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De quase padre a professor, Chico Garcia se tornou um contador de história por paixão

Francisco Carlos Garcia ou simplesmente Chico Garcia, como é mais conhecido, dedicou boa parte de sua vida à escrita. Cronista de vários jornais da cidade e um dos fundadores da Academia Saltense de Letras, apesar disso, ele não tem a comunicação como profissão. Para Chico, escrever é mais do que um hobby. É uma arte e uma paixão, as quais carrega desde muito novo e diz que aprendeu a gostar ainda mais no período em que passou no seminário. “A ideia de escrever, para mim, sempre foi um prazer. Tanto que nunca parei. E não é vaidade. Faço de coração”.

Do convívio religioso ele guardou boas histórias, que ajudaram a construir sua personalidade. Uma pessoa curiosa e disposta a aprender com cada conversa que tem, com cada conto que ouve. “Eu conheci um mundo novo, porque até então eu vivia da escola para casa e da casa para escola. Já no seminário eu tinha uma rotina diferente, com as responsabilidades, mas também passei a frequentar a biblioteca, de onde, aliás, nasceu o meu gosto pela leitura. Eu era uma ‘esponja’ e buscava absorver tudo de todos aqueles que estavam lá”, contou animado.

De quase padre a professor, Chico foi seguindo os caminhos que a vida foi lhe proporcionou, sendo até hoje uma figura importante na educação de muitos jovens, transmitindo suas lições e ensinamentos. Todas essas histórias ele contou na entrevista concedida com exclusividade ao PRIMEIRAFEIRA nesta semana.

Veja a conversa na íntegra abaixo:

Como começou a história do senhor como cronista?

Chico Garcia: A pessoa que gosta de escrever é porque gosta de ler. Então eu diria que tudo começou porque eu gostava muito de ler. Quando terminei o serviço militar eu estava perdido e um amigo me sugeriu fazer Comunicação. Eu comecei, mas não conclui o curso por uma série de situações que não vêm ao caso agora. Entretanto, a ideia de escrever, para mim, sempre foi um prazer. Tanto que nunca parei. E não é vaidade. Faço de coração. Eu me pergunto, às vezes, durante as reuniões o que estou fazendo na Academia Saltense de Letras, da qual eu sou inclusive um dos fundadores, na cadeira de Monteiro Lobato.

E por que o senhor jamais escreveu e lançou um livro?

Chico Garcia: Às vezes, me perguntam por que nunca escrevi e lancei um livro? Acontece que eu acho isso de escrever e lançar um livro uma ousadia incrível de quem o faz. Na minha posição, o máximo que eu digo que faço é um “tiro curto”, uma crônica ou, no máximo, um conto. Para ficar conectando várias ideias é preciso ter uma maestria do cão e eu admiro quem faz. Eu queria sim escrever um livro e não apenas juntar o que tenho, mas ainda não aconteceu e talvez não aconteça.

Ao invés de uma história longa para o livro, o senhor nunca pensou em organizar suas crônicas em um site, por exemplo?

Chico Garcia: Esse é o máximo que já passou pela minha cabeça. Mas eu ainda não sei como ou quando. Essa possibilidade até existe, mas ainda está bastante vaga para mim. Na verdade, a tecnologia me pegou por circunstâncias de ser professor e precisava sobreviver nas atividades.

Como surgiu o convite para que o senhor integrasse e fosse um dos fundadores da Academia Saltense de Letras?

Chico Garcia: Na verdade, quem decidiu a criação da Academia foi o Valter Lenzi, o Ettore Liberalesso… Na verdade, o Ettore era resistente à criação de uma Academia, mas de repente ele mudou de ideia e convidou Antônio Oirmes Ferrari, o próprio Valter Lenzi e eu acabei sendo convidado por escrever para o jornal Taperá. Mas eu não tinha um livro como os outros tinham. Eu não tive uma participação ativa nessa criação, mas sim uma participação indireta. Se precisasse de ajuda eu estaria ali.

O senhor tem uma vida religiosa muito ativa e que começou bem cedo. Como foi a decisão de ir para o seminário aos nove anos?

Chico Garcia: Eu nasci em uma família católica apostólica romana praticante. Ia à missa, fiz catecismo, estudei no Colégio Sagrada Família e um certo dia, minha avó me perguntou o que seria quando crescesse. E eu, talvez inadvertidamente, disse que seria padre. Então, sempre que me perguntavam eu falava que queria ser padre. Numa dessas, o Cônego Vicente Formigon, que vinha frequentemente para Salto ajudar o Monsenhor Couto na Igreja Matriz e ia até o colégio para conversar com as freiras e com os alunos, me perguntou o que eu gostaria de ser e o que eu falei? Padre. E ele ficava regimentando alunos e nisso eu acabei, um tempo depois, indo para o seminário, no qual eu fiquei durante seis anos. Da minha turma, eu fui o que ficou mais tempo, embora nenhum de nós tenha se tornado padre.

Como foi esse período no seminário?

Chico Garcia: Eu conheci um mundo novo, porque até então eu vivia da escola para casa e da casa para escola. Já no seminário eu tinha uma rotina diferente, com as responsabilidades, mas também passei a frequentar a biblioteca, de onde, aliás, nasceu o meu gosto pela leitura. Eu era uma “esponja” e buscava absorver tudo de todos aqueles que estavam lá. Eles eram sábios. Por exemplo, eu tive um professor de História da Arte, que desmembrou sobre gênios da pintura e, anos mais tarde, quando visitei a Capela Cistina, em Roma, eu fiquei impactado com a pintura do juízo final e falava para minha esposa o significado dos detalhes. Quantas pessoas sabem que o anjo tinha acabado de fazer um julgamento e limpava a espada com um pano contendo a imagem de Michelangelo Buonarroti? Então foi um privilégio que eu tive. Eu até me perguntava se isso não seria uma falta de personalidade, mas não, eu era alguém que estava sempre aberto a novas ideias e novas informações e eu continuo aberto a isso.

O que levou o senhor a deixar o seminário?

Chico Garcia: Eu comecei a ter minhas dúvidas e falava para mim mesmo que estava no seminário circunstancialmente. Quando entrei, éramos uma turma de 80 alunos e quando eu deixei estávamos em seis. Então, a cada um que saia, minhas responsabilidades de cumprir um plano dos padres aumentava. Me lembro que um abade, certa vez, bateu no meu ombro e disse que eu era uma das pessoas de confiança. E aquilo pesou para mim. Um belo dia eu falei para meu professor de artes e que também era o diretor espiritual sobre meu interesse em deixar o seminário. E foi tudo tranquilo. Eu acabei saindo assim como eu entrei, sem maiores responsabilidades. Talvez eu tenha falado a coisa errada para a pessoa errada. Se, ao invés de falar que queria ser padre, eu tivesse falado que queria ser médico, o cônego não teria me levado para lá e nada disso teria acontecido, mas foi uma boa experiência.

Foi logo após sua saída do seminário que o senhor começou sua trajetória como desenhista projetista?

Chico Garcia: Meu pai era pedreiro e trabalhava na Prefeitura de Salto. Nas férias dele, ele fez uma reforma num escritório de arquitetura do João da Rós. E, após o João falar que a demanda de trabalho estava aumentando, meu pai sugeriu meu nome. Eu saí do seminário numa terça-feira e no sábado eu estava no escritório de arquitetura. E assim comecei aprendendo a fazer os desenhos, com réguas, monógrafos, muito diferente de hoje em dia. Eu até cheguei a pensar se queria ser arquiteto por causa dessa ocupação. Foi um bom período de minha vida.

O senhor também teve um grande período trabalhando na Emas, uma das grandes empresas da época na cidade?

Chico Garcia: Após o casamento eu fui para o Rio de Janeiro, onde trabalhei em uma empresa que decoração de cozinhas, como chefe de departamento e tive um grande aprendizado. Voltei para Salto onde trabalhei em uma empresa de consultoria, novamente no escritório de arquitetura do João da Rós e só então fui para a Emas. Era uma empresa de muitos funcionários, mas que por causa de crises e uma série de outras situações, trabalhei não apenas como projetista, mas fazendo um pouco de tudo.

A decisão de voltar para a universidade veio dessa situação na Emas ou teve outra motivação?

Chico Garcia: Eu via que a situação não estava legal na empresa e tentei voltar para a PUC, para concluir o curso de Comunicação, já que eu tinha parado no terceiro ano. Só que para eu voltar teria de retornar no segundo ano. Eu não via sentido na época. Então comecei e estudar outras possibilidades. Alguns me sugeriram fazer Engenharia pelos conhecimentos que já possuía, mas alguém falou para fazer Administração. Fui e foi uma martelada certeira, porque tudo o que recebia no curso, vivia na prática. Os professores eram profissionais como eu, alguns até da minha idade. Tanto que fiz o mestrado logo em sequência, fui professor universitário e coordenador. Do plantel de professores, alguns tinham dado aula pra mim, algo até meio anacrônico e ao mesmo tempo, legal. Outro período muito bom.

Como foi o convite para ser professor efetivamente? Foi uma missão nova na vida do senhor?

Chico Garcia: Quando ainda trabalhava nas fábricas, começaram aqueles negócios de ISO, treinamentos e tudo o mais. Então, eu era treinado para treinar. E quando fui chamado para ser professor, para mim foi algo natural. Comecei com algumas aulas e em duas semanas já haviam aumentado minha carga horária porque os alunos estavam gostando. Até hoje eu falo, nas aulas que dou na Fiec, em Indaiatuba, que eu preciso fazer a aula ser algo encantador porque isso acontece na prática.

Mesmo com tantas atribuições, a vida religiosa nunca foi deixada de lado. A vocação ainda existe?

Chico Garcia: Eu nunca parei. Desde que saí do seminário, foi um processo natural ficar perto da igreja. Quando minha filha foi fazer a primeira comunhão, na missa de preparação, o padre Mario Negro me convidou para ser ministro da Eucaristia e assim entrei. Foram 17 anos participando como ministro, mas hoje estou meio vagabundo. Tenho algumas participações quando sou convidado para dar algumas palestras para os noivos.

O senhor se arrepende de alguma decisão que tomou em sua vida em todas as áreas por onde passou?

Chico Garcia: Estava vendo um programa em que faziam justamente essa pergunta. E isso me fez pensar em tudo o que já vivi. Eu acho que não mudaria nada, talvez alguma correçãozinha no percurso, mas num geral sempre estive bem com minhas decisões. Eu poderia ser padre, poderia ser arquiteto, mas fui o que sequer imaginava que foi ser professor. As oportunidades aparecem quando menos se espera e só depois que elas acontecem é que você faz a reflexão sobre como deu certo ou não.

Tem algo que o senhor deseja realizar ainda na vida?

Chico Garcia: Acho que a pior coisa que poderia acontecer para mim seria a cegueira. Meu grande sonho é poder continuar lendo bastante, aprendendo… Eu vivo um dia depois do outro e presto atenção no que está acontecendo para decidir se é algo favorável ou não. Quero continuar com minha vida, do jeito que ela está sendo. Estou muito feliz com ela.

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