O título acima é do livro de Carl Sagan, no qual ele discute afirmações que ganham espaço na sociedade, mas não têm qualquer amparo científico. Um dos casos tratados é o de ovnis; como ele escreve nos Estados Unidos, tem acesso a milhares de relatos de pessoas que teriam avistado discos voadores, sido abduzidas por seres de outras galáxias, tido encontros com extraterrestres de cabeça comprida e olhos sobressalentes. Não houve um relato, até hoje, que tenha resistido a um exame crítico, de modo que entram na conta de alucinações, confusões com balões meteorológicos, invenções puras e simples. Mas por que se continua falando de ovnis até hoje como se fosse esse um assunto com alguma seriedade? Porque é popular; atrai olhares e ouvidos curiosos; vende notícias; rende cliques e likes.
Contrapõe-se aos ovnis e demais casos de crendice e alucinação individual ou coletiva o procedimento científico. A ciência é um modo de acesso ao real que procura descrevê-lo, explicá-lo, entender seu funcionamento, sua constituição. Essa aproximação à realidade, quando feita a partir de parâmetros científicos, segue normas rígidas de atuação; é preciso oferecer descrições sobre o objeto em apreciação que tenham validade universal, ou seja, devem “funcionar” em qualquer lugar do planeta, independente das crenças individuais de cada um. Olhemos, no entanto, ao redor, para perceber que o que mais está à disposição das pessoas em geral não são as explicações científicas, mas as mistificações, os engodos, as opiniões individuais. A ciência não alcança o grande público por meio de veículos de comunicação de massa.
Isso fica evidente em um campo que abordo privilegiadamente nesse espaço, o campo da linguagem. O que “sabemos” sobre a linguagem não provém do que a ciência da linguagem, a linguística, diz, mas do que mais se fala na televisão, nos jornais, nas revistas e na internet. É verdade que nessa mesma internet podemos ter acesso a visões especializadas sobre o assunto, mas a oferta dessas últimas ainda é minoritária, e o senso comum tem uma força considerável, fazendo com que tenham mais repercussão aqueles que propagam o que mais ou menos sempre se disse.
Para voltar a Sagan, é de se perguntar o que mudaria na sociedade se houvesse uma divulgação em massa da ciência, de seus procedimentos, de suas conclusões. Se o mundo deixasse de ser “assombrado pelos demônios” para ser compreendido como o lugar em que os humanos, e só eles, interagem entre si e constroem, destroem, inventam, edificam, derrubam… Você tem uma resposta?