Clubes apostam na função relativamente nova no Brasil para melhorar a performance e garantir vitórias onde a realidade do jogo deixa de ser surpresa para se tornar aposta mais certeira
Único saltense campeão no futebol profissional no primeiro semestre, Rafael Mantovani ajudou o Velo Clube, tradicional equipe de Rio Claro, a conseguir um feito que os torcedores esperavam havia 45 anos, o de voltar à elite do Campeonato Paulista. O acesso foi coroado com o título da competição. Integrante da comissão técnica do treinador Guilherme Alves, atacante que marcou época no Atlético Mineiro entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000, Rafael Mantovani ocupou uma função ainda desconhecida por muitos, a de analista de desempenho.
“Alguns até brincam que o analista é um auxiliar do auxiliar, porque fico condicionado a passar muita informação ao auxiliar técnico. No dia a dia, eu assisto de dois a três jogos mais recentes das equipes que vamos enfrentar na sequência e analiso os padrões de jogo deles (…). Com esse material eu produzo um vídeo que passa pelo aval da comissão técnica e depois é repassado aos atletas nas preleções. Até para essa preleção preparo ainda um relatório com algumas informações prévias da equipe que enfrentaremos e forneço algumas informações de atletas específicos para situar os jogadores do meu time”, disse.
Esse foi o primeiro grande passo desse saltense apaixonado pelo futebol que representou a cidade na conquista. Rafael agora quer permanecer na equipe que voltará a encarar os principais times do Estado, mas ele também sonha longe e quer alçar voos mais altos na carreira. “Eu projeto continuar na área de análise e aprender o máximo que eu puder e que me faça sentir plenamente realizado. Estou estudando possibilidades de cursos para me capacitar também para trabalhos fora do país. Depois, eu penso sim em migrar para a parte de campo, como auxiliar ou treinador”.
Confira a entrevista completa abaixo:
Como foi para você participar dessa conquista com o Velo Clube?
Rafael Mantovani: Eu cheguei na quinta rodada para compor a comissão do técnico Guilherme Alves, que tinha chegado uma rodada antes. Desde o primeiro momento ele falou que acreditava no acesso, afinal era um objetivo da diretoria. Foi uma campanha na qual o Velo Clube oscilou como outras equipes, mas em um determinado momento viramos a chavinha e o nosso nível de competitividade cresceu. Foi na décima terceira rodada, contra o São José, que era o líder da competição naquele momento, não tinha perdido nenhum jogo e era um dos favoritos até mesmo ao título, além de, juntamente da Ferroviária, de Araraquara, ser uma das maiores folhas salariais da competição. Vencemos por 2 a 1 e dali em diante embalamos na competição. Nossa mentalidade, que já era vencedora, se fortaleceu. Fizemos bons jogos, como por exemplo contra o Taubaté e contra o nosso maior rival, o Rio Claro, e conseguimos trabalhar junto aos atletas para que chegássemos bem à fase decisiva, física e mentalmente. E assim foi, tanto que ficamos invictos nos últimos sete jogos da competição, desde o último jogo da primeira fase até o jogo do título. Numa Série A2 é algo muito difícil de conseguir. A campanha toda foi muito emblemática, ainda mais pelos 45 anos de espera da torcida para retornar à elite do Campeonato Paulista. A última vez que o time tinha conseguido o acesso havia sido em 1979, num campeonato em outros moldes.
E como você chegou ao Velo Clube?
Rafael Mantovani: Eu fiz um curso com a chancela da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, que ocorreu em Porto Alegre (RS) e contou com uma série de profissionais tanto com experiência em equipes ao redor do Brasil, quanto quem ainda estava se preparando para a função, como eu. Foram três dias com aulas práticas e de campo, ensinamento com novas ferramentas de análise e, no final do curso, o coordenador Ricardo Pombo Sales, que atua como analista da Seleção Brasileira feminina e coordena os cursos da CBF, comentou que tinha essa vaga em aberto. Eu tive a sorte de não ter tantos alunos que moravam em São Paulo. Comentei com o coordenador do meu interesse e apresentei minhas experiências. Ele me passou o contato do Guilherme, que havia acabado de chegar ao Velo Clube. No domingo fiz o primeiro contato e na quarta-feira já estava em Rio Claro para iniciar o trabalho. Foi tudo muito rápido. O futebol é muito de indicações, porém é preciso estar preparado quando a oportunidade chegar.
Quais as perspectivas para o clube, já que não tem competições oficiais para o restante do ano?
Rafael Mantovani: Muitos outros clubes vivem essa mesma situação de não ter um calendário de competições no segundo semestre. Isso gera uma certa tensão para a diretoria ao fazer o planejamento e conseguir manter o elenco. No caso do Velo, alguns atletas já renovaram com o clube, mas por não participarmos de nenhuma competição no segundo semestre, eles foram emprestados a outras equipes. Alguns times até tem a oportunidade de disputar a Copa Paulista (competição organizada pela Federação Paulista de Futebol e considerada o segundo torneio em importância em nível estadual em São Paulo), mas, no caso do Velo Clube, esse ano especificamente definimos pela não participação por conta das reformas exigidas no estádio do clube para a disputa da primeira divisão do Campeonato Paulista em 2025.
Você é integrante da comissão técnica do treinador Guilherme Alves. Qual a importância dele no acesso?
Rafael Mantovani: O Guilherme é um profissional fora da curva, que sempre encorajou e deu liberdade aos atletas. Claro, dentro dos conceitos de trabalho. Acho que isso foi um diferencial dele junto ao grupo. Eu tive a oportunidade de conviver com ele e, mais que um profissional, é uma pessoa incrível. Trabalhar com ele tem sido um prazer e um privilégio.
Essa comissão permanecerá no clube?
Rafael Mantovani: Nosso desejo é ficar no Velo Clube, até por todo o contexto histórico do clube, que está longe da elite há 45 anos e por ter conquistado o título da competição, algo muito importante para o clube. Então, o desejo é permanecer até para fazer uma boa participação na primeira divisão. Entretanto, essa decisão está tudo nas mãos do Guilherme e da diretoria.
Falando da sua função, o que faz um analista de desempenho no dia a dia de um clube de futebol?
Rafael Mantovani: Eu tenho um contato direto tanto com o Guilherme, quanto com seu auxiliar, o Xandão (Leandro Benuto de Almeida). Alguns até brincam que o analista é um auxiliar do auxiliar, porque fico condicionado a passar muita informação ao Xandão. No dia a dia, eu assisto de dois a três jogos mais recentes das equipes que vamos enfrentar na sequência e analiso os padrões de jogo deles, a forma de atacar e de defender, estratégias de bola parada, os batedores de faltas e escanteios, identifico características físicas, técnicas e táticas dos jogadores e seus respectivos comportamento dentro de um jogo. Com esse material eu produzo um vídeo que passa pelo aval da comissão técnica e depois é repassado aos atletas nas preleções. Até para essa preleção preparo ainda um relatório com algumas informações prévias da equipe que enfrentaremos, com a provável escalação, jogadores pendurados com cartões amarelos ou suspensos, jogadores lesionados, a situação na tabela e algumas informações numéricas, como número de gols, se a equipe tem melhor desempenho ofensivo ou defensivo, tanto dentro quanto fora de casa. Também forneço algumas informações de atletas específicos para situar os jogadores do meu time. Por exemplo, eu passo para os defensores se o atacante adversário é forte, fraco, rápido ou lento, se é canhoto ou destro, se joga mais dentro ou fora da área, entre outras, para que eles estejam familiarizados com o que enfrentarão em campo.
O que é necessário para se tornar um analista de desempenho?
Rafael Mantovani: Primeiramente é preciso estudar bastante. Parece meio óbvio, mas nessa área são exigidos cursos preparatórios que vão te capacitar, não apenas na análise de desempenho, mas também em análise de mercado (para identificar possíveis jogadores que possam vir a reforçar a equipe) e análise de dados. Hoje, tem um leque muito grande dentro das funções de analista. Eu optei pela área de desempenho porque gosto de estar no campo, me relacionar com o atleta e entender como ele se comporta no jogo. Além dos cursos, tive a experiência de trabalhar no Ituano Futebol Clube, de 2022 até junho de 2023, nas categorias de base, sub-15 e sub-17, prestando algum apoio também ao sub-20 e até ao time profissional. Também tive uma experiência com o time sub-20 do América (RN), no início de 2024, que participou da Copa São Paulo de Futebol Júnior e esteve sediado em Salto.
Qual a importância de um analista de desempenho para um time de futebol na realidade atual?
Rafael Mantovani: O analista, como falei, auxilia o auxiliar técnico. E hoje, no futebol, são muitas coisas que o técnico e seu auxiliar precisam administrar dentro do clube, as quais tomam muito tempo. O treinador, além de dar treino, é um gestor de grupo e solucionador de problemas, além de ter suas obrigações em preparar o time para a próxima partida. E o analista é uma espécie de facilitador, levando todas as informações necessárias para o treinador e seu auxiliar, não apenas do adversário, mas também da própria equipe. É uma função que, na Europa, existe há muito tempo, mas no Brasil é relativamente nova.
Como foi para você decidir por essa área do futebol?
Rafael Mantovani: Eu sempre me envolvi com o esporte de forma geral e iniciei profissionalmente na Comunicação, pensando em trabalhar com coberturas esportivas ou assessoria de imprensa para clubes. Mas, estar no campo foi algo que sempre me atraiu, então quando me graduei como jornalista, ainda sentia que faltava algo para me complementar. Foi então que decidi cursar Educação Física para que pudesse ter um repertório sobre o que acontece com o atleta. Durante o curso eu me aprofundei nessa área de analista de desempenho, algo que eu já estudava por conta própria, mas demorei um tempo até decidir migrar de vez para a área de análise.
E para o futuro você pretende seguir nessa área ou podemos ter um dia mais um treinador saltense em atividade?
Rafael Mantovani: Eu projeto continuar na área de análise e aprender o máximo que eu puder e que me faça sentir plenamente realizado. Eu tenho o curso da CBF para times profissionais, mas já estou estudando possibilidades de cursos na Conmebol (Confederação Sul-americana de Futebol), na Associação de Futebol da Argentina (AFA) e, num futuro, espero que não tão distante, quem sabe fazer cursos da Uefa (União das Federações Europeias de Futebol) para me capacitar também para trabalhos fora do país. Depois, eu penso sim em migrar para a parte de campo, como auxiliar ou treinador.