A pretensão de quem escreve é ser lido.
Claro que é a minha também. Mesmo achando que nem escrevo, que só brinco com as palavras. Mas o que é brincar com as palavras senão escrever?
As letras me encantam desde que tenho lembrança de ter conhecido um livro. Lembro que o vi e que não entendia aquele conjunto que se unia, se separava por um espaço, que se juntava novamente, que tinha uns símbolos no meio e nada fazia sentido. Dois anos de idade. Acho que nem era livro, creio ter sido uma revista. As imagens, fáceis de entender não me chamavam a atenção. O que me intrigava eram aqueles desenhos, que não eram desenhos porque não se explicavam só ao olhar.
Minha irmã tinha quatro anos e também ainda não entendia aqueles conjuntos e não podia me ensinar. E quando ela pode, eu a invejei amargamente e felizmente também, pois então ela entendia e decifrava. Ela não teve a intenção de ser minha primeira professora, se tivesse, acredito que teria sido a melhor.
Ela ia para a escola e eu ficava em casa. Foi-me dito que havia uma idade para ingressar naquele mundo. O mundo que transformava pessoas em leitores e escritores. Um mundo mágico em que você aprenderia a mágica. Eu lembro do meu mundo sem entendimento das letras. Eram as imagens a me mostrar o mundo. O meu mundo era cor de rosa, era azul, era de todas as cores, porque além de menina eu também fui um moleque, brincar de tudo era fenomenal. Agradeço a vida sem letras, que me fez desejá-la muito e tanto, que enquanto não as tive, fui construindo um mundo meu, só meu, até hoje ele existe e ainda vou para lá. Só que agora tenho as letras para descrevê-lo, mas nem quero, ele é secreto, ele ainda é só meu.
Seis anos de idade. Festa em minha vida. Escola Estadual de Primeiro Grau Tancredo do Amaral, “entra burro e sai animal”.
Entra burro e sai animal não me representa! Saí de lá mais humana e entendedora de todas as letras em português, um tantinho bem pequenino em inglês, espanhol, italiano, portunhol. No fundo, no fundo, tudo é muito parecido e nunca desejei as outras letras, a língua pátria me dá tudo o que desejo. Feliz por poder decifrar o que me interessa e mais feliz por todos os que trocam letrinhas comigo e me dão suas vidas, seus entendimentos, suas dores, amores e anseios, através do escrever. O tempo passa e os anseios diminuem e se concentram, na vida e nos pequenos detalhes que agradam mais que desagradam. Aparece o tal do “é preciso saber viver”, noto isso em cada escrita dos que me rodeiam e aprenderam a viver.
Hoje, pulando a história de uma vida de leitura, saí de 1972 e vim para 2025, digo aos amigos e leitores que nada, em 59 anos vividos é mais importante que o saber ler e escrever, depois analisar e interpretar. Felizes os que sabem, que leem, que entendem o que leram e interpretam, segundo a história das suas próprias vidas.
“Como nossos pais”.
Eles nos criaram, existe muito deles em nós e por isso, mesmo a vida de cada um sendo só de cada um, se interligam primeiramente aos seus e depois a todos com quem conviveu.
Está feita a história de uma vida.
A minha, a sua e a de todos que nos rodeiam.
Valeu, mundo, por me dar a capacidade que só as letrinhas me deram. Valeu vida, só pelo fato de eu existir. Valeu pessoas, professores, amigos, conhecidos e todos, por se mostrarem a mim, através das letras, que tanto amo.
Que 2026 nos receba com tantas boas leituras de histórias tão belas quanto cada um de nós merece.
E agradecida as “redes sociais” que forçou tanta gente a querer ler e escrever bem, para poder se comunicar.
*E eu também fazia a brincadeira de “Tancredo do Amaral, entra burro e sai animal!” e sei o quanto isto era só uma brincadeira legal!