Do hobby que se tornou profissão, arrebatando quase 500 mil seguidores na internet, eles se transformaram em empreendedores e hoje mantêm uma loja das ferramentas que criam
Somando todas as redes sociais do Canal Empoeirados, são quase 500 mil seguidores. Apenas no Youtube, a principal plataforma utilizada, são quase 250 mil inscritos. Todos buscam aprender a trabalhar com madeira, fazendo móveis, brinquedos e decorações.
Quando tudo começou, os publicitários saltenses Luciano Padreca e Leandro Causo não imaginavam que chegariam nesse patamar, mas, com o passar do tempo, viram que o que era apenas uma forma de distração, poderia se transformar na principal ocupação de ambos e foi o que aconteceu. “Não tínhamos um objetivo comercial com o canal. Mas, pouco a pouco, fomos ganhando seguidores. Eu não sei nem dizer o que fizemos para conseguir tantos inscritos. Eu acho que foi o vídeo certo, na hora certa. Quando tivemos 10 mil inscritos eu achei o máximo”, disse Leandro.
A dupla não gosta de ser considerada influenciadora, já que o objetivo inicial, e que permanece até hoje, é transmitir conteúdo, dar dicas e praticar o DIY (termo inglês para Do It Yourself, ou, no português, Faça Você Mesmo) que aprenderam sozinhos ao longo do tempo. “É uma sensação boa de poder passar um pouco do conhecimento e de informação. É bacana, porque você pode mudar a vida de uma pessoa, mesmo que seja uma pequena parcela”, falou Luciano.
Publicitários por formação, os dois ainda não têm a internet como principal fonte de renda. O ganha-pão de ambos é a loja de ferramentas, muitas delas que o público em geral ainda não conhece, mas que são muito utilizadas em outros países, sobretudo as de uso manual. Da experiência adquirida, eles criaram uma marca própria para as ferramentas que produzem. A Rivertools, além de tudo, homenageia a cidade de Salto, onde ambos nasceram e se consolidaram como referência no setor de marcenaria.
Confira a entrevista completa ao PRIMEIRAFEIRA abaixo.
Como começaram na marcenaria e como surgiu a ideia do canal?
Leandro Causo: Nos conhecemos desde mil novecentos e bolinha e começamos o Canal Empoeirados em 2013, porque gostávamos de marcenaria e queríamos ter um hobby. Desde moleque eu via meu pai mexendo com madeira, consertando as coisas em casa e sempre gostei de trabalhar com madeira, experimentar ferramentas etc. Até que tivemos a ideia de fazer um canal na internet. O canal era também uma desculpa às esposas para que pudéssemos nos reunir aos sábados sem reclamação e funcionou bem.
Luciano Padreca: Nós não somos marceneiros, somos hobistas. Nós tínhamos alguns hobbies, como andar de bicicleta, tocar alguns instrumentos, mas o Canal Empoeirados veio para suprir uma carência que tínhamos de poder fazer algum trabalho manual, praticando a marcenaria e passar nosso conhecimento para quem não conhece e de forma didática e bem-humorada. O planejamento para criar o canal começou ainda em 2012, numa época em que não existia todo esse monte de canais que tem hoje. Era até mesmo difícil fazer as postagens e divulgar. Naquela época havia apenas uns dois canais específicos dessa área e eram poucos os vídeos de “Faça Você Mesmo” em português. A grande maioria eram canais americanos ou canadenses, que nos influenciaram bastante na forma de produzirmos o conteúdo. Como somos da área de publicidade, pegamos toda bagagem que tínhamos e trouxemos para o canal, com vídeos que possuem boa imagem e bom som. Mas só isso não basta. O principal é o conteúdo. Não adianta ter o melhor equipamento se a mensagem não é bacana. E depois do canal, montamos a loja. Podemos dizer que fizemos o caminho contrário de muitos, que começam com a loja e depois criam um canal na internet.
E como surgiu a loja do Empoeirados?
Luciano Padreca: Não tínhamos nenhuma ideia de criar uma loja de ferramentas, embora sempre falássemos, desde o tempo em que trabalhávamos com publicidade sobre essa ideia. Começamos a fazer os vídeos e gostávamos de usar ferramentas diferentes, uma delas é o serrote japonês. Usávamos nos vídeos e os viewers perguntavam sobre ela. Naquela época não era tão fácil a compra do exterior e havia essa carência de ferramentas importadas. Então decidimos abrir a loja. Mas, daquele jeito, nós tocávamos a loja em paralelo ao nosso trabalho formal que tínhamos. Em 2015 inauguramos a loja com 12 tipos de produtos e umas 40 peças ao todo, no dia 28 de dezembro. E em duas semanas vendemos o estoque todo. Não era muita coisa, é verdade, mas nos fez olhar como uma oportunidade. E, pouco a pouco, começamos a estruturá-la.
E quando o canal e a loja passaram a ser prioridade para vocês?
Luciano Padreca: Eu era um empresário e tinha total liberdade de horário, já o Leandro acabou saindo da empresa em que trabalhava e acertamos um salário para ele focar suas atenções na loja. Assim ficamos de 2016 até 2020, quando veio a pandemia. E podemos dizer que, em termos de negócio, a pandemia foi muito boa para nós. Estávamos na hora certa, no lugar certo e com estoque. Os dois primeiros meses deixaram a todos assustados, mas nos meses seguintes a loja explodiu de vender. O boom da pandemia passou, mas nos mantivemos estabilizados em 2022 e 2023, tanto que a loja é o nosso ganha-pão atualmente.
Vocês imaginavam chegar a esse patamar de audiência que têm hoje no Youtube, por exemplo?
Leandro Causo: Não tínhamos um objetivo comercial com o canal. Mas, pouco a pouco, fomos ganhando seguidores. Eu não sei nem dizer o que fizemos para conseguir tantos inscritos. Eu acho que foi o vídeo certo na hora certa. Quando chegamos a 10 mil inscritos eu achei o máximo. Eu trabalhei com eventos e sabia o quanto era difícil atingir 10 mil pessoas. Depois esse número foi para 20 mil, 30 mil, 50 mil e não parava de subir.
E hoje vocês recebem convites de marcas para divulgação?
Luciano Padreca: É natural que, conforme vamos nos destacando na internet, as empresas comecem a aparecer. Vieram pedir nossos vídeos marcas como Tigre, Starret, Irving, Le Grand, entre outras. Mas tudo isso ainda quando mantínhamos o canal apenas aos finais de semana. Essas marcas surgiram, porque, lá no começo, a ideia do “Faça Você Mesmo” era mostrar como fazer nas áreas de elétrica e hidráulica, mas começamos a perceber que os vídeos que mais bombavam eram os que envolviam a marcenaria. Foi então que decidimos focar e segmentar o canal. Infelizmente, muitas pessoas nos criticam por fazer esse merchandising, mas faz parte do jogo. Se uma empresa nos procura para divulgar um produto, nós vamos ensinar a pessoa a fazer um objeto e vamos falar do cliente e do produto. Se não fizermos isso, não sobrevivemos.
Como lidam com a fama que ganharam na área da marcenaria?
Leandro Causo: Até hoje temos um pouco de vergonha. Íamos nas feiras e nos eventos e o pessoal vinha conversar conosco, dizendo que nos conheciam, que viam nossos vídeos. Uma história engraçada ocorreu quando estávamos no Rio Grande do Sul, num restaurante, e uns caras ficavam olhando para nós. De repente eles se levantaram e vieram falar com a gente, dizendo que nos acompanhavam. Até então eu estava assustado, pois não sabia se queriam nos bater ou se queriam nos cantar. Um desses caras disse que era professor do Senai e que utilizava nossos vídeos em aula. Foi nessa hora que vimos o quão importante estavam sendo nossos vídeos e toda aquela trajetória.
Como é receber esse feedback dos seguidores?
Luciano Padreca: É uma sensação boa de poder passar um pouco de conhecimento e de informação. É bacana, porque você pode mudar a vida de uma pessoa, mesmo que seja uma pequena parcela da vida dela. Na pandemia teve muito disso. Pessoas que talvez tivessem só uma ideia, passaram a fazer produtos, a vender e até a participar de feiras de artesão. É algo que não sabemos nem mensurar o quanto possamos ter ajudado outras pessoas.
Por que acreditam que a marcenaria rendeu tamanho sucesso a vocês, se ela não é tão popular?
Leandro Causo: Eu costumo falar que a marcenaria é uma terapia. Alguns psicólogos, inclusive, quando vão sugerir algum hobby, sugerem a marcenaria. A marcenaria tem esse apelo terapêutico. Alguns vem mostrar as peças que fizeram, inspirados pelos vídeos, e mesmo a peça ainda estando bem irregular, a pessoa está superfeliz de ter conseguido. Então, ele começa a evoluir daí. A marcenaria é algo mais acessível. Dá para a pessoa trabalhar num apartamento, num cantinho que tenha, é um trabalho que não faz barulho, exige poucas ferramentas.
E qual vídeo deu mais prazer para vocês fazerem?
Leandro Causo: Eu gosto muito de um vídeo no qual construímos uma cadeira adirondack. Foi um vídeo que fizemos com bastante carinho e o qual criamos o projeto do começo ao fim. Outro vídeo que fizemos foi de uma catapulta e uma besta (espécie de lança flecha). Me marcou bastante, porque o projeto desse brinquedo estava num livro do meu pai. Eu sempre pedi para ele e ele nunca fez. Aí, me lembrei, fiz e ficou legal pra caramba.
Luciano Padreca: Eu nunca parei para pensar nisso. Não tenho um favorito. Eu gosto de vídeos que têm o passo a passo, como se fosse um curso, mas gosto também das videoaulas. Se for para escolher um, talvez ficasse com o primeiro vídeo.
Vocês prezam bastante pela utilização de materiais reaproveitáveis. Qual a importância desse reaproveitamento?
Luciano Padreca: Madeira hoje é um material escasso. A peroba-rosa quase não acha mais, por exemplo. São madeiras boas e duráveis que muitas pessoas jogam fora. Nessa área, os profissionais ficam loucos quando veem uma caçamba para ver se acham algo. É algo que está no sangue da minha família. Somos meio sucateiros. Mas é importante reaproveitar. É algo importante até para o meio ambiente. Temos uma consciência do valor e da dificuldade de encontrar os materiais.
Quais ferramentas ou equipamentos são mais procurados na loja de vocês desde o início do funcionamento dela?
Leandro Causo: O serrote japonês é um dos mais procurados e muitos já associaram ele à nossa marca. Mas tem vários outros itens, como plainas, esquadros etc. Curiosamente, o pessoal da empresa fabricante desse serrote já veio nos visitar aqui em Salto. Eles conheceram nosso trabalho e a utilização das ferramentas deles. Vieram do Japão sem sequer saber falar português. Alguns japoneses, inclusive, já nos reconheceram quando participamos de uma feira nos Estados Unidos.
E vocês já possuem uma linha própria de produtos?
Luciano Padreca: Sim. Criamos ela há uns dois anos, chamada Rivertools, em homenagem ao Rio Tietê. Até a logomarca simula uma cascata. É uma marca nossa, para a qual desenvolvemos os produtos, mandamos produzir e colocamos a marca. Outros, importamos, testamos e colocamos a marca. São produtos que passaram pelo aval meu e do Leandro.
O que a marcenaria representa para vocês?
Leandro Causo: Eu gosto muito. Visito feiras e eventos e a cada vez vejo coisas novas e acabo me impressionando mais. Pareço uma criança vendo essas novidades. É uma indústria dinâmica e criativa, que ainda tem muito a crescer.
Luciano Padreca: Além de ser um mercado interessante, fazemos muitos amigos. Temos contato com os hobistas, com os fabricantes, com expositores, por exemplo. Mas, a marcenaria foi um hobby que se tornou profissão, não como marceneiro, mas como empreendedor e gerador de conteúdo.