Pra mim, talvez vá ser sempre o cheiro. Fugaz, volúvel, se perde no tempo. Não sei guardar o aroma na memória. Não sei deixá-lo na roupa pra sempre. A casa vai deixando-o escapar pelas frestas. O perfume se perde e a lembrança desaparece, dançando com o vento.
Às vezes, ele brinca de aparecer. Fumaça-menina de passado espreita, abraça a narina e traz a memória na mesma intensidade que foi, um sopro de clareza, transporta a alma e se esgueira, na mesma velocidade. Olfato.
Depois vem a visão. Embaça a lembrança. Esqueço tão fácil dos contornos do seu rosto. Me fogem as linhas que te fazem e arrepio pensando, temendo, te ver na rua um dia e não reconhecer seus traços. Qual era o tom do verde nos seus olhos?
Não vejo mais suas sardas, suas covinhas, sua marca de nascença, sua cicatriz, sua estria. Procuro, forte, nos cantos do meu eu. Procuro tua sombra, mas só acho breu. Como deixei-me te esquecer, te perder na memória, virar borrão, disforme figura. Visão.
Se perde o som em seguida. Onda mecânica, desvaira a lembrança. Não lembro da voz, da fala rápida, ríspida, engasgada. Não lembro da risada, da respiração taquicardíaca, do silêncio-grito, das melodias murmuradas, do bom dia, do sotaque, do soluço, do andar-prenúncio que anuncia a chegada.
Perco o som e perco a cabeça. Grito timpânico, vibra tambor, mas não recordo a entonação que me falaram te amo; olvido e desmonto. Audição.
Qual o gosto daquela memória? O sabor da comida de infância é que se vai logo. Me faço saborear o passado e me transporto. Mas o gosto se engole, digere, se perde.
Não lembro como sentia, só lembro que gostei um dia. E temo tanto, vó minha, esquecer o gosto do seu almoço. Paladar.
Sobra então só o toque. Abraço é eterno. Colo não esqueço. Fecho o olho e vem seu beijo. Roçar de dedos. Percussão. A pele enrugada do meu avô. Lábios na testa, no couro no nariz. O peso daquele bebê que segurei.
O mar, a areia, o grude do protetor, na pele mormaço e ardor. Não ouço, mas sinto seu soluço no meu peito. A dor, a batida, a adrenalina, a arritmia. Me fecho na concha-casulo de você e recordo como se fosse a primeira vez que senti.
Massageio as têmporas da minha memória e vem, disparado, o arrepio que veio outrora. Pois pra mim é o sentir, toque-energia, a lembrança que fica mais tempo. Até que afoga e deságua lento. Tato.