. Se tiver uma enchente, nós pulamos na água para salvar; se tiver uma criança engasgada, vamos lá e desengasgamo-la; se tiver uma casa pegando fogo, entramos lá e salvamos as pessoas. Já chegamos inclusive a dar carona para cidadãos, em casos de pessoas que, por exemplo, receberam alta do hospital. Não havia ambulância disponível para levá-los em casa e a família não tinha dinheiro para se locomover. Acabou pedindo nossa ajuda. É raro, mas acontece. Embora a viatura não seja para dar carona, fizemos a prestação de um auxílio para a população. Nós fazemos isso o tempo todo. É um trabalho silencioso e que quase sempre não aparece, mas esquenta o coração do policial militar que trabalha com o que há de pior na sociedade.
Recentemente foi aprovada a Lei da Atividade Delegada. O que ela traz de positivo e de negativo para o trabalho da PM?
Danillo Lopes de Andrade: O advento da Atividade Delegada ainda não está valendo, carecendo do pulso inicial por parte do prefeito Laerte Sonsin Jr (PL). A lei foi firmada na Câmara e o convênio já está publicado junto ao setor de convênio da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Falta o prefeito dizer quando o policial pode começar a trabalhar e reservar o pagamento para tal. A atividade delegada traz os benefícios, mas também situações não tão boas. A parte não tão boa é a possiblidade de o policial militar usar a folga para repor as energias; já a parte boa é a possiblidade de melhorar a renda, além de a cidade ganhar com isso, por se tratar de policiais já conhecidos e que sabem as peculiaridades da cidade. Já temos a Atividade Dejem (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar), custeada pelo Estado, na qual dispomos de um número de policiais.
O senhor acha que menos pessoas estão se interessando em se tornar policiais militares?
Danillo Lopes de Andrade: Hoje o número de policiais militares no Estado está em torno de 35 mil homens e mulheres. Esse número esteve próximo de 96 mil há mais de uma década. A baixa atratividade da carreira do policial militar justifica um pouco esses números. Temos dificuldade de aplicar novos concursos públicos, primeiro por questões financeiras e, segundo, pelo número de interessados em atuar em determinadas regiões. Sendo um policial militar, você está apto a trabalhar no Estado inteiro, mas muitos não querem trabalhar na Baixada Santista, na região de Embu das Artes, Itapecerica da Serra etc. Alguns acabam pedindo baixa por não aceitarem trabalhar nessas regiões ou então muitos enfrentam dificuldades de passar na prova de aptidão física, o que obrigou a PM a rever esses exercícios. Outra explicação é que os jovens, hoje em dia, estão buscando o mercado de trabalho com 25 anos em média.
Vimos casos ao longo do ano envolvendo policiais, o que levou a uma discussão sobre a saúde mental do policial. Há esse problema?
Danillo Lopes de Andrade: A saúde mental dos policiais é um assunto constante no comando da polícia. Inclusive temos um centro de apoio psicológico aos policiais que tenham algum problema ou foram submetidos a uma ocorrência de alto grau de estresse. Depois do ocorrido nessa companhia, acendeu um alerta amarelo na corporação e vários policiais acabaram procurando o acompanhamento, mas todos eles estavam aptos a continuar o trabalho normalmente. A tragédia que aconteceu em Salto foi algo inédito na história da Polícia Militar de São Paulo e justamente por isso não podemos tratar como algo comum, mas a tropa não está doente. A cidade também não é uma “panela de pressão” e os policiais não têm uma carga de estresse maior que outras regiões. É claro que todos os policiais podem ser afetados no processo.
Qual sua experiência na Polícia Militar?
Danillo Lopes de Andrade: Ingressei na Polícia Militar em 2002, quando ainda tinha 19 anos. Na época, eu passei no concurso para ingressar na academia de formação de soldados, de Sorocaba. Exerci funções de policiamento em Porto Feliz e depois de alguns anos ascendi na carreira através de outro concurso para frequentar a academia de formação de oficiais da Polícia Militar. Em 2011, fui trabalhar na região de Osasco e de Barueri, coordenando o policiamento na rua; em 2015, vim para o 50º Batalhão da PM de Itu; e em dezembro do ano passado, assumi efetivamente o comando de companhia territorial e fui transferido para Salto há alguns meses, tendo exercido já as funções de comandante. São mais de duas décadas de Polícia Militar e é o que eu sei fazer na vida.