Proposta trabalha a explicação dos livros em sala de aula e depois complementa com a leitura deles na biblioteca da escola; há também outro projeto que trabalha a produção literária
Professores da Escola Estadual Paula Santos, umas das mais tradicionais e antigas de Salto, estão alcançando bons resultados com um projeto do início do ano que incentiva a leitura em todos os alunos de todas as turmas matriculadas na unidade.
A atividade é desenvolvida em sala de aula, nas aulas de português e de história, com a explicação das obras e complementada na Sala de Leitura da escola, que fica em uma biblioteca com 23 mil títulos, entre eles diversas obras de escritores saltenses, como Ettore Liberalesso, Cynara e Valter Lenzi e até mesmo do editor responsável pelo PRIMEIRAFEIRA, o escritor Eloy de Oliveira, onde os alunos fazem a leitura das obras discutidas.
Além desse projeto, os professores trabalham outro denominado de “Escritores do Futuro”, com o qual estudam toda a produção de um livro, desde a concepção da ideia até a impressão em gráfica. Esse projeto reúne textos de diversos gêneros produzidos por alunos do 6º ao 9º ano e que agora se tornarão um livro.
As professoras Eliana Reis, de Língua Portuguesa do 7° ano; Bárbara Simão, professora coordenadora (PCA) de Códigos e Linguagens e professora de Língua Portuguesa do 6° ano; e Lázara Simão, professora de História, que atualmente é a responsável pela sala de leitura da escola, coordenam o projeto de incentivo à leitura.
Elas conversaram com o PRIMEIRAFEIRA nesta semana para explicar sobre os projetos desenvolvidos pela escola, a importância da leitura na vida dos estudantes, além de darem dicas de como incentivar cada vez mais a leitura em crianças e adolescentes.
Juntam-se às três as também professoras de Língua Portuguesa, Valdirene Ferreira da Silva, dos 9° anos, e Lilian Martins Nogueira, dos 8° anos, no projeto de incentivo à leitura, e os professores José Antônio, Eliana Reis, Lilian Martins Nogueira, Bárbara Simão e Valdirene Ferreira da Silva (todos da disciplina de Língua Portuguesa) e Flávia Maria da Silva e Wagner Brito de Jesus (estes da disciplina de Tecnologia) no projeto “Escritores do Futuro”.
A diretora da escola, que apoia e incentiva os projetos, é Antônia Aparecida Teodora, a Cidinha.
Abaixo a íntegra da entrevista.
Desde quando a escola possui essa sala de leitura?
Lázara Simão: A biblioteca é bem antiga. Data de 1978. Mas esse espaço em que estamos agora é mais recente. A sala de leitura ficava em outro espaço. Durante as últimas décadas, ela foi realocada para este espaço.
Quantas obras a escola possui aqui?
Lázara Simão: Temos por volta de 23 mil obras, inclusive temos diversas obras de escritores saltenses, como o Eloy de Oliveira, Ettore Liberalesso, Cynara Lenzi, Marcelo Salete, Valter Lenzi.
Qual a importância de ter em acervo essas obras de escritores saltenses e como isso contribui para a cultura saltense?
Lázara Simão: A professora Eliana, juntamente com a professora Bárbara, que é PCA Códigos e Linguagens, organiza as leituras semanais e é um tema a cada 15 dias. Elas trabalham bastante a história de Salto com os alunos.
Eliana Reis: Trabalho obras de escritores saltenses até mesmo para os alunos terem conhecimento de que a cidade também tem escritores e tem até mesmo uma Academia (a Academia Saltense de Letras), que, para eles, foi uma novidade. Quando eles ficaram sabendo, ficaram questionando o que era uma Academia, como surgiu e eles gostaram porque é algo novo e diferente do que eles já viram. Para eles, é enriquecedor você valorizar a sua cidade. A maioria deles nasceu aqui, são saltenses, e conhecer a história de onde você nasceu é bom para que você tenha pertencimento.
Como funciona esse projeto de leitura com os alunos?
Eliana Reis: A cada bimestre eu trabalho um livro diferente com os alunos e dentro daquela leitura é feito um trabalho ou oralizado, quando fazemos uma roda de conversa, ou de perguntas e respostas, ou até mesmo de ilustrações. Dessa forma vai surgindo interesse por parte dos alunos. Sabemos que não é de 100%. Não vamos alcançar todos, mas conseguimos um bom resultado.
E como conseguir influenciar crianças e adolescentes a criarem o hábito da leitura em um mundo com tanta informação?
Eliana Reis: Nunca trabalho com 100%. Trabalho com uma porcentagem e vejo que, por mais que eu não alcance os 100%, em algum momento aquele aluno irá se deparar com um assunto e lembrar que foi comentado pela professora, ou que determinado assunto é tratado em um livro da cidade dele. Na aula de leitura, que acontece uma vez por semana e com todas as salas, os alunos vêm para a sala de leitura exclusivamente para ler e pedimos para eles nem trazerem os celulares para não se distraírem. É o momento do livro. Falo para eles que toda essa atenção que eles têm com o celular hoje, há um tempo era com um livro. Tínhamos todo um cuidado com os livros. Esses dias estava contando para eles sobre o livro “O Pequeno Príncipe”, que já tem mais de 80 anos, e Alice no País das Maravilhas, que já tem mais de 150 anos, e eles ficaram maravilhados e dizendo que os livros têm palavras e contextos que fazem muito sentido ainda hoje em dia.
Quais outras obras também chamaram a atenção dos alunos?
Eliana Reis: Trabalhei com eles também uma obra que retrata a Revolução Francesa e que foi adaptada pelo Walcyr Carrasco, “Os Miseráveis”, e eles amaram trabalhar essa obra. Chegamos a achar que seria pesado, mas foi leve e tivemos muitos comentários positivos deles. Muitos perguntam se hoje em dia as crianças ainda se interessam pela leitura e sim, se interessam. Só é preciso incentivar, apresentar as obras e eles despertam o interesse. Esses dias comentei sobre a obra “Dom Casmurro” e um aluno veio até a biblioteca para emprestar o livro, porque se interessou e queria saber mais da história. Nós temos um acervo também de diversas obras em histórias em quadrinhos. Aconselhei que ele lesse a história em quadrinhos, porque como ele é aluno do 7° ano, seria uma leitura mais leve. Ele veio ler esse livro e logo se interessou por outros também. Isso já é muito gratificante, porque quando você alcança três ou quatro alunos já faz diferença. O outro pode até não ler, mas ouviu ele comentando sobre. Outros se interessam pela história de “Dom Quixote” e alguns alunos se interessaram e vieram buscar o livro para ler, inclusive em história de quadrinhos, que, por ter as imagens, chama mais a atenção dos alunos. Nesse mundo de tecnologia os alunos precisam ser estimulados diariamente. A escola sempre contou com o incentivo à leitura.
Como funcionam essas aulas de leitura?
Bárbara Simão: Toda professora tem seis aulas por semana com cada turma, uma delas é exclusiva para leitura. Nas outras cinco as professoras dividem entre texto, gramática e outras vertentes. Todas as professoras fazem esse trabalho, mas o trabalho da professora Eliana tem se destacado tanto que as turmas dela, que são os três 7º anos são as turmas que estão em um nível mais alto de retirada de livros. Nessa estatística não contam as leituras que são feitas em aula. Ela abrange só quando o aluno vem aqui e retira com a professora Lázara. Existe essa estatística e algumas turmas estão com um índice bem baixo dessa retirada de livros, mas as turmas da professora Eliana não. Elas têm um índice bem discrepante das outras turmas. Ela está trabalhando de uma forma que tem trazido mais resultados quando o aluno tem que exercer autonomia. Não que as outras professoras não estejam trabalhando. Elas trabalham também, mas cada uma tem uma metodologia. No 6° ano, por exemplo, eu deixo uma leitura livre. Os meus alunos escolhem o tipo de livro que vai ler. São livros diversos. Como é 6° ano, acho legal que eles possam escolher o que querem ler naquele momento. Ela, no 7° ano, já tem um direcionamento e fora da aula da leitura eles ficam livres para ler o que tem de interesse.
Como funciona a escolha desses livros pelos alunos?
Lázara Simão: Eu faço uma seleção. Costumo dizer aos alunos do 6º ano que onde a mão deles não alcança não é para eles, porque lá em cima são livros acadêmicos. Então é para professor. Depois temos mais para Ensino Médio, porque tem livros que os menores ainda não têm maturidade para ler.
Bárbara Simão: Geralmente o 6° ano gosta de livros como “Querido Diário Otário”, “Diário de um banana”. São leituras mais descomprometidas que as demais.
Os alunos costumam ler os livros que escolhem aqui ou os levam para lerem em casa, fora do ambiente escolar?
Lázara Simão: As duas coisas. Alguns levam para casa, outros leem aqui no horário do almoço. O meu horário de almoço é diferenciado do deles. Eles almoçam das 12h às 13h10. Sempre estou aqui esse horário para que eles possam vir ler. Cuido sozinha da sala de leitura. Sou professora de História, mas fui designada para a sala.
Vocês têm também um outro projeto em desenvolvimento aqui, o “Escritores do Futuro”, não é? Como ele funciona?
Eliana Reis: Não faço esse projeto sozinha. O professor Tony, de História, também participa. Ele me chamou no início do ano. A ideia inicial foi dele de produzir um livro com contos, poemas e outros gêneros. A ideia era ter uma coletânea que fosse produzida pelos alunos. Ao todo, são 19 textos e temos textos de alunos do 6° até do 9º ano. Inclusive o livro já está em período de impressão. A intenção é estimular a leitura e a escrita, porque você só melhora a escrita a partir da prática leitora. As professoras de Língua Portuguesa trabalharam gêneros diversos e os alunos produziram. Teve todo um início com uma apresentação do que é um livro, do seu formato. Depois tivemos a presença de escritores aqui na escola, inclusive os escritores da Academia. Tivemos a visita também do escritor Fábio Barreto, que é de Brasília. Agora o livro está pronto, vamos ter um dia de autógrafo. Cada aluno vai ganhar um livro e autografar para os seus responsáveis. Além disso, um livro ficará aqui na biblioteca também. Foi um projeto bem trabalhoso, mas é muito gratificante. Tivemos a participação também de alunos ilustradores, porque trabalhamos a ilustração dos livros também. Temos alunos muito bons aqui, verdadeiros artistas. Os textos são de gêneros diversos. Temos carta, poema, poesia, conto. Temos até um artigo de opinião sobre adoção. Tivemos a participação de todos. Em algum momento todos fizeram a produção. As professoras corrigiam os textos e depois escolhemos dois textos por sala. Aconteceu de algumas salas terem mais do que dois e algumas terem somente um, mas todas as salas têm pelo menos um texto participando.
Vocês percebem incentivo dos pais e responsáveis dos alunos para que eles tenham o hábito de ler?
Eliana Reis: Eu não posso dizer que não tem. Lógico que tem. Mas poderia ser bem mais. Temos pais que incentivam e até acompanham o livro que o filho está lendo. Como eu disse, não teremos 100%, mas um que faça isso já não é um nada.
Vocês pretendem desenvolver mais algum projeto?
Lázara Simão: Ano que vem pretendemos montar um projeto de vocabulário, porque é muito interessante. Algumas leituras são em voz alta e quando o aluno não entende alguma palavra, ele para a leitura e nos pergunta o que significa. Tanto no livro “Os Miseráveis”, como no “A Cor do Preconceito” que lemos recentemente, às vezes o aluno parava a leitura e perguntava o significado de certa palavra.
Eliana Reis: É muito bom termos uma professora de História aqui para ajudar com essas explicações, porque tem algumas palavras que são especificas, algum termo de História. Então eles aprendem muito com a leitura. Esse querer saber é muito interessante. Muitas vezes não é só um aluno que não entendeu a palavra, tanto que, quando vamos explicar, todos ficam olhando atentos na expectativa.
Algum desses momentos chamou mais a atenção de vocês?
Lázara Simão: Durante a leitura do livro “A Cor do Preconceito” uma aluna parou, porque tinha alguma fala em que o personagem chamava outra de “preta” e ela parou e perguntou se poderia falar aquilo. Explicamos para eles sobre o racismo, que ali era uma leitura e ela poderia falar, não estava ofendendo ninguém.
Eliana Reis: Foi interessante, porque foi exatamente em um momento em que estávamos com um problema muito sério de bullying naquela sala e já tínhamos conversado todos, nós, os professores e gestão e coordenação.
Bárbara Simão: Trabalhamos o livro “Face Oculta do Bullying e Cyberbullying” e nessa obra tem histórias terríveis de bullying e cyberbullying sobre crianças que são perseguidas na internet, filhos que desrespeitam os pais, crianças que sofrem gordofobia na escola e alunos que não obedecem aos pais e professores. Todas as turmas trabalharam esse livro. Ele é bastante tradicional, porque infelizmente o bullying ainda está muito presente hoje em dia. Quando chega no 6° ano é o primeiro livro que trabalhamos com os alunos para já irmos descontruindo essas questões de gordofobia, racismo, homofobia, misoginia.
Tem alguma história de algum aluno nesse projeto de leitura que chamou mais a atenção de vocês?
Lázara Simão: Tivemos um aluno, mas agora ele foi para outra escola, uma escola de meio período.
Eliana Reis: É um aluno que possuía muita dificuldade de leitura. Ele estava no 6° ano. Geralmente na hora do intervalo vínhamos aqui para observar os alunos, porque plantamos esse incentivo de leitura para eles e queremos ver o que vamos colher. Não é um processo que termina no fim ano. Temos um acompanhamento para ver se aquele projeto está dando certo. E esse aluno não sabia ler, mas um certo dia ele estava aqui na sala de leitura com um livro de história em quadrinhos. Ficamos em dúvida se ele estava mesmo lendo ou não. Fui até ele e perguntei se ele poderia ler o que estava escrito em um dos balõezinhos para mim e ele leu e continuou lendo, mesmo dentro da dificuldade dele. Quando chegou no quarto balãozinho, olhei para a Lázara e comemorei dizendo que ele estava lendo. Então todo trabalho feito com ele em sala de aula e na sala de leitura também teve um bom resultado.