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Referência no jiu-jítsu de Salto, a multicampeã Mariana Magalhães se realiza dando aulas para crianças

Ela é dona da única academia da região a manter aulas babyclass (para alunos de 2 a 4 anos), mas ainda mantém a carreira de atleta e acaba de conquistar a medalha de prata no Campeonato Mundial

Mariana Magalhães é oito vezes campeã paulista, tricampeã brasileira, três vezes campeã panamericana, três vezes campeã do Big Wars (competição da modalidade) e quatro vezes vice-campeã mundial, entre outros tantos títulos conquistados em 20 anos de prática do jiu-jítsu, mas é com o trabalho voltado à formação da criançada que ela mais se realiza hoje e é ele que a tornou referência quando se fala na modalidade em Salto e em cidades vizinhas.
Dona de uma academia, que é a única na região a dar aulas babyclass (para alunos com idades entre 2 e 4 anos), ela tem mais de 150 crianças como alunos matriculados que praticam a modalidade. Também dá aulas em colégios particulares da cidade e faz palestras em empresas e instituições e é árbitra internacional. Ela só não dá mais aulas por falta de tempo, já que precisa conciliar com a vida de atleta, que mantém ativa e firme mesmo com as aulas.
Prova disso é que Mariana voltou dos Estados Unidos recentemente com mais uma medalha de prata da competição, a quarta da carreira. Esse é o único título importante que ainda não tem. Mesmo com a derrota na final, ela não desiste e a experiência que trouxe na bagagem serve para transmitir aos alunos. “Ensinar a disciplina é a primeira lição”, diz. Sem ela, nenhum atleta consegue se firmar e se manter no esporte e vale para a vida, segundo a atleta que conta com o apoio da TRM Energy, CMM Advocacia e Recover Farma.
A paixão por ensinar e pelo jiu-jítsu tornou a atleta muito popular na cidade. “Graças a Deus eu tenho meu nome consolidado. Fico superfeliz quando alguém me reconhece. Hoje vou ao supermercado e não consigo sair. Esses dias eu saí de uma loja e entrei na outra e as pessoas não paravam de falar comigo. Eu não consigo negar atenção a uma pessoa”, conta. Durante o desfile da Independência, na maioria das instituições que desfilaram havia alunos dela.
Confira a entrevista na íntegra abaixo.

O esporte é capaz de mudar vidas?
Mariana Magalhães:
Um professor da academia em que treino, em Itu, voltou recentemente de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde é chefe das bases armadas e dá aulas para militares da região. Ele veio de Santos, assim como eu. Éramos de um lugar em que todas as pessoas conhecidas nossas morreram ou estão presas. E ele era um dos próximos nessa condição, mas conheceu o jiu-jítsu e isto salvou a vida dele. Eu tenho certeza. Ele até comentou que nem acredita em tudo o que conquistou com o esporte. Hoje tem uma família estruturada, qualidade de vida e saúde financeira. O jiu-jítsu pode salvar das drogas e da depressão. Aqui mesmo, tenho um aluno paraplégico. Na primeira vez que ele chegou, não sabia o que fazer com ele, mas aceitei o desafio e hoje ele é campeão paulista, campeão sul-americano e, especialmente, gosta da modalidade. O jiu-jítsu é para todos, basta ter um pouquinho de paciência.

Fale um pouco sobre como foi para você começar no mundo da luta por meio desse esporte?
Mariana Magalhães:
Eu comecei nas artes marciais desde criança. Comecei no karatê, depois passei pela capoeira, onde pratiquei até os 18 anos. Logo depois eu conheci o jiu-jítsu e me apaixonei. O começo foi difícil, pois o esporte ainda não tinha muitas mulheres praticantes, mas continuei e esse ano completo 20 anos na modalidade. Hoje eu sou oito vezes campeã paulista, tricampeã brasileira, três vezes campeã panamericana, três vezes campeã do Big Wars (competição da modalidade) e quatro vezes vice-campeã mundial, entre outros tantos títulos. O principal deles, porém, é o trabalho que faço hoje voltado para a formação da criançada.

Como você começou a dar aulas de jiu-jítsu?
Mariana Magalhães:
Eu sou professora de Educação Física. Entrei na faculdade num curso que era minha única escolha. Sempre pratiquei esportes e sempre gostei de todas as modalidades. Além disso, sempre trabalhei com crianças, sobretudo com aulas de natação. Mas, com o nascimento de minha filha, acabei deixando um pouco de lado as atividades como professora. Assim que recebi a faixa marrom, decidi que queria dar aulas de jiu-jítsu, focado no público infantil. Aliás, sou a única professora na região com aulas babyclass (de 2 a 4 anos). Pouco a pouco foi dando certo e hoje tenho em minha academia mais de 150 crianças que praticam a modalidade, dou aulas em colégios particulares da cidade e só não dou mais aulas porque não encontro tempo, já que preciso conciliar com minha vida de atleta. Não fosse isso, adoraria dar aulas o dia inteiro para um monte de crianças.

Por falar em conciliar a vida de atleta, você acaba de voltar com a prata do Mundial. O que mudaria se tivesse voltado campeã?
Mariana Magalhães:
Voltei vice-campeã, mas, se tivesse voltado campeã, não mudaria nada. Eu continuaria trabalhando, levando minha filha na escola. E eu também não preciso provar nada para ninguém. Hoje eu sou a quarta colocada no ranking mundial e, pessoalmente, o grande desafio é chegar aonde tenho chegado. Eu olho para minhas quatro medalhas de vice-campeã e sei que estou tentando. Eu entendo que é um processo que tenho de passar e entendo que logo serei campeã mundial e então terei algum novo desafio pela frente. Eu esperava ter conquistado o título mundial neste ano. É o único que me falta. Agora, a meta é para o ano que vem ir buscar esse mundial. Eu já comecei minha preparação, após ter me recuperado de um problema médico que tive justamente em Las Vegas (EUA), durante a disputa do mundial deste ano.

Você já sofreu algum tipo de preconceito por ser mulher praticante de jiu-jítsu, que é tido como um esporte de homem?
Mariana Magalhães:
Já sofri e sofro até hoje. Eu sofri muito quando comecei. O preconceito partiu até de quem estava ao meu lado, no caso o meu namorado na época, que precisei ‘mandar andar’ por isso. A maioria das pessoas dizia quando olhava para mim: ‘essa menina não vai longe’. Para se ter uma ideia, enquanto os homens levavam de um a dois anos para trocar de faixa, eu fiquei quatro anos na faixa branca (primeira faixa nas modalidades de luta). Era uma espécie de teste para mim. Assim foi com quase todas as faixas, mas eu sempre continuei, e um dos motivos que me levaram a não desistir foi querer mostrar para essas pessoas que eu conseguiria. Ao mesmo tempo que me tornei faixa preta, também me tornei árbitra e a situação foi idêntica. Eu tive de fazer mais cursos do que o normal. Não me chamavam para arbitrar. Até que um dia eu cheguei nos responsáveis e falei que queria mostrar minha capacidade. Então recebi essa chance e hoje sou árbitra da Federação Paulista, da Confederação Brasileira de Jiu-Jítsu e desde agosto, no mundial, me tornei árbitra internacional também.

Você aconselharia o jiu-jítsu para as mulheres também como uma forma de defesa pessoal pelas técnicas utilizadas?
Mariana Magalhães:
Nas palestras que ministro em algumas empresas para onde sou convidada, eu sempre digo que o jiu-jítsu é para a mulher sim. Toda mulher deveria aprender o jiu-jítsu. Não precisa ser para competição, mas principalmente para a defesa pessoal. O que vemos de casos de ataques a mulheres. Com o mínimo de técnicas de defesa pessoal que ela aprendesse, iria se livrar de passar por muitas situações como essas.

Ao longo do tempo, você já enfrentou alguma situação em que precisou utilizar as suas habilidades como lutadora?
Mariana Magalhães:
Eu nunca precisei utilizar, mas sou louca para ver o que aconteceria. Eu tenho uma habilidade até maior do que a do jiu-jítsu, já que meu marido é professor de kickboxing. Aliás, antes do jiu-jítsu eu era muito briguenta, mas o esporte acabou me salvando também nessa parte. Essa fúria de querer brigar eu levei para a competição e acabou dando certo.

Quando vão matricular os filhos, os pais ainda julgam as artes marciais, não só o jiu-jítsu, como um esporte violento?
Mariana Magalhães:
Hoje tem bem menos esse preconceito. Muitos vêm aqui por já conhecerem o meu trabalho, mas quase todos os alunos novos que vêm até aqui não são nada bonzinhos. É o que briga na escola, o que não tem disciplina, o que não obedece. Então, eu faço uma troca com eles. Como temos a graduação através das faixas, se eles não melhorarem na escola, não obedecerem aos pais, não seguirem um caminho de disciplina como um atleta deve seguir, eles não ganham a faixa. Ensinar a disciplina é a primeira lição. E é disso que os pais mais gostam. Dou uns gritos aqui que alguns pais ficam até assustados. Ainda assim, é difícil. Muitas crianças acabam sendo criadas numa bolha e quando chegam aqui até choram. Porém, o resultado quase sempre é ótimo. Eu ensino os alunos a darem um mata-leão (um dos golpes mais importantes utilizados nas lutas) só que digo que eles não podem fazer isso em qualquer lugar ou a qualquer momento. Mais do que isso, os alunos aprendem a se defender, ficam autoconfiantes, conseguem lidar com situações de bullying com muita facilidade. E isso é melhor que qualquer medalha. Receber uma mensagem de uma mãe ou de um pai falando que viram melhora nos filhos, não tem preço.

Você se tornou uma pessoa muito popular por causa dessa atividade, não é? Como administra isso no dia a dia?
Mariana Magalhães:
Graças a Deus eu tenho meu nome consolidado. Fico superfeliz quando alguém me reconhece. Hoje vou ao supermercado e não consigo sair. Esses dias eu saí de uma loja e entrei na outra e as pessoas não paravam de falar comigo. Eu não consigo negar atenção a uma pessoa. Se alguém chegar em mim, vou dar toda a atenção que eu puder sempre. Durante o desfile da Independência foram vários pedidos para que eu desfilasse. Eu não desfilei, mas na rua muitos me parabenizavam e isso para mim é gratidão. É um fruto do esforço de 20 anos de dedicação. De ter de deixar minha filha e minha família para fazer as viagens.

E como você consegue conciliar essa rotina de atleta, professora e ainda de mãe e esposa ao longo do ano todo?
Mariana Magalhães:
Meu marido trabalha em casa, então temos o papel trocado. Muitas pessoas até me questionam sobre ele não trabalhar fora de casa. Mas eu só consigo ter essa rotina, porque ele é meu suporte. Ele está sempre aqui na academia arrumando e limpando, prepara minha alimentação. E ele ajuda minha filha na lição de casa. São escolhas que fazemos e essa foi uma que deu certo. Mas eu só sou o que sou por causa dele.

Você acha que a Educação deveria investir em trazer modalidades de artes marciais para transmitir para as crianças nas escolas?
Mariana Magalhães:
Esse ano eu visitei umas seis unidades dos Cemus para falar um pouco do esporte e da minha trajetória. Eu deveria ficar uma hora, mas acabo ficando três, quatro horas, dou aula, falo com eles. Eu pretendo, em breve, entrar com um pedido para ter aulas de jiu-jítsu nas escolas municipais, associadas à Educação. Já tenho um projeto no qual eu quero capacitar professores para essas aulas.

Nesse tempo todo dando aulas e atuando como atleta e defensora do jiu-jítsu, qual história mais te chamou atenção?
Mariana Magalhães:
Logo que eu abri a turma de babyclass, chegou uma mãe falando que o filho tinha problema de socialização tanto com amigos quanto com a família. Ela pediu uma aula particular, porque acreditava que o filho não participaria de uma atividade em grupo. Eu acabei insistindo para que ela o trouxesse na aula em grupo e, de fato, o que ela temia aconteceu. Ele não desceu do carro. Resolvi então começar a aula particular com ele. Nas primeiras aulas, ele sequer queria colocar o kimono. Foram seis meses até colocar o kimono. Mas, hoje, técnicas que outros alunos levam de seis meses a um ano para aprender, ele aprendeu em três meses. Quando ele começou a fazer aulas em turma, a mãe ficou extremamente feliz. Deu muito certo. Hoje está na turma, vai bem na escola e se socializa com todo mundo. É um troféu.

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