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A literatura (salvo engano) nunca foi tão importante

Lá pelo século XIX fomos convencidos de que ler literatura era importante. Ela nos daria um modelo ideal de língua – como devemos falar – e contribuiria para estampar o que nosso país tinha de único em relação à metrópole portuguesa, alimentando um certo ufanismo nativo. Essa ideia teve vida longa, adentrou o século XX e nele prosperou. Mas hoje não é possível sustentar essa concepção. A linguística mostrou o equívoco de se considerar a literatura como modelo da língua a ser falada, e o patriotismo, bem, o patriotismo parece se adequar cada vez melhor à velha fórmula: “é o último refúgio dos canalhas”…

Seria, então, o caso de pensar que a literatura perdeu definitivamente seu lugar, já que os elementos que a sustentavam na cultura ruíram ruidosamente? De forma alguma. É justamente no momento em que se pode ouvir o grito de que a literatura acabou que se deve afirmar seu triunfo, na medida em que, atualmente, é uma das atividades mais urgentes à vida do espírito, para usar esse termo que quer se referir de forma ampla à vida intelectual, à vida do pensamento.

Se não, vejamos: a prática da leitura de literatura é um contraponto eficaz à invasão da tecnologia em nosso cotidiano. Lá onde se tem o fragmento, ela oferece o conjunto; se a tela sugere a baixa complexidade, por conta de sua dinâmica e velocidade, a literatura pode ser um complexo semântico à espera de decifração; no ato da gratificação constante a que o cérebro tem se acostumado com as redes sociais, o desafio posto pela literatura é o de convidar o leitor a uma viagem que pode no fim das contas ser frustrante (não gostamos de todos os livros que lemos, de todos os destinos dados aos personagens, da conclusão de todos os enredos).

Assim, se considerarmos que nossos processos de subjetivação foram, até hoje, dependentes da interação de humanos com humanos, e não de humanos com máquinas, como está se tornando frequente com as novas gerações, a literatura vem ocupar em alguma medida o lugar desse outro significativo, que nos interpela, desafia, provoca à reflexão. Não para ocupar o lugar de outros humanos, mas para nos fazer, talvez, mais sensíveis a ele.

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