As condutas dos ocidentais são reflexos decorrentes de uma mescla cultural dos povos hebraicos, como representado nos primeiros manuscritos bíblicos, e da filosofia da Grécia Antiga. A própria bíblia deixa clara a ideia de que a natureza deve servir ao homem e esse, por sua vez, não tem responsabilidade alguma em respeitar e preservar vidas não humanas: “E Deus abençoou-os, e lhe disse: crescei e multiplicai-vos, repovoai e dominai a Terra; e dominai os peixes do mar. E as aves do céu e todas as coisas vivas que se movem na terra”.
O grande filósofo moderno, Francis Bacon, dizia que “devemos subjugar a natureza, pressioná-la para nos entregar seus segredos, amarrá-la a nosso serviço e fazê-la nossa escrava”. É um grande erro rebaixar a Terra a um conjunto de recursos e como reservatório físico-químico de matérias-primas submisso às necessidades e cobiça humana. A “Gaia” é a grande mãe que nos ensina o sentido da vida, nos nutre e nos carrega para a eternidade.
O capitalismo é um sistema insustentável por si próprio, à medida que se fortalece e se propaga, graças à exploração dos seres humanos e ecossistemas, em prol de seus objetivos e do cumprimento das diretrizesda economia de mercado. Essa “lógica”, que espolia as classes subalternas e submete os povos aos interesses das nações “desenvolvidas” e às poderosas organizações privadas, é a mesma que parasita a Terra e furta suas riquezas, sem nenhum escrúpulo e compaixão pelas futuras gerações.
Na sociedade contemporânea predomina-se o paradigma clássico das ciências,com requintes de dualismos dialéticos e paradoxos, como: o mundo material e espiritual; a separação entre a natureza e cultura; entre ser humano e mundo; razão e emoção, feminino e masculino, Deus e os homens e a atomização dos saberes.
Dever-se-á repensar e mudar:os modelos de produção; o modo de valorizar a vida; de interpretar e de intervir na natureza e, principalmente, nossos hábitos de consumo. Concordando com Leonardo Boff, a exclusão dos pobres e a degradação da natureza, deixa de ser um assunto socioeconômico para converter-se num problema ético e de segurança planetária. Com a globalização surgi uma nova face do capitalismo,perversa e obscura,o neoliberalismo.
Somos reféns de um paradigma que nos coloca, contra o sentido do universo, sobre as coisas ao invés de estar com elas na grande comunidade cósmica. Esse modelo de crescimento econômico linear induz o consumismo, afasta o homem do senso crítico, estimula o culto ao supérfluo e alteia aestética. A sociedade consumista é um desvio das exigências éticas. Cria privilégios, fortalece uma minoria e exclui as massas. O mercado torna-se um deus poderoso, que determina as funções e formas de vida dos habitantes de Gaia. Estar excluído do mercado é não ter vida.
O neoliberalismo corrompe a democracia e confronta os princípios da sustentabilidade. O político acaba sendo eleito pela elite, via persuasão da mídia de massa, para defender e representar interesses das grandes corporações privadas. Nesta configuração distorcida os políticos desrespeitam os seus eleitores, dilaceram os ecossistemas e atribuem cada vez mais poder a essas organizações. O Estado e suas políticas liberais facilitam a entrada e operação de empresas multinacionais, que muitas vezes são proibidas de operarem em seuspaíses de origem. Todavia, no Brasil encontram uma grande oportunidadede prosperidade;ao produzirbens, a baixo custo,que oferecem grandes externalidades ecológicas e riscos à saúde dos seres vivos.
Países com IDH baixo, má distribuição de renda, rico em recursos naturais, com grande potencial agrícola e com regulações ambientais brandas favorecem a entrada de capital estrangeiro (investimentos) para a produção de bens, que geram externalidades negativas, por conseguinte, fomentam a existência dos “paraísos de poluição”. Para ofilósofo coreano Jung Mo Sung, o capitalismo promete o paraíso da abundância de consumo e para isso cria mecanismos para a máxima produção, e para suprir as demandas do consumismo garanti a sobrevivência dos mais poderosos, sacrifícios dos mais fracos e intensificação na exploração dos recursos naturais.
A problemática ambiental adquiriu evidência no final do Século XX, mais precisamente na década de 60, em função de: a amplitude dos efeitos nocivos às diversas fontes de poluição; expansão e modernização das indústrias;a intensa utilização, irracional, dos recursos naturais e a constatação científica da irreversibilidade, que as alterações antropológicas provocaram nos mais diversos ecossistemas. Grande parte dos desequilíbrios ecológicos decorre do modelo desenvolvimentista, guiado pelo positivismo e pelo objetivo de maximizar os lucros. A partir dessa situação se faz necessário relacionar a degradação ambiental com as políticas de desenvolvimento socioeconômico.
O pesquisador Jose Eli da Veiga traz à tona o real significado do “desenvolvimento sustentável”, que para ele não deixa de ser utópico. O desenvolvimento está muito além do conceito de crescimento, mensurado pelo PIB, que se restringe ao aumento exponencial, quantitativo, sem levar em consideração as técnicas e métodos de produção do capital com criatividade, potencialidade e equidade. O verdadeiro e efetivo desenvolvimento prioriza a coletividade, o trabalho digno, a produção capaz de distribuir a riqueza acumulada de forma igualitária, buscando a qualidade nos aspectos sociais, ambientais, educacionais e econômicos.
Na ilustre obra “O Capitalismo Natural”, Hawken afirma que o capitalismo convencional consiste no mercado livre, onde os lucros reinvestidos tornam o trabalho e o capital cada vez mais produtivos, fábricas maiores e mais eficientes, além da preocupação das empresas em alocar e direcionar recursos para a otimização e automação. O capital natural e o humano têm pouco valor em comparação com o valor e utilidade dos bens de produção. Para o autor toda economia saudável é aquela que mantém uma forte relação de equilíbrio entre os capitais (humano, financeiro, manufaturado e natural). O capitalismo “industrial” peca ao utilizar-se dos três primeiros capitais para transformar os recursos naturais em bens, que na maioria das vezes não são essenciais e necessários aos homens.
Vivenciamos um mundo em que violar princípios morais da sociedade, sonegar impostos, espoliar a natureza, poluir, subornar, coagir, manipular colaboradores e ludibriar clientes econsumidores faz parte da “cultura corporativista” da competição. É raro uma empresa que nunca se utilizou de tais condutas para conseguir seus objetivos econômicos. Talvez o “ethos” nunca teve tanto em desuso e fora do mundo dos negócios. Manter e fomentar toda e qualquer forma de vida é bom; destruir e impedir sua continuidade é mau. Erick Frommafirmava que estamos vivendo em uma sociedade completamente mecanizada e chefiada por uma corja de capitalistas desumanos, que veem na política liberal um instrumento facilitador da coerção social, exploração dos recursos naturais e ganhos econômicos repentinos. Para esse renomado psicanalista a sociedade está direcionada à máxima produção e a distanciar de seus princípios éticos, contribuindo assim na transformação do homem em parte de uma máquina. Esforça-se para mantê-lo alienado, distraído, passivo e com pouco sentimento pelas pessoas e pela natureza.
Como nos mostra o cenário político contemporâneo, frequentemente as mentiras são mais plausíveis do que as verdades, que só vêm a público como exceção. Acreditar na retórica hipócrita e no slogan das corporações, ditas comprometidas com as questões e crises socioambientais, é mais cômodo que investigar com profundidade a veracidade dos fatos, visto que já nos acostumamos com mentiras. Vivenciamos a maior crise da ética, desde os primórdios da humanidade, em que refundar uma aliança moral entre os seres humanos e os ecossistemas é inadiável. A causa primária da insustentabilidade está na cobiça humana e no consumo demasiado. Nietzsche acreditava que a vontade de poder e as formas de dominação definem o perfil do ser humano das sociedades modernas.
O documentário “The Corporation” demonstra, de maneira evidente, o histórico e os métodos utilizados pelas grandes organizações e suas relações com o Estado.As grandes corporações se vanglorificam ao informar à sociedade que estão sempre criando empregos, fomentando a economia do país, que seus produtos melhoram a vida das pessoas e que investem milhões em projetos “sustentáveis”. Tudo isso não deixa de ser uma grande farsa, ou melhor, uma estratégia maquiavélica e covarde para maximizar seus lucros, explorara pessoas vulneráveis, acobertar as externalidades socioambientais e uma forma de alinhar a cultura empresarial com a lógica do neoliberalismo. Para atender às necessidades e desejos do homem contemporâneo as organizações passaram a produzir bens e serviços, que acabam tendo mais valor que a natureza e os seres humanos. Alguém já investigou, de forma dialética, profunda e imparcial a gênese o e contexto histórico “sujo” das grandes empresas privadas, tais como Nike, Ford; Monsanto; BMW; General Motors; Cacau Show e outras?
Para antenar o leitor e elucidar as ideias do presente artigo, sugiro a pensarmos: quanto vale a marca Nike? Com produtos icônicos e patrocínios milionários a atletas renomados; seus produtos são símbolos de status e desejo entre os adolescentes e jovens. Ela é responsável por ditar um estilo de vida saudável e de conquista.A começar pela criação do famoso e rentável logotipo, com forma de asa, em atributo à deusa alada da vitória da mitologia grega (Nice).Foi desenvolvido pela jovem Carolyn Davidson em 1971. Carolyn era estudante, de baixa renda, de design gráfico da faculdade de Portland StateUniversity, nos Estados Unidos, quando Phil Knight, professor assistente da universidade, a contratou para criar um logotipo para a empresa que estava abrindo e pagou-lhe míseros US$ 35,00 por essa criação milionária. Essa mesma empresa, em meados do século XX respondeu a inúmeros processos por uso de mão-de-obra infantil na confecção de bolas; por comprar matéria-prima de organizações ilegais e poluidoras; exploração dos empregados e em suas fábricas, situadas em países periféricos, havia total precarização do trabalho e despreocupação com o meio ambiente.
A BMW foi fundada em 1916. Mas, nos anos 1930 e 1940, o grupo funcionou apenas como fornecedor de equipamentos para a indústria alemã de armamentos e passou por sérios problemas econômicos, chegando prestes à falência, quando resolveu então a empregar trabalhadores escravos oriundos dos campos de concentração nazistas a fim de reduzir os custos de produção. A proprietária da BMW cultivava uma profunda simpatia pelo totalitarismo nazista e passou a suprir, exclusivamente, ademanda por armas, baterias, motores de aeronaves e outros equipamentos bélicos a serviço do nazismo. Emuma de suas plantas, em Estrasburgo (FRA), apresentava um pavilhão específico para a concentração e tortura dos judeus que se negavam a obedeceràs ordens dos supervisores do chão de fábrica da empresa em Sagan, na Polonia.
Henri Ford e Daniel Ludwig, no início do Século XX desenvolveram um arrojado e gigantesco projeto de implantação de um braço da Ford no coração da Amazônia, o maior ecossistema tropical planetário. Consolidado em 10 de outubro de 1927, almejava o plantio em larga escala (plantation) de seringueiras e extração de látexno Pará. Na época existia uma grande demanda por borracha e o predomínio de oligarquias e monopólios ingleses, do látex produzido na Ásia, o que aumentava sensivelmente os custos de produção da borracha.
Todos os investimentos foram oriundos de grandes empresas automobilísticas, sendo a Ford Company, a maior interessada por tal projeto; que contou com a complacência e apoio do governo brasileiro, que cedeu um milhão de hectares no rio Tapajós (Pará) e isenção total de impostos por 50 anos de usufruto ilimitado. Esse projeto, denominado Fordlândia, resultou em inúmeros erros, acontecimentos trágicos e dificuldades; acarretando em inúmeros danos socioambientais: poluição nos cursos de água; queimadas; desmatamento; exploração dos nativos; centros de prostituição; alastramento de epidemias (malária); rebeliões; acúmulo de lixo e precarização dos trabalhadores rurais. Quando se adotou a monocultura das seringueiras e destruiu-se grande parte da biodiversidade nativas do bioma; ocorreu a incidência do patógeno fúngico (Dothinellaulei), que dizimou grande parte das seringueiras e colaborou diretamente para o abandono do projeto e o repasse desse gigantesco passivo ao permissivo e indolente governo brasileiro.
Os Estados Unidos, em 1965, iniciaram uma lutaao lado das tropas do Vietnã do Sul contra as forças do Vietnã do Norte. A atuação americana nessa guerra fez parte de sua política de contenção do comunismo, que se alastrava pelo continente asiático. A participação dos Estados Unidos na guerra, no entanto, foi um fiasco e considerada uma das guerras mais sangrentas da história. Sem o conhecimento geográfico da érea, ausência de treinamento tático de guerrilhas, tropa inexperiente em combate, armamento pesado (fuzil AK-47) dos vietcongues erelevo adverso, tornaram as batalhas desgastantes e fracassadas para as forças norte-americanas.
O fator que mais dificultava os americanos era a mata extremamente densa e muito úmida, localizada em regiões montanhosas, que serviam abrigos e esconderijos estratégicos aos vietcongues. Mediante tal obstáculo, o governo americano recorreu em busca do auxílio da empresa Monsanto, que na época enfrentava grandes dificuldades financeiras, e passou a produzir e vender em larga escalao chamado “agente laranja”, exclusivamente ao governo dos EUA. Tal coquetel químico, resultado de uma mistura de dois herbicidas sintéticos desfolhantes, o 2,4-D e o 2,4,5- T, tinha como objetivo matar as árvores e exterminar as plantações (rizicultura) dos vietcongues.
Esses produtos, em sua grande maioria, não são seletivos, matando indiscriminadamente e levando ao desaparecimento de inúmeras estirpes da fauna e flora. Como se não bastasse as sequelas desse coquetel, a Monsanto alterou seu processo de produção e purificação química, em vista da grande urgência e alta demanda do governo. Tal mudança resultou na geração de um subproduto insolúvel, tóxico, acumulativo e extremamente cancerígeno; chamado de dioxina tetraclorodibenzodioxina.No período de 1961 a 1971, as tropas americanas aspergiram 80 milhões de litros de herbicidas, que continham 400 quilogramas de dioxina sobre o território vietnamita. Até hoje esses impactos estão visíveis e irreversíveisaos biomas e nas comunidades vietnamitas. A Monsanto saiu imune, diante de tantos crimes.
O Brasil vivenciou, de 1964 a 1985, um dos piores sistemas políticos de sua história. A ditadura militar só foi possível graças ao apoio político e incentivos econômicos de muitas empresas privadas, que de forma direta contribuíram para o Golpe Militar e consequentemente a repressão, tortura, censura, crimes ambientais e violação dos direitos humanos. A General Motors é considerada a corporação que mais contribuiu com a ditadura;tanto para sua perpetuação, como no fortalecimento desse sistema totalitário e desumano.Entre os corredores da fábrica era comum a presença de militares à paisana, que: identificavam; perseguiam, torturavame prendiam funcionários, dentro das dependências da fábrica;ligados aos movimentos sindicalistas ou pertencentesà partidos políticos de esquerda. O chefe da segurança da GM no Brasil, na época, era um coronel aposentado da Força Aérea Brasileira.
Qual brasileiro que não se encanta, idolatra e sente orgulho da Cacau Show?Umaempresa genuinamente brasileira e que cresceu como um meteoro. Nasceu no final da década de 90, mais precisamente em 1988, e em 2008 se tornou a maior empresa de chocolates finos do mundo. Hoje não é só uma empresa de chocolate, visto que diversificou seu portfólio para áreas da hotelaria, turismo, parques temáticos e sem falar na aquisição contínua de seus concorrentes, antigos e emergentes, visando fortalecer a oligarquia do mercado de chocolates. O estopim para o surgimento dessa empresa foi a Páscoa, onde se observou um momento oportuno de se ganhar um extra de forma rápida e fácil. Graças ao talento e necessidades econômicas de uma “colaboradora”, o atual proprietário da Cacau Show teve a nobre ideia de pegar encomendas de ovos, com pagamento parcial adiantado. Esse montante foi o start para que pudesse comprar os insumos e equipamentos para a confecção dos chocolates. Na verdade o “empreendedor” revendia o que sua “colaboradora” produzia,essa por suavez ganhava uma miséria perto do lucro gerado. A Cacau Show é o exemplo mais recente e vivo de como avelha teoria da mais-valia serviu como a base para a expansão dessa corporação.
O neoliberalismoquebrou barreiras geográficas, deu dinamismo à geopolítica planetária, produziu riquezas, deu totais poderes às corporações privadas, fortaleceu a classe dominante, contribui para o aumento das desigualdades sociais, a rápida devastação das reservas de matérias primas e de energia necessárias à produção de bens, colocando em risco as próprias condições de vida no planeta. Não existe nada mais antiético que condenar a qualidade de vida daqueles que ainda não nasceram.
Não vejo outra saída a não ser uma educação voltada à “renaturalização” do ser para a vida, desprovida das alienações pragmáticas, capaz de despertar nos homens a vontade espontânea de contestar valores e buscar uma nova aliança com a Terra. Não podemos mais ter uma educação voltada ao utilitarismo; a formação de operários técnicos à serviço das corporações e com um currículo alinhado com os ideais neoliberais. Devemos primar por uma escola capaz de acolher, proteger os educandos e livrá-los do que é nefasto e antiecológico. Precisamos ajudá-los a aprender a lidar com o positivo e negativo, a desenvolver virtudes e aprimorar o senso crítico. Os livros didáticos, em sua grande maioria camuflam o passado nefasto das organizações; manipulam ideologicamente os jovens a acreditarem nas mentiras do sistema desenvolvimentista neoliberal; a endeusar as grandes empresas privadas e instigam os jovens a trabalharem em uma multinacional de “sucesso”.