Quem ainda não comprou o seu ovo de chocolate tem até domingo para conhecer o trabalho da chocolatier Vanessa Ferrão e da confeiteira Liliane Costa Tizziany
A produção artesanal de ovos de chocolate para a Páscoa é um mercado que vem ganhando cada vez mais espaço não só na esteira dos preços que dispararam nos grandes fabricantes do chocolate tradicional, como também na busca por novidades, por qualidade e por preço.
A chocolatier Vanessa Ferrão e a confeiteira Liliane Costa Tizziany, ouvidas pela reportagem do PRIMEIRAFEIRA nesta semana, contam como conceberam suas empresas, como começaram a produzir e o que fazem de diferente para se manter e crescer em um mercado tão disputado.
Uma coisa elas têm em comum e já escapa em muitos dos grandes fabricantes: a criatividade, a dedicação e a inovação mesmo com preços menores. Suas empresas são exemplos que podem ser seguidos por quem quer entrar nesse mercado e que podem nortear a compra nesta Páscoa.
Arquiteta prima pela riqueza de detalhes com a pintura à mão de cada unidade
Vanessa Ferrão é arquiteta, mas acaba deixando a profissão de lado por alguns meses do ano para se dedicar à chocolateria. Em seu portfólio, ela aposta nos ovos de Páscoa pintados à mão, feitos com padrão de qualidade elevado e produtos selecionados, capazes de agradar o paladar mais refinado. A chocolatier se inspira em técnicas utilizadas por profissionais de vários países para entregar produtos únicos na região. “A riqueza está nos detalhes”.
Como você começou a trabalhar com chocolate?
Vanessa Ferrão: Eu me mudei para Itu há seis anos e, quando meu filho entrou para a escola, resolvi oferecer ovos de Páscoa aos professores. Meu marido disse para eu comprar, mas, quando fiz as contas, vi que precisaria comprar uns 15 ovos, o que era muita coisa. Nessa época eu conhecia algumas pessoas que trabalhavam com chocolates e pedi para me ensinarem a fazer temperagem (processo no qual o chocolate é derretido para depois ser moldado no formato desejado). Com a ajuda de alguns vídeos, fui aprendendo e consegui fazer todos os presentes. No ano seguinte eu fiz de novo os presentes aos professores. Um tempo depois, após quebrar o pé e ter ficado seis meses sem conseguir andar, resolvi fazer também algumas lembrancinhas de chocolate para dar de presente no Natal. Quem recebia perguntava onde eu tinha comprado, porque tinham gostado muito, e nisso alguns amigos sugeriram que eu começasse a vender. E assim estou há dois anos, trabalhando na Páscoa e no Natal. Nesses períodos eu paro a arquitetura e foco no chocolate.
Como surgiram as ideias dos ovos pintados?
Vanessa Ferrão: Criação, criação e criação. Eu pesquiso muito. Adoro ver o que o povo lá fora faz. Os russos fazem coisas maravilhosas. Os italianos e os americanos também. Na primeira pintura que fiz comprei alguns produtos, passei e nada. Fucei na internet e não encontrava a forma certa. Foi uma loucura para descobrir qual o produto que se usava para esse tipo de pintura. Quando começou a pandemia, ocorreram muitas lives gratuitas, especialmente da parte culinária, e então descobri qual produto era usado para fazer esse tipo de pintura. É um produto que não é vendido em Itu. Eu tive de ir até São Paulo para encontrar. Fiz os testes e começou a dar certo. A partir daí, gostei e tento, a cada ano, fazer algo diferente sempre com a pintura. Apesar de ser muito trabalhoso, é muito legal também. Sempre falei para o meu marido que, se fosse para fazer o que todos fazem, eu não faria. Gosto de criar.
Quanto tempo leva para produzir cada ovo pintado à mão?
Vanessa Ferrão: Entre começar, fazer o processo da pintura e rechear o chocolate vai pelo menos uma hora e meia para cada ovo. Eu pinto ovo por ovo à mão, com pincel, esponja, espuminha. São vários recursos que usamos para dar esse efeito especial e para ficar bonito.
Como competir com as grandes marcas?
Vanessa Ferrão: É algo difícil, porque, obviamente o nosso preço acaba saindo mais alto. E nós, por vivermos em uma cidade relativamente pequena, onde o público não conhece os produtos diferenciados, se eu cobrasse o que vale, ninguém iria comprar. Tenho de diminuir o lucro para tentar competir. Felizmente tem dado certo.
Como definiria o consumidor dos seus produtos hoje?
Vanessa Ferrão: É um público seletivo, refinado. Não necessariamente de dinheiro, mas de gosto. A pessoa que gosta de um produto mais bem trabalhado, que compra também pelos olhos, porque a beleza do produto chama atenção. Muitos compram, sobretudo, pelo fato de ser diferente. Esse é um motor de compra sem dúvida.
Quem consome produtos com alto padrão de qualidade, muda a forma de apreciar o chocolate?
Vanessa Ferrão: Muda. Principalmente quando começa a perceber que a indústria vai de mal a pior. Não querendo falar mal de ninguém, mas hoje, há chocolates que não possuem mais chocolate. As próprias empresas anunciaram. Eles usam chocolate hidrogenado. Mudaram embalagem e a composição do produto para mudar a cobrança de impostos perante a nossa legislação. As grandes indústrias investem em produtos que possam tornar a venda mais barata, com uma produção maior e que não haja problemas. Quantas vezes você não comprou uma barra de chocolate e quando abre está toda esbranquiçada? No chocolate artesanal, os produtores estão empenhados em trabalhar com produtos de qualidade. Tanto que a maioria dos meus produtos eu vou até São Paulo comprar. Apenas algumas embalagens comprei em Itu. Faço isso para ter um diferencial e para compensar o custo. Tenho de agregar valores sem subir o preço.
Há potencial em nossa região para ser um grande produtor de chocolates artesanais, por exemplo?
Vanessa Ferrão: Acho que sim. Tudo é uma questão de costume. O grande problema é que aqui, nessa região, o clima atrapalha demais. Ele é favorável por ser seco, mas é ruim por ser quente. O que eu percebo é que os produtores não querem investir. Dentro da loja, o chocolate está lá, perfeito, mas e quando sair daquele ambiente? Eu mando para meus clientes um cartãozinho com algumas instruções, explicando que, se deixar fora da geladeira, resfrie o chocolate por uns dez minutos antes de comer. Já se deixar na geladeira, deixe embalado e tire uns 20 minutos antes. São pequenas ações que garantem a qualidade.
Aposta de confeiteira é o sabor que fisga pela memória gustativa do comprador
Liliane Costa Tizziany se tornou confeiteira profissional há alguns anos, tirando da gaveta um sonho antigo. Ao longo do ano, ela produz bolos e doces personalizados, mas, na época da Páscoa, renova seu cardápio com opções que incluem os sabores preferidos de seus clientes. Com inspirações de outros profissionais que conheceu, dicas de pessoas próximas e ideias inovadoras, ela lançou o ovo de Páscoa no pote e usou dos principais sabores de bolos para rechear os ovos de colher. “Tentamos fisgar o comprador pela memória gustativa”. Porém, a confeiteira sabe que apenas sabor e bom gosto não são suficientes e para isso aposta numa apresentação especial de seus produtos.
Como você começou na confeitaria?
Liliane Costa Tizziany: A Adocicalli (marca do empreendimento que ela comanda) surgiu, assim como muitos negócios, no início da pandemia (em 2020). Eu já estava parada no mercado há algum tempo e acabei indo para a confeitaria por coração. Fazia os doces e vendia para amigos, que também sugeriram para eu rumar para essa área. Eu sempre gostei muito de doces e acho que demorei um pouco a iniciar nessa empreitada. Talvez tenha sido até um pouco de insegurança. Quando comecei, fazia alguns produtos como pronta entrega e aos poucos fui estudando e me especializado. Dessa forma fui traçando o caminho que queria seguir, de bolos e doces personalizados. Foi um projeto que já tinha, mas guardei por muito tempo. Trabalhar com comida é algo delicado. Exige muito estudo, muita pesquisa. Levou um tempo até eu sentir plena segurança e ir identificando os produtos para saber o meu melhor. Lidar com alimentos para mim é uma arte. Desde a forma como você prepara, monta… É amor e arte no produto.
O que traz da sua experiência para o cardápio de Páscoa?
Liliane Costa Tizziany: Minha ideia, nessa Páscoa, foi trazer os doces, os quais são a minha identidade. Para esse ano tentei inovar com os ovos no pote, que é um produto que não vemos muito e uma forma de consumir um produto de Páscoa, mais voltado para o recheio que o chocolate propriamente dito. É uma forma diferente de ver.
Como surgiu essa ideia do ovo no pote?
Liliane Costa Tizziany: Foram referências de cursos e pensando em alguns clientes que queriam muito provar alguns recheios de alguns produtos. No início, desenvolvi um produto chamado de “Mistério de Ninho”, que era como se fosse o recheio de bolo, só que no pote. Isso fez com que eu adaptasse isso para a Páscoa, sem ser apenas o chocolate. Essa é a minha segunda Páscoa, mas que trabalharei com um número menor de produtos, pensando naquilo que vivenciei nos últimos anos.
Como escolheu os sabores para os ovos de colher?
Liliane Costa Tizziany: São sabores que estão no meu cardápio de bolo, como o brigadeiro crocante e o ovo brullé. Tenho usado essa oportunidade de mostrar o meu cardápio juntamente com o cardápio de Páscoa. Esses ovos de colher ainda contêm toda uma apresentação especial, proporcionam uma forma diferente de degustar e partilhar. Já o kit confeiteiro está presente desde a primeira Páscoa que trabalhei, que vem com um ovo, um brigadeiro bem cremoso, para que elas possam manusear e também decorar com confeitos. Neste ano eu ainda inclui uma surpresa, para ser uma forma de agregar às crianças.
O que o produtor artesanal tem de fazer de diferente para competir com grandes marcas e se destacar no mercado?
Liliane Costa Tizziany: É legal tocar nesse assunto. Nos primeiros anos fiz uma embalagem personalizada, voltada à Páscoa. Neste ano, são embalagens neutras. Dessa forma, não me causará perdas e impacto também ao cliente. Ele vai olhar meu Instagram e ver que é algo diferente do ano anterior. Tenho trazido isso com um laço diferente, com uma personalização voltada para o ano. Já as caixas são transparentes justamente para que o cliente veja o produto.
Consumidores se voltam mais aos chocolates artesanais?
Liliane Costa Tizziany: Acho que a visão de muitos clientes mudou. A valorização do produto artesanal aumentou bastante. Óbvio que ainda haverá clientes que acabam optando pelos produtos das grandes marcas, quando as crianças acabam pedindo um determinado ovo. Porém, a preferência pelo produto artesanal está voltada também ao atendimento e qualidade dos produtos que usamos, entre outros fatores. Os produtores artesanais precisam se organizar, sobretudo financeiramente, para investir e entregar a melhor qualidade possível. Acho que ainda não temos o potencial para sermos referência em chocolates.
O que a Páscoa representa no seu trabalho no ano?
Liliane Costa Tizziany: A representatividade da Páscoa é grande, mas neste ano acabou ficando um pouco saturado, porque são muitas pessoas trabalhando nessa área. A Páscoa acaba sendo o carro-chefe para muitas confeiteiras como eu, mas também uma forma de mostrar meu trabalho e meus produtos que faço ao longo do ano.