Cidades

Interligadas

Acho que você não vai gostar…

Exigente leitor, desconfiada leitora, receio que o que vou escrever aqui não será de seu agrado.
Trata-se do desdobramento de minha última coluna, na qual disse que à ciência, diferentemente do
senso comum, não cabem, diante dos fenômenos, afirmações como “certo”, “errado” ou “feio”.


A melhor ciência será a que melhor descreverá os fenômenos. Dizia, ainda, que a linguagem é uma
área do conhecimento na qual a ciência que dela se ocupa, a linguística, não tem tido muito sucesso
diante do público não especializado, porque imperam nas mídias em geral e no senso comum
afirmações muito distantes do que a abordagem científica propõe. Sobre a linguagem, o que
predomina, portanto, são afirmações não-científicas: há falas “erradas”, “feias”, “estropiadas” – as dos
outros, claro, nunca a nossa…


Vamos, portanto, ao centro da questão com uma afirmação que fará você ter vontade de largar essa
coluna para passar à próxima página do jornal que ora tem em mãos: nenhum falante nativo fala
errado o português! Calma, inconformado leitor, indignada leitora, vou me explicar. Ninguém fala
errado o português porque a noção de erro simplesmente não é científica. E é a linguística que dirige
estas mal traçadas que você está lendo até aqui. O que fará a linguística diante dos fenômenos da
linguagem? Procurará uma explicação. Vamos a elas e a um caso exemplar.


Pensemos em “os menino comprou três bala”. Feio? Bonito? Certo? Errado? Cientificamente,
nenhuma das alternativas. Cientificamente, uma variante que se justifica a partir de uma “lei” própria a
todas as línguas vivas, o princípio da economia. Variante: a língua se constitui de diversas
realizações. Não há um núcleo imutável, ideal, de que outras manifestações seriam excrescências e
corruptelas. Mais ou menos como uma cebola. A cebola é suas camadas. Uma língua é suas
variantes. Princípio da economia: a marca eficiente de plural, no português, está no artigo; as demais
são todas redundantes. “Os” antes de “menino” é suficiente e eficiente para saber que é mais de um
menino. “Comprou” e não “compraram” não coloca nenhuma dúvida sobre o fato de mais de um
menino ter comprado. Isso, do ponto de vista de uma explicação, digamos, unicamente linguística.


Mas a linguística também é sociolinguística, e vai explicar que o uso da frase anterior será
estigmatizada porque quem a fala geralmente é quem dispõe de pouco prestígio social
(provavelmente quem não passou pela escola). Ficamos assim, então: linguisticamente, a frase em
questão é parte do português, porque segue regras próprias dessa língua (você nunca ouvirá uma
frase como “o meninos comprou”); mas como a língua é intrinsecamente um fenômeno social,
determinadas variantes serão vistas de maneiras distintas; umas não serão notadas (são o português
dito “padrão”), outras serão notadas. Disso tudo, não conclua que “então cada um fala do jeito que
quiser e tudo bem”. Vamos tratar disso na próxima coluna. Topa?

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