Cidades

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Um livro necessário, uma crítica necessária

O livro “A geração ansiosa”, de Jonathan Haidt, trata de um assunto que deveria ser objeto de nossas preocupações de maneira urgente: o efeito das redes sociais sobre o comportamento, sobretudo de crianças e adolescentes.

Ele é construído na base de muita pesquisa própria do autor e sua equipe e de muito diálogo com outros pesquisadores (inclusive com os que discordam das conclusões de Haidt). É convincente ao mostrar que o aumento nos casos de problemas como ansiedade e depressão está intimamente relacionado com a possibilidade de acessar as redes sociais nos celulares.

Haidt afirma haver uma diferença decisiva na formação das crianças de antes e depois da adoção de celulares com internet, que ele chama de “infância baseada no brincar” e “infância baseada no celular”. São quatro as características contrastantes entre uma e outra: na primeira, relacionamentos corporificados, síncronos, de um para um ou alguns, com alto custo de entrada e saída; na segunda, relacionamentos descorporificados, assíncronos, de um para muitos, sem custo de entrada e saída. Vale demais a leitura.

A crítica se faz necessária, no entanto, quando Haidt, no final do livro, ao propor medidas para mudar o atual cenário, diz que se agirmos juntos “será muito fácil” encontrar uma solução. Falta uma dimensão social mais ampla na abordagem de Haidt, o que o levaria a duvidar dessa facilidade.

É preciso situar a tecnologia como um todo no tipo de sociedade que vivemos atualmente. Deixamos o período do capitalismo produtivo, baseado na acumulação a partir da indústria, para o capitalismo financeiro, em que a acumulação se dá sobretudo por transações financeiras, as quais necessitam da velocidade proporcionada pelas tecnologias de informação e transmissão de dados. O dinheiro não é mais papel, mas números em telas. Enquanto discutirmos a tecnologia como se ela estivesse separada da forma mesmo como a sociedade organiza seu modo de produção, vamos continuar achando que os problemas são localizados, quando, na verdade, fazem parte de um todo.

O acrônimo GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) revela quem controla o universo da internet, mas esse universo não seria como é se não estivesse intimamente ligado ao capitalismo de plataforma, que é a marca de nosso atual estágio de desenvolvimento. Sem questionar o estilo de vida proveniente desse tipo de organização social, vamos apontar os problemas de forma isolada. Tudo está sob questionamento hoje em dia, mas procurar um modo de produção outro que não o capitalismo (que só é “ismo” porque tem como finalidade crescer indefinidamente, arrasando com a natureza) parece coisa de lunático (acho que Fredric Jameson é quem disse que “é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo”). Sem imaginar esse fim, no entanto, vamos nos ver à volta com medidas paliativas quanto aos grandes problemas que afetam nossas vidas hoje em dia. A tecnologia é apenas um deles.

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