Comprei um rádio toca CDs. Tenho alguns em casa e não tinha onde escutar. Quando liguei e fui testar, procurei uma estação na AM, movido por um sentimento de nostalgia que logo se transformou em lágrimas, um misto de alegria e tristeza, uma grande saudade.
Há uns vinte anos, um pouco mais ou um pouco menos, eu acordava ao som do pequeno rádio ligado, sempre na estação Tupi AM que tocava modas de viola. O aroma do café sendo passado junto à escuridão vista pela janela indicava que o dia ainda nem tinha amanhecido e lá estava ela, em pé, cantando e esperando o café ficar pronto. Ah se eu soubesse naquela época o quanto de saudade sentiria da Vó Irene, talvez acordaria sem reclamar por ser tão cedo.
Por esses dias ando com bastante saudade dela, tivemos muitas memórias e bons momentos juntos. Minha infância e adolescência praticamente inteiras foram com sua companhia, escutando suas histórias, lembranças de sua infância humilde em Itu. A Vó Irene sempre foi uma pessoa muito carinhosa e atenciosa comigo. Lembro de deitar em seu colo e conversar, desabafar os anseios de criança e ela sempre escutando, atenta, muitas vezes até exagerava em certos comentários, mas sempre presente.
Sempre que tinha alguma dor no corpo, ela passava um líquido verde, refrescante, até ardido a depender do ferimento, era o álcool com arnica. Arnica é uma planta de origem europeia com propriedades anti-inflamatória e cicatrizante, a cura era instantânea. Pergunto-me se realmente tal líquido tinha tamanho poder ou se todo o contexto de carinho e o aconchego da vó sobressaia qualquer dor ou ferimento?! Fato é que o álcool com arnica curava, o físico e o coração.
Há momentos que a gente não quer muita coisa, apenas sentar e conversar com uma pessoa disposta a te olhar com amor, repreender se for preciso, porém com carinho. Em muitos momentos da vida adulta o colo da Vó faz falta, as conversas, as risadas, assistir TV juntos. Voltava da escola quando estudava no período da tarde e, após um longo trajeto de ônibus quem estava lá no ponto me esperando?
Há momentos de dor que não é o remédio ou o médico que vão ajudar. Tem dias que é só um rádio movido a pilhas na Tupi AM, um café logo cedo e, se a dor continuar, álcool com arnica.
Um tempo que não voltará!