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A utopia da Educação 4.0 e o declínio do ensino e aprendizagem

O Brasil vive uma das piores crises da sua história; marcada por indubitáveis rupturas políticas, descrédito das ciências, mudanças climáticas, desigualdades sociais e para agravar, a destruição em massa da educação básica pública.

As nefastas propostas de tecnificação das metodologias do ensino, a militarização e privatizações das unidades escolares, as perversas políticas neoliberais da educação e as esdrúxulas reformas curriculares, deveriam preocupar a sociedade. Tais iniciativas, como: a divisão cartesiana do ensino médio por áreas; a adição de conteúdos inúteis; a farsa do programa de “ensino integral”; a desvalorização das ciências humanas; a adoção de material digital, criado pela “inteligência” artificial, e a obrigatoriedade da adoção de plataformas digitais e aplicativos, tornam a educação, fundamentada no cientificismo, pouco eficaz na aprendizagem.

Todas essas ações, por parte da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, têm o intuito de: reduzir os investimentos com educação; maximizar os lucros das empresas privadas, que detêm as patentes de tais plataformas digitais; precarizar o trabalho dos docentes e tornar os discentes cada vez mais acríticos, analfabetos políticos e dóceis.

Os ideais weberianos nunca estiveram tão oportunos diante do atual cenário da educação. Max Weber verificou que o sistema produtivo moderno, tipicamente racional e capitalista, tem como base estabelecer um rígido e diversificado aparato burocrático de normas morais, com o propósito da máxima eficiência. Com isso, toda a esfera administrativa da educação, serve para replicar a vontade da ideologia política em vigor. Os servidores públicos da educação, ou burocratas, devem agir de maneira estritamente prevista nas normas e regulamentos.

As escolas públicas estão se tornando “unidades burocráticas”, essencialmente autoritária e hierarquizada. Há uma velada divisão sistêmica do trabalho, de forma que cada um possui cargo e funções específicas e responsabilidades distintas. É uma estrutura permissiva, que confere direitos apenas aos alunos, defende a “progressão” continuada e faz transparecer à sociedade, que o docente é o grande e único responsável pelo declínio da educação pública.

O professor, que outrora foi considerado um ícone social, vem se transformando em um operário da “Educação 4.0” e um mero gestor de aplicativos. Com essa escola científica, “panóptica”, taylorista e cartesiana. os raros intelectuais, que restam na rede pública, pouco conseguem criar e desenvolver a arte da maiêutica com seus alunos; além de conviverem com o perene assédio moral, vigilância, cerceamento de cátedra e sofrendo com a terrível Síndrome de Burnout.

Os “coordenadores” e “gestores” abandonaram suas reais missões, que presumem em: melhorar as práticas da docência; fomentar a formação continuada dos alunos e docentes; construir uma infraestrutura escolar compatível com as propostas curriculares e garantir um aprendizado multidisciplinar, prazeroso e de qualidade a todos. A grande maioria foi designado aos respectivos cargos por questão política e “ação social afetiva”, ou ainda, como rota de fuga do magistério. Apresenta uma pífia formação acadêmica em administração estratégica e uma velada ineficiência em gestão de equipes. Estão se tornando fiscais da educação 4.0, vigilantes de docentes, “pelegos” do sistema e monitores de plataformas e diários digitais.

Parece que os indicadores quantitativos, a frequência e o número de acessos às plataformas digitais, são mais importantes que a aprendizagem e a felicidade do aluno. Concordando com o grande filósofo Michael Foucault, a escola se tornou um aparelho ideológico de vigia e punição, ou melhor, uma “instituição de sequestro”. Aos poucos castra-se a criatividade e inteligência dos docentes e discentes.

Uma formação concreta e justa deve ser aquela em que seu dinamismo exponha as contradições que estão presentes na sociedade, ou seja, aquela que pressupõe o princípio de não-identidade entre realidade e conceito, entre forma social e existência humana. A construção de um sujeito livre, crítico e protagonista passa pelo estranhamento frente ao que está colocado e na compreensão contextualizada de uma diversidade de saberes interligados. Devemos lutar por uma educação democrática, gratuita, igualitária, holística e humanizada, que valorize o raciocínio dialético, a arte e respeite o “estado de natureza “e a ipseidade de cada ente.

Para Erick Fromm a sociedade contemporânea está direcionada à máxima produção e dirigida por tecnologias da informação “em tempo real”, que contribuem na desumanização do ser e na transformação do homem em um “dente “da engrenagem, que mal conhece. O progresso científico e tecnológico não surgiu com a proposta de aliviar o “fardo” do homem, e muito menos melhorar o aprendizado nas escolas, mas aliená-lo e impedir a manifestação da “alma inteligível”.

Há um notório e intenso esforço do Estado neoliberal em manter os discentes moralmente alienados, distraídos com falsas promessas, passivos e acríticos. Inserir a mordaça nos polímatas e ludibriar a sociedade, com dados estatísticos forjadas, vem se tornando uma estratégia da nefasta política da “educação 4.0”, abominada pelos países considerados excelência em qualidade de ensino, no ranking do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).

Enquanto existir uma família preocupada e presente na escola; um aprendiz crítico; um educador apaixonado pela profissão; um diretor corajoso e um filósofo, ainda nos restará a esperança de uma educação democrática e apta a ensinar tudo a todos.

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