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Celebremos a verdadeira Cultura

Uma palavra que gera debate é essa tal “cultura”. Já escrevi aqui em algumas ocasiões que na minha concepção é uma das mais belas palavras da língua portuguesa, carregando consigo um simbolismo enorme de significados e usos em diversos contextos. Aqui a contextualizo enquanto produto e ação dos símbolos em comum em uma sociedade, desenvolvendo atividades humanas em suas diversas esferas, seja arte, arquitetura, técnicas construtivas, modos de vida e etc. Onde há presença humana, há desenvolvimento cultural.

Muitos usam essa expressão com interesses variados e tenho observado tais usos nas redes sociais, alguns dos quais quero compartilhar aqui em nossa quase mensal prosa. Na verdade, como o espaço da coluna é limitado, focarei em dois apontamentos falaciosos que me incomodam quando escuto ou leio nas redes, sendo eles:

A falácia de que “é preciso levar cultura a determinados lugares”.

É uma visão tão colonialista, não acham? Desconsiderar que cada território é dotado do seu próprio desenvolvimento cultural e precisa de um agente salvador para aculturar o povo daquele local. Pode ser plenamente possível o desenvolvimento de projetos culturais de formação e capacitação nas mais variadas linguagens artísticas. Em Cabreúva, município do qual estou no quinto ano como gestor de Cultura, Turismo e Patrimônio Histórico, implantamos a Casa de Oficinas Culturais, projeto com sede em um bairro distante da região central da cidade e que oferece gratuitamente aulas de instrumentos e canto, além de fanfarra e batucada com foco em ações carnavalesca (o Carnaval cabreuvano é reconhecidamente patrimônio imaterial local). Além dessas aulas, oficinas de teatro, literatura e audiovisual são ofertadas com frequência aos munícipes.  Agora, afirmar que determinado bairro precisa desse ou daquele entretenimento e não potencializar aquele já desenvolvido no local é falacioso e esconde no discurso uma visão elitista e preconceituosa. Mencionei o Carnaval, é uma festa do povo, é de todos, e como incomoda. Um dos motivos do incômodo é justamente o fato de que todos estão se divertindo, independentemente de sua classe social.

Dizer que “é preciso levar cultura no bairro X ou Y”, é o mesmo que afirmar “é preciso aculturar esse povo com aquilo que considero como cultura, afinal, a minha é superior”. Isso dói nos ouvidos. Aos que insistem em tais impropérios entendam que, na verdade, todos podemos aprender com a cultura do outro. Cultura também é troca de experiências.

A falácia de que tal expressão “não representa a verdadeira cultura”.

Essa é forte.

Em algum momento da minha vida ainda quero estudar o perfil daqueles que ainda esbravejam tal comentário para verificar se há um padrão nos que estão afirmando e em relação ao que estão atacando. Não vou cometer juízo de valor, por isso pretendo analisar com rigor científico e metodológico.

Meus olhos ardem quando leio comentários em tal linha de senso comum e, ao ouvir, meus tímpanos surtam. Como afirmei acima, toda ação humana é produto das ideias em comum de uma sociedade, isso é a cultura. Com que régua é medida uma cultura como verdadeira ou falsa, como fraca ou forte, como alta ou baixa? Só pode ser a régua da intolerância ao que é diferente. Mais uma vez, isso é muito colonialista. Meu leitor deve estar querendo alguma referência, para não ficar apenas em linhas do Marco, usarei aqui o Dicionário de Sociologia, de autoria de Allan G. Johnson:

“Cultura é o conjunto acumulado de símbolos, ideias e produtos materiais associados a um sistema social […]

A cultura possui aspectos materiais e não-materiais[…]

O que os homens fazem é que torna visível a influência da cultura.”

A verdadeira cultura, portanto, está na moda de viola, no choro, no rock, no funk, no jazz, no reggae, na música clássica e no gospel. Está em concertos e em shows sertanejos. A verdadeira cultura é o prato de um chefe renomado e um cuscuz na casa da avó, a receita tradicional do doce e a feijoada, o churrasco com amigos e famílias e o restaurante gourmet. Está no ballet e na dança de rua, no teatro, na contação de história, na poesia, no cordel, em uma tela de Picasso e no desenho que meu filho fez e me entregou. A verdadeira cultura é a fé Católica, é o terreiro de Umbanda, é manifestada na pregação do pastor, no Templo Budista e em crenças indígenas. Na produção de veículos movidos à energia elétrica e na fabricação manual de panelas de barro.

A verdadeira cultura está na Orquestra de Violinos e no Axé que toca no Carnaval.

Por isso, deixem de falácia.

Celebremos a verdadeira Cultura, aquela de todos!

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