Comecemos por caracterizar senso comum (uma, de outras definições possíveis): a forma de falar que usamos mais comumente para nos referirmos às coisas. Assim, quando vamos falar de um cachorro, usamos a palavra “cachorro” e não “canis lupus familiaris”, seu nome científico; um meigo gatinho é um “gato” e não “felis silvestris catus”; e assim por diante. A linguagem do senso comum, nesse sentido, é a linguagem da comunicação do dia a dia. Já ciência (também uma, de outras definições possíveis) é um procedimento regrado de aproximação ao real que busca explicá-lo, explicação essa que procura valor universal – ou seja, uma afirmação de caráter científico deve ser válida no Brasil e no Japão, em português ou inglês, para homens e mulheres etc. Daí uma linguagem própria, usada entre os iniciados de determinado campo do conhecimento, para se buscar o rigor necessário à descrição de determinado fenômeno. E embora não usemos linguagem científica no dia a dia, aproveitamos os ganhos da ciência para nossa vida em geral: quando temos dor de dente ou quebramos um osso do corpo é à ciência que recorremos para resolver o problema. Essa introdução acima, no entanto, serve para propor uma ideia: há problemas quando misturamos as concepções do senso comum com as da ciência.
Sigamos o raciocínio: imagine-se um leigo que tem diante de si um girassol. É legítimo que suas opiniões sejam de ordem estética (“é um belo girassol”; “que girassol feio”) e subjetiva (“gosto mais dessa flor que daquela que vi semana passada”) e que sua linguagem para se referir ao objeto seja pouco rigorosa. Ao botânico, no entanto, cabe outro tipo de aproximação. Ele deve descrever da melhor forma possível o “Helianthus annuus”: por que floresce em tal época do ano e não em outra? Qual sua composição química? Qual o efeito de determinado adubo sobre a flor? Não cabe ao cientista, no gesto de conhecimento da realidade, dizer que seu objeto de estudo é “bonito” ou “feio”, “certo” ou “errado”, “me agrada”, “não me agrada”. Fiquemos, portanto, com a ideia: a aproximação do senso comum e da ciência à realidade é diferente. Diante dos fenômenos da realidade, a ciência não julga, explica; não determina, descreve; não prescreve, experimenta.
Qual é o problema anunciado anteriormente, então? Ora, as coisas parecem estar bem assentadas quando a ciência toma a palavra diante da esmagadora maioria dos fenômenos: químicos, físicos, biológicos etc. Há uma área, no entanto, em que predomina o senso comum e na qual a ciência parece não conseguir extrapolar seus limites para informar a sociedade: a área da linguagem. Sobre esse fenômeno, a aproximação típica do senso comum é a mais frequente. O que mais ouvimos falar sobre determinadas formas de se falar português? Que é “errado”, “feio”, “estropiado”, “dói no ouvido”. Pergunto, caro leitor: essas formas de falar concordam com uma visão científica da linguagem? Não, não é? E qual o problema? É uma discussão que precisa continuar.
Leandro Thomaz de Almeida é escritor, professor e membro da Academia Saltense de Letras, onde ocupa a Cadeira 33.